segunda-feira, agosto 24, 2015

E nossos valores?


Um sistema político e econômico débil como o nosso só pode produzir um sistema de valores com graves distúrbios.

Convivemos com uma crise de valores aguda, acreditamos e reproduzimos como verdades naturais as construções sócio-históricas de uma classe dirigente que lucra com a doença, com o desmatamento, com o crime, com as guerras e com o desespero e o endividamento alheio.

Não temos tempo para pensar, ainda mais pensar sobre essas coisas, temos que "ganhar a vida", correr, dar um jeito de ganhar mais e gastar menos, por vezes, não importando o que se faça para alcançar esses objetivos.

Estamos imersos em um arcabouço de valores tão esquizofrênicos que compramos teses dos que nos fizeram chegar a esse situação, culpabilizamos e julgamos os oprimidos, (vagabundo, preguiçoso, violento), nos portamos intolerantes diante do diferente (vide Europa hoje) e consumimos acriticamente na época do apogeu da obsolescência programada.

Igrejas lucrando com a promoção do ódio e do preconceito, escolas formando sujeitos repetitivos e obedientes, universidades públicas prestando serviços à empresas, economia dependente de setores que não fazem nenhuma "economia" dos recursos naturais e são reconhecidos poluidores, industria cultural apostando na simplificação e na mediocridade.

Assim, às avessas, nossos valores engrossam a trincheira da desumanização, por isso nunca foi tão urgente refletir sobre os valores que orientam nossas práticas profissionais, nossas relações pessoais e nossas escolhas políticas.


Gregório Grisa

sexta-feira, agosto 21, 2015

De carona no senso-comum


A direita programática historicamente sempre demonstrou notável habilidade em se apoiar no senso-comum, em se utilizar dele como ferramenta de manutenção de seus privilégios e de seu lugar hegemônico.
Se apoiar no senso-comum é uma estratégia com grande potencial de sucesso em uma sociedade passional e despolitizada como a brasileira. A experiência política e democrática da população brasileira é pequena e frágil.
A esquerda, ao contrário, tem enorme dificuldade de partir do senso-comum para levar suas pautas a um conjunto maior de pessoas. Historicamente a esquerda avalia como antiética essa prática, seria "usar o povo como massa de manobra". O discurso de esquerda, dotado de linguagem sociológica e economicamente refinada, restringe o alcance a grandes maiorias e preserva certa pureza às chamadas "vanguardas" (há quem se orgulhe dessa exclusividade).
A direita se aproveita de ondas de insatisfação e compra seus discursos fáceis para disseminar interesses subterrâneos e mais elaborados. A corrupção é um exemplo de pauta assimilada pela direita como cobertor semântico e moral para levar a diante seu projeto conservador.
Outro exemplo vivo de oportuna utilização do senso-comum pela direita é a crença transversalmente incutida nas classes médias brasileiras de que o atual governo federal é de esquerda. Pessoas saem as ruas para reclamar de um governo comunista e de esquerda sem nenhum constrangimento. Ou seja, a despolitização e o senso-comum inviabilizam as pessoas de perceber que, na prática, o governo atual é neoliberal conservador, vide suas ações concretas e alianças.
A insatisfação difusa e alienada é utilizada pela direita mais reacionária como bandeira anti uma suposta "esquerda corrupta", no fundo a direita sabe das vantagens que esse governo lhe garante, mas quer impor suas pautas no âmbito dos costumes e acelerar o processo privatizante já em curso, mas em ritmo moderado.
A incapacidade do cidadão médio brasileiro de diferenciar o PT e o governo do pensamento e ações de uma esquerda orgânica é o meio pelo qual a direita fortalece seus valores, isto é, com base na manutenção do senso-comum e da alienação é que a direita prospera e não com base na superação desses estágios limitados da consciência humana.
Ser contra o atual governo e contra o impeachment, por exemplo, são posições incompreensíveis para senso-comum de pensamento binário, assim como ser de esquerda e ser contra o governo e o PT. Enquanto as pessoas não vislumbrarem a complexidade da política em suas múltiplas dimensões, servirão de joguete para uma direita que escolhe cada palavra, cada termo e cada enunciado para montar no cavalo da insatisfação coletiva e cavalgar na despolitização.

Gregório Grisa

segunda-feira, agosto 17, 2015

Nem governo, nem direita

Obra de Wilson Tibério
Nem governo, nem a direita que se expõs na rua dia 16/08. Respeito os que irão às ruas dia 20/08, movimentos sociais populares que questionam o ajuste fiscal, mas que acreditam e defendem o governo em alguma medida.

Apesar de respeitar não me vejo em um ato em defesa de um governo indefensável. Infelizmente a dicotomia anti governo e pró governo é a que ficará no imaginário das pessoas, embora a realidade seja bem mais complexa que esse pensamento binário.

Esse é um momento que demanda estudo das minúcias políticas, das relações de poder estabelecidas e das ideologias em jogo.
Aqueles movimentos com inspiração de esquerda que vão às ruas dia 20/08, como a UNE, o MST, o MTST e outros, não podem cair na armadilha de comemorar o fracasso do golpe, de lutar contra "coxinhas".

A esquerda não pode ter sua agenda circunscrita à defesa da institucionalidade. Essa defesa só é coerente porque a interrupção do mandato de Dilma, injustificada juridicamente até então, levaria, obviamente, a um quadro de retrocesso e não de avanços, tendo em vista o atual congresso e a composição da chapa com Michel Temer.

Os que foram para rua domingo deveriam estar defendendo o governo, pois esse vem aplicando as principais pautas do empresariado conservador. Não o fazem por preconceito de classe, despolitização e ignorância.

O governo vem fazendo de tudo para agradar os setores que foram às ruas dia 16/08 ao invés de enfrentá-los. A tosquice dessas pessoas vestidas de verde e amarelo chama mais atenção do que a razão para o naufrágio do governo, qual seja, adotar o receituário econômico daquele que essa elite queria ter eleito.

terça-feira, agosto 04, 2015

Crise para quem?


O Brasil vive uma crise econômica, abundam as reportagens diárias afirmando isso. A indústria vai mal, a União corta gastos em todas áreas para gerar superávit primário a fim de pagar juros da dívida, o RS parcela salários do funcionalismo argumentando não ter alternativas (embora haja). 

Todavia, há duas notícias nos últimos dias que provam que a crise não toca a todos. O Bradesco comprou o HSBC Brasil por um pouco mais de 5 bilhões de dólares. O mesmo banco anunciou o maior lucro trimestral da história, 20% maior quando comparado com o mesmo período do ano passado. 

A outra notícia é o lucro trimestral do ITAÚ, mais um record. Quanto maior é  a Taxa Básica de Juros (Selic) maior são os lucros dos bancos,  grandes detentores dos papéis da dívida pública. Governo Dilma vem garantindo tais lucros por opção. 

Nenhuma voz da mídia corporativa se levanta contra o absurdo moral e econômico que representam esses lucros dos bancos em uma sociedade desigual. Ao contrário,  noticiam entusiasmados o fato. 

Os muito preocupados com as condutas pessoais,  que atribuem os grandes males da nação a alguns desvios éticos individuais não questionam o funcionamento do sistema, da estrutura produtora de desigualdades.  

Vivemos em um mundo doente em que a crise da maioria é profícua para bancos e rentistas. Somos reféns de instituições financeiras que orquestram a política econômica do país visando seus próprios benefícios ao capturar o Estado via, em grande medida, do financiamento do sistema político e do fortalecimento do sistema da dívida.

O funcionalismo público, os trabalhadores assaliarados que produzem a riqueza material da sociedade,  os trabalhadores informais e os aposentados pagam a conta da crise e os imorais lucros dos bancos e especuladores. 

A ruptura com essa lógica tem de ser radical, não há conciliação possível quando os direitos fundamentais da maioria da população são desrespeitados.

Gregório Grisa

domingo, agosto 02, 2015

Sobre as velhas receitas

Há uma relação equivocada entre privatização e enxugamento do estado com correção das contas públicas e diminuição da dívida.
Quem conhece a dinâmica de funcionamento das finanças do estado, as fragilidades do pacto federativo e principalmente a história sabe que a relação acima é falsa.
Analisando o aumento da dívida nos sucessivos governos do RS se verifica que aquele que mais privatizou, o governo Brito, foi de longe o que mais aumento a dívida pública (122%) na era democrática.


Esse aumento é cinco vezes maior do que qualquer outro governo recente, ou seja, a venda de patrimônio público, a revisão de direitos dos servidores, como em planos de demissão feitos a época, só ampliaram o rombo das contas públicas e não o contrário.
O absurdo é que mesmo diante de tal obviedade convivemos com a proposição dessas mesmas receitas, vindas tanto do monopólio midiático representado pela RBS e do empresariado conservador como do atual governo obediente e representante dessa elite local.
São ações opostas a essas que movimentam e economia e criam um ambiente favorável para pedir o "esforço da população". Ampliando o investimento nos serviços públicos, fortalecendo os laços nacionais e internacionais com potencial de investimento, engendrado projetos qualificados para buscar recursos na esfera federal e fomentando pequenos e médios negócios.
A política de dar isenções para os grandes e cortar na carne de quem vive do trabalho e do funcionalismo é desumana, reacionária e alimenta a crise já instalada por fatores externos e conjunturais.
O governo Sartori pode ser explosivo, pois é a soma de um pensamento atrasado e elitista com um contexto que pode justificar medidas catastróficas para o estado, quiçá medidas mais deletérias que as do governo Brito. Judicialização conhecida da época (Lei Brito), que ampliou a dívida e retirou direitos tende a ser reeditada em outras escalas.

Gregório Grisa