sexta-feira, abril 25, 2014

Mudar de ideia não nos diminui



Afirma-se constantemente que a realidade é mutável, dinâmica, por ser assim deveria ser normal mudarmos de ideia sobre ela. Porém, mudar de ideia mexe com orgulhos, exige humildade e nem sempre é ato bem visto. 


Quem raramente muda de ideia olha muito pouco para a realidade. Quem raramente muda de ideia contrasta pouco suas representações com o mundo objetivo. 



Ter vergonha de mudar de ideia é confundir as coisas, teríamos que nos envergonhar de não mudar, porque só não muda nunca quem pouco pensa, seja o tema que for. Os avanços pessoas e sociais advêm de mudanças e rupturas, seja de ações ou pensamentos.

Quando a mudança de pensamento é legitimada pela realidade, nunca se trata de retrocesso. A dúvida é a raiz da mudança, as certezas que temos sem dúvida são importantes e nos constituem, todavia, devem ser pontuais e em menor escalas do que as dúvidas.

A realidade ao nosso redor, na família, no trabalho, na cidade e no país, guarda ingredientes infinitamente mais complexos em qualidade e quantidade do que nossos sentidos podem captar. Daí a necessidade de nos perguntarmos sempre, será que é mesmo assim? O que essa mensagem ou esse discurso representam? Que visão de mundo eu reproduzo em minhas opiniões?

Honestidade intelectual não é seguirmos pensando sempre a mesma coisa, mas sim sempre questionarmos o que pensamos. Não confundamos honestidade intelectual com fidelidade intelectual, como ocorre em algumas religiões onde ser fiel a dogmas é tido como positivo e questioná-los é encarado como desvirtuante. 

Ser fiel e honesto intelectualmente é defender suas convicções e expressá-las sabendo que elas representam sua compreensão naquele momento, mas que estão em aberto para serem questionadas pelos outros e, principalmente, pela realidade.

segunda-feira, abril 14, 2014

Armadilhas da internet



Um pouco mais da metade da população brasileira ainda não usa regularmente a internet¹, mas para a outra metade que o faz é inegável que a rede ampliou e quiça diversificou o acesso a informação. 

Porém, quando pensamos sobre o acesso ao conhecimento mais elaborado temos a internet ainda mais como uma armadilha do que como fonte.

Pululam na rede "pesquisas" sobre temas curiosos e investigações cujas procedências são duvidosas. Infelizmente o recorrente é vermos destaques para notícias/pesquisas que afirmam resultados e achados que não são respaldados pelos acadêmicos e pela literatura séria da área. 

É importante buscar saber se as informações e curiosidades que acessamos, principalmente na área da saúde, física/astronomia, história etc... são corroboradas por órgãos e instituições reconhecidas.

Mesmo no que tange as notícias, podemos dizer que a internet ainda oferece as fontes tradicionais como os grandes meios de comunicação. Buscar uma diversidade de sites jornalísticos e a mídia alternativa é interessante, haja vista, o sólido monopólio que se mantem nessa área. 

Por muito tempo confundimos a opinião pública com a opinião de quem publica, como afirma Maffesoli, no trecho que destaco no fim do texto. Quando os meios de comunicação são controlados por poucas famílias, eles não tem legitimidade de produzir uma "opinião pública", embora disputem e queiram conduzir e pautar a mesma. 

Acho que a internet ainda hoje representa a reprodução do monopólio mais do que a liberdade dele. Todavia, a rede flexibilizou essa disputa e já é ferramenta fundamental para oferecer à sociedade outras versões e opiniões acerca da realidade social.

ZH – O que mudou no conceito de opinião pública com o aumento de relevância de fóruns e das redes sociais na internet?

Michel Maffesoli – Eu penso que não há mais uma única opinião pública, mas um mosaico de opiniões públicas. E isso pode ser visto por toda a internet, em blogs, em fóruns, nas redes, é um mosaico, uma variedade de opiniões públicas. Então, há uma diferença entre a opinião publicada e a opinião pública. Antes, as opiniões publicadas eram apenas as opiniões das elites, e isso fazia delas “a opinião pública”. Hoje, há uma fragmentação que é contemplada pela internet. Esse mosaico permite que essas opiniões sejam publicadas, ainda que não sejam vistas pela sociedade como a opinião pública.

Entrevista do autor aqui.

1- pesquisa sobre a internet aqui.

sexta-feira, abril 11, 2014

Divergências



Um tema que me intriga é a resolução de divergências. É comum, principalmente nas esquerdas brasileiras, as pessoas tratarem opiniões diferentes como inimizades pessoais que não levam a nenhum resultado positivo.

A tradição da filosofia política há muito se debruça sobre a capacidade do ser humano de se organizar em sociedade através de acordos e superação de controvérsias. Quando as questões se tornam irreconciliáveis o desafio do ser humano é conseguir conviver, respeitar aqueles com os quais não concorda. A cooperação social e muitos avanços só são possíveis com essa convivência.

Fazer política requer entender que há quem pense distinto e que a melhor análise de conjuntura e  a melhor leitura da realidade nem sempre serão suas. 

Não existe somente diferenças de interesses sociais e econômicos como também diferenças entre teorias políticas, econômicas e sociais gerais sobre o funcionamento das instituições, bem como concepções diferentes sobre as prováveis conseqüências de políticas públicas. As pessoas tem o direito de pensar diferente sobre essas questões. 

É um aprendizado quando entendemos que aqueles que o fazem tem legitimidade para tal e nem por isso são antiéticos, desonestos, safados, pelegos, chapa branca; ou por outro lado, sectários, porra locas, baderneiros, vândalos e ignorantes. 

No fundo as relações de poder, de classe e culturais estão acima dos sujeitos, demandam disputas coletivas para serem modificadas, disputas essas que são inerentes à política.

 Vale trazer a interessante passagem do autor John Rawls no livro Justíça como equidade para ilustrar o que estou dizendo.

Acredito que uma sociedade democrática não é e não pode ser uma comunidade, entendendo por comunidade um corpo de pessoas unidas por uma mesma doutrina abrangente, ou parcialmente abrangente. O fato do pluralismo razoável, que caracteriza uma sociedade com instituições livres, torna isso impossível. Esse fato consiste em profundas e irreconciliáveis diferenças nas concepções religiosas e filosóficas, razoáveis e abrangentes, que os cidadãos têm do mundo, e na idéia que eles têm dos valores morais e estéticos a serem alcançados na vida humana.