terça-feira, junho 28, 2016

“Escola sem partido”: imposição da mordaça aos educadores.



Gaudêncio Frigotto[1]      

Ao cidadão atento e preocupado com a educação no Brasil, especialmente a básica, poderá perceber um processo de crescente desmanche do que a define pela Constituição Brasileira: um direto social e subjetivo.  Para metade da juventude brasileira, em plena segunda década do Século XXI, nega-se a etapa final da educação básica, o ensino médio e os que o alcançam o fazem em condições precárias. Mutila-se, assim, a perspectiva de futuro tanto da cidadania ativa quanto as possibilidades de integrarem-se ao mundo do trabalho de forma qualificada.
Tão preocupante ou mais, tem sido o processo de desqualificar a educação pública, único espaço que pode atender ao direito universal da educação básica, pois o mundo privado é o mundo do negócio. Esta desqualificação não foi inocente, pelo contrário, abriu o caminho para a gestão privada ou com critérios privados da escola pública mediante institutos privados, organizações sociais, etc. E, mais recentemente, para se apropriar por dentro, com a anuência de grande parte dos governantes, da definição do conteúdo, do método e da forma da escola pública.
Junto com esse processo os “denominados especialistas” pela mídia empresarial de TV e revistas semanais, veem sistematicamente desclassificando a formação e o trabalho docente justificando o sequestro de sua função. Sem meias palavras, os docentes são concebidos como entregadores dos conhecimentos definidos por agentes “competentes” sob a orientação de bancos, associações e institutos empresariais.
Os arautos e mentores da “Escola Sem Partido” avançam num território que historicamente desembocou na insanidade da intolerância e eliminação de seres humanos sob o nazismo, o fascismo e similares.  Uma proposta que é absurda e letal pelo que manifesta e pelo que esconde[2].  O que os projetos que circulam no Congresso Nacional, em Câmaras Estaduais Municipais, em alguns casos como Alagoas já aprovados, cuja matriz é a “Escola Sem Partido” liquidam a função docente no que é mais profundo – além do ato de ensinar, a tarefa de educar. Na expressão de Paulo Freire, não por acaso execrado pelos autores e seguidores da “Escola Sem partido” - educar é ajudar aos jovens e aos adultos a “lerem o mundo”. Um dos argumentos basilares da “Escola Sem Partido” é a tese da “Liberdade de Ensinar”. O que se elimina e combate é justamente a liberdade de educar.  O que era implícito desde a revolução burguesa, instruir sim, ainda que de forma diferenciada, mas educar não, agora é proclamado como programa de ação.
 O que propugna a “Escola sem Partido” e a proposta que daí deriva constituem-se na esfinge que vai além do campo educacional. Uma esfinge para a sociedade brasileira decifrar e combater, antes que ela nos devore.  Destaco aqui apenas alguns aspectos desta esfinge.
Ao por entre aspas a denominação de “Escola sem Partido” quer-se sublinhar que, ao contrário, trata-se da defesa, por seus arautos, da escola do partido absoluto e único: partido da intolerância com as diferentes ou antagônicas visões de mundo, de conhecimento, de educação, de justiça, de liberdade; partido, portanto da xenofobia nas suas diferentes facetas: de gênero, de etnia, da pobreza e dos pobres, etc. Um partido, portanto que ameaça os fundamentos da liberdade e da democracia liberal, mesmo que nos seus marcos limitados e mais formais que reais. Um partido que dissemina o ódio, a intolerância e, no limite, conduz à eliminação do diferente.
 Este é o lado mais voraz da esfinge. Vale aqui transcrever um breve trecho da crônica O alarme de Luiz Fernando Veríssimo escrito em 2014. Nela o autor alerta sobre os sinais que rondam sobre nossas cabeças como o monólito observado pelos astronautas no filme de Stanley Kubrick 2001: Uma Odisséia no Espaço. Veríssimo se pergunta:

Haveria um momento na vida das pessoas ou das sociedades em que funcionaria um alarme parecido com o que alertou o Universo para a chegada dos temíveis humanos, no filme. Pode-se especular sobre qual seria esse momento para um judeu na Alemanha, nas primeiras manifestações do nazismo, por exemplo. Seria a pregação racista do partido mesmo antes de assumir o poder? Seria o que já se sabia do pensamento de Hitler e outros teóricos do fascismo? Qual o exato instante em que este hipotético judeu se convenceu que era preciso fugir do holocausto que se aproximava?
Para muitos, o aviso nunca veio, ou veio tarde. Muitos não acreditaram que o nazismo chegaria ao poder e depois aos seus excessos. E pagaram por não reconhecer o momento. Demorou algum tempo para que o resto do mundo se desse conta do que estava acontecendo na Alemanha nazista. O fascismo foi visto como um bem-vindo antídoto para a ameaça comunista. Já havia perseguição a judeus e outras minorias no país e a companhia Ford continuava fazendo negócios com a Alemanha - e continuou a fazer negócios depois do começo da guerra. Henry Ford era um notório antissemita, mas os produtores de Hollywood que desencorajavam críticas ao regime de Hitler nos seus filmes para não perder o mercado alemão eram todos judeus. Nenhum reconheceu o momento. Na falta de um sentinela para nos alertar que os bárbaros estão tomando conta, resta confiar no nosso instinto[3].

Nada mais explícito para o aviso da “Escola Sem Partido” e da “Liberdade para Ensinar”. As esfinges mais vorazes são aquelas que nos chegam pela incapacidade de vermos os sinais, pois elas se escondem sob o manto ideológico de “liberdade”, da formação competente para a competitividade e sucesso na vida dos negócios. Manto martelado pelos poderosos meios de comunicação que fazem parte desta ideologia e passam a moer os cérebros de pais, crianças e jovens e de corporações políticas contra a escola pública e os docentes por não ensinarem o figurino que a “arte do bem ensinar” manda.
 A única leitura do mundo, da compreensão da natureza das relações sociais que produzem a desigualdade, a miséria, os sem trabalho, os sem teto, os sem terra, os sem direito à saúde e educação e das questões de gênero, sexo, etnia, cabe aos “especialistas” autorizados, mas não à professora e ao professor como educadores.  Decreta-se a idiotização dos docentes e dos alunos, autômatos humanos a repetir conteúdos que o partido único, mas que se diz sem partido, autoriza a ensinar.
No chão da escola, a esfinge da “Escola sem Partido” e da “Liberdade para ensinar”, quebra o que define a relação pedagógica e educativa: uma relação de confiança, de solidariedade, de busca e de interpelação frente aos desafios de uma sociedade cuja promessa mais clara, para as novas gerações, é de” vida provisória e em suspenso”. Esta pedagogia de confiança e diálogo é substituída pelo estabelecimento de uma nova função para alunos, pais, mães: dedo-duro. Muito mais grave do que os vinte e um anos de ditadura civil-militar onde os dedo-duro eram profissionais.
  Em 2000, dezesseis anos atrás, estive dando uma palestra na bucólica e pequena cidade de São Ludgero em Santa Catarina.  Ano que comemorava os quinhentos anos de  descobrimento do Brasil. Na parede estavam  trabalhos de alunas e alunos da nona série e um destes trabalhos de uma menina estampavam a seguinte frase: Querem nos convencer que o Brasil  foi descoberto em mil e quinhentos: que mentira, que vergonha!  Certamente teve um professor ou professora de história que, por suas análises, lhes permitiu ver que este é o discurso dos descobridores que consideravam os povos primevos (denominados por eles de índios) não humanos e, portanto, embora aqui estivessem a milhões de anos, sua história não existia.  Quantos pais e alunos seriam hoje incentivados a denunciar como aberração doutrinária desta professora ou professor que ideologizou esta pobre menina inocente a dizer tamanho absurdo! Qual seria a pena estipulada pela legislação da “Escola Sem Partido” já aprovada em Alagoas para esta professora ou professor?  Perda do concurso? Um ou dois anos de reclusão?  Haja cadeias, pois os docentes do Brasil, em suas organizações científicas, culturais, sindicais e por franjas de partidos políticos que atuam nos parlamentos proclamam: não somos idiotas, esta mordaça não vingará, mesmo que a insanidade ou os que não percebem o alarme da esfinge a constituam em lei.
Todavia, face à brutalidade desta esfinge que paira sobre nossa sociedade vale reiterar a sinalização dada por Luiz Fernando Veríssimo: Na falta de um sentinela para nos alertar que os bárbaros estão tomando conta, resta confiar no nosso instinto.
   





 [1] . Doutor em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor titular (aposentado) na Universidade Federal Fluminense. Atualmente professor no Programa de Pós Graduação em políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
[2]. Para análises que aprofundam o sentido manifesto e o que escondem os ideólogos da escola sem partido, liberdade de aprender etc. o leitor poderá consultar os textos do professor Dr. Fernando de Araújo Penna da Universidade Federal Fluminense em: site. anpuh.org 
[3] . Ver: Luiz Fernando Veríssimo. O alarme.  HTTP//cultura.estadão.com.br, posta  em 20 de  Fevereiro de 2014 e retirado da internet em 27 de junho de 2016

segunda-feira, novembro 30, 2015

A extensão pode deixar a universidade com mais cara de Brasil.


O papel subalterno dado a extensão universitária, diante de seus colegas ensino e pesquisa, reflete a elitizada formação das universidades brasileiras. A função social da universidade pública é oferecer respostas a problemas sociais concretos do seu entorno, o braço da extensão é o que melhor serve a esse propósito.

No entanto, dentro do que é valorizado na carreira acadêmica hoje, os projetos de extensão são coadjuvantes, pouco valem em progressões profissionais, em concursos públicos, há pouco financiamento, há pouco reconhecimento e status social para quem se dedica a promoção da extensão.

Tendo a publicação em periódicos especializados como o critério nuclear de classificação da carreira docente, estamos valorizando em especial que perfil de profissional? Que tipo de atividade laboral cotidiana?

Estamos valorizando aqueles que ficam maior parte do seu tempo de trabalho sozinhos em frente ao seu computador, fazendo revisões bibliográficas, tabulando dados e, principalmente, adaptando seu trabalho as heterogenias normas das diversas revistas científicas. Estamos valorizando os que não querem mais dar aulas na graduação, os que não querem ocupar espaços de gestão ou burocráticos e usam seu tempo construindo estratégias, individuais ou em pequenos grupos, para publicar mais, pois esse é "caminho para o sucesso".

Os artigos não devem ser valorizados? Mas eles são fruto de pesquisa empírica também? Claro que devem ser valorizados, a questão é porque chegamos a um patamar taxionômico em que o reconhecimento advêm basicamente de uma fonte, a publicação em periódicos específicos?

O tráfico de influência, o conflito de interesses e a baixa politica, tristes características da vida política do país, também são percebidas no meio acadêmico. O lobby dos periódicos conformam um mercado lucrativo (status que por consequência traz dividendos, financiamento, contratos, patrocínios, etc...).

Projetos de extensão, vinculados a pesquisa, deveriam ser prioridade no serviço público, nos concursos e nos critérios de progressão na carreira.
Aqueles que se desafiam a propor melhorias reais para a vida das pessoas, que colocam a cara a tapa na sociedade civil, que visam popularizar o conhecimento e enfrentam interesses para qualificar políticas públicas deveriam ser extremamente valorizados, nem sempre o são. A meu ver esse seria um dever ético do meio acadêmico, da universidade.

Sei que há lindas experiências extensionista no Brasil e que muitas instituições avançaram muito, mas ainda é muito pouco. As Ações afirmativas dão esperanças nesse sentido, até 2022 esperamos que o novo público que chega à universidade possa oxigenar a academia e empoderar a extensão.

Enquanto pensarmos a pesquisa e a qualidade científica apenas pelo prisma da publicação (indexada ou não) estaremos reproduzindo relações de poder desiguais transplantadas da sociedade para o universo acadêmico. As áreas do conhecimento que têm maior proximidade com o capital (seja econômico ou de status) sempre deterão os espaços de prestígio, pois o sistema está e foi pensado com esse desiquilíbrio, desprezando critérios de equidade.

É preciso ter coragem política para romper com a dinâmica avaliativa aspecto técnico) e de reconhecimento (aspecto cultural/político), isso passa por pequenas mudanças normativas nas universidades e grandes mudanças, a nível nacional, nas políticas que tratam do ensino superior.

Gregório Grisa

quarta-feira, novembro 18, 2015

Rezar?

Campanha depois dos atentados de sexta-feira foi ‪#‎PrayForParis‬. Os terroristas dizem agir em nome do seu deus. Outra “hashtag“ é ‪#‎prayforsiria‬ , tudo girando em termos religiosos.

Preces, rezas, imensas bobagens ineficazes. 

Criar símbolos de comoção que se pautam em hábitos religiosos é uma doença, sinal de que a política, a técnica, a ciência, a diplomacia e a inteligência perderam.

Coletividades inteiras se mobilizam em torno de uma asneira monumental que é a ideia de deus, a imaturidade bestial com que vivemos nossa espiritualidade é uma das razões do nosso imobilismo e da nossa impotência.

Friedrich Nietzsche estava errado, deus não morreu, ele nunca existiu, crenças infantis como essa tem de perder força, sob pena de seguirmos como uma civilização andando em círculos, vendo se repetir guerras, violência, ignorância e injustiça.

sexta-feira, novembro 13, 2015

Pessoas merecem respeito, suas opiniões nem sempre.



Um discurso que sempre me inquietou foi o de que "todas opiniões devem ser respeitadas", respeito aqui entendido como aceitação de qualquer opinião, por mais estapafúrdia que ela seja. 

Esse discurso, que me incomoda, é muito forte quando o tema é a crença religiosa ou política das pessoas. Lendo um texto do controverso filósofo Slavoj Zizek encontrei a seguinte passagem:

"O respeito às crenças dos outros como o valor maior só pode significar uma de duas coisas: Ou tratamos o outro de forma condescendente, evitando magoá-lo para não arruinar suas ilusões, ou adotamos a posição relativista de vários “regimes da verdade”, desqualificando como imposição violenta qualquer posição clara em relação à verdade".

Eis o problema, não estou disposto a tratar o outro de forma condescendente e nem estou de acordo com o relativismo que aceita infindáveis "regimes de verdade". 

Então, em uma palestra recente que assisti do filósofo espanhol Fernando Savater ele me ajudou a sair desse labirinto, do seu ponto de vista não existe bobagem maior do que dizer que todas as opiniões são respeitáveis. 

“Todas as pessoas é que são respeitáveis, tenham as opiniões que tiverem. Mas as opiniões em si não são respeitáveis. Se uma pessoa acredita que dois mais dois são cinco, não deve ser presa ou torturada por isso. Mas a opinião de que dois mais dois são cinco não é mais respeitável que a opinião de que dois mais dois são quatro."

Temos de nos acostumar a distinguir que a forma de respeitar as opiniões é discuti-las. Do latim, 'discutere' era puxar uma árvore para ver se tinha raízes fortes ou não. Quando alguém discute uma opinião, quer ver se ela tem raiz na realidade, ou se é algo superficial.

A superstição que embasa os grandes preceitos do pensamento religioso e do criacionismo não é respeitável. A reprodução do senso-comum que sustenta as pautas reacionárias conduzidas pelo Congresso Nacional mais conservador da era moderna não é respeitável. 

A superficialidade política que alimenta o sentimento punitivo, o preconceito e a criminalização dos movimentos sociais e da população pobre não é respeitável.

Fazer a didática separação entre a pessoa e suas opiniões é muito importante para que o debate público se aprimore, para que a onda de burrice raivosa (como dizem Eliane Brum​ e Marcia Tiburi​) que vivemos seja combatida, para que não troquemos o debate essencial e necessário pelo contingente. 

quinta-feira, outubro 22, 2015

Doença lucrativa



Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) 5% da população mundial sofre de depressão. No Brasil teríamos 10% da população depressiva, o dobro da média mundial e acima de países como EUA (7%) e França (8%). A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) trás dados de que entre 2006 e 2010 18,45 milhões de caixas de antidepressivos foram vendidas no Brasil, um significativo aumento de 36% em relação ao período anterior.

O Rivotril (antidepressivo) foi o segundo medicamento mais consumido no país nos últimos 2 anos, perdendo apenas para um anticoncepcional distribuído pelo SUS. O remédio faixa preta foi mais consumido do que paracetamol e pomadas para assadura, por exemplo. Dados da IMS Health consultoria.

Esse processo é acompanhado por um boom de diagnósticos de depressão, bastante atrelado ao imperativo da felicidade permanente que vivemos. Hoje ou somos empreendedores de si mesmos, performáticos em nossas relações sociais, ou fugimos da curva, da "normalidade" de comportamento. 

Os interesses da indústria farmacêutica, que patrocina inúmeros eventos de psiquiatria que debatem sintomas e diagnósticos de depressão (para os quais oferece solução), somados a esse cenário que vincula a felicidade a uma euforia estendida, em geral, ligada ao consumo, conformam a parceria perfeita no capitalismo contemporâneo. 

A depressão é uma doença existente e grave, porém, a proporção exponencial com que seu diagnóstico vem crescendo, pari passo ao aumento do consumo de antidepressivos, nos faz indagar por que em outros períodos históricos seus sintomas eram menos agressivos ou tratados de outra forma que não química?

Enquanto buscarmos coletivamente um padrão homogênico de performance social e termos como modelo de felicidade o padrão de consumo estadunidense marcado pelo prazer imediato a qualquer custo, seremos uma sociedade cada vez mais doente, e, por consequência, cada vez mais medicada em razão das frustrações probabilisticamente óbvias, pois não há lugar no "sucesso e na felicidade" para todos.   

A indústria farmacêutica e muitos médicos que enriquecem junto com essa epidemia de medicalização que vivemos agradecem.  Precisamos de mais literatura, poesia, arte, filosofia e tempo para fruição e menos Rivotril, Prozac e assemelhados.

domingo, setembro 27, 2015

Dilemas da Educação

Venho participando de fóruns sobre os dilemas educacionais do país há alguns anos. Muitas pessoas bem intencionadas ventilam a ideia de que são necessárias mudanças metodológicas, curriculares, legais e pedagógicas para "melhorar a qualidade da educação".



Não há dúvidas que essas mudanças são importantes, o debate da base nacional comum, da reforma do ensino médio, das ferramentas de avaliação, da formação docente e outros sempre serão parte da vida de quem trabalha com educação e com escola.

Porém, tenho me convencido cada vez mais que a escola e a educação sozinhas não conseguirão dar o salto qualitativo que precisamos, elas por si só não são capazes de mexer no estrutural, no sistêmico. 

A melhoria da qualidade da educação acontecerá na medida em que o país melhore a qualidade de vida da sua população, os problemas vividos na escola (violência, apatia, falta de perspectiva, etc) são problemas sociais. Enquanto a valorização da educação não transitar do discurso para a materialidade, com um aumento exponencial dos recursos para área muitos debates serão vãos.

De algum lugar os recursos terão de vir, alguns setores terão de ser enfrentados, os lucros dos muito ricos tem de ser taxados, a dívida pública tem de passar por auditoria e a sonegação e evasão fiscal precisam ser atacadas verticalmente. Essas medidas devem trazer recursos para a educação pública e não drená-los apenas para o setor privado de ensino (FIES, PROUNI, PRONATEC).

Enquanto optarmos por pagar juros ao invés de investir em educação debateremos sobre o "ovo de Colombo" ou estaremos condenados a viver o mito de Sísifo* em nossos debates da área.

*Sísifo desafiou os deuses; quando capturado sofreu uma punição: para toda eternidade, ele teria de empurrar uma pedra de uma montanha até o topo; a pedra então rolaria para baixo e ele novamente teria que começar tudo.

Gregório Grisa 

segunda-feira, agosto 24, 2015

E nossos valores?


Um sistema político e econômico débil como o nosso só pode produzir um sistema de valores com graves distúrbios.

Convivemos com uma crise de valores aguda, acreditamos e reproduzimos como verdades naturais as construções sócio-históricas de uma classe dirigente que lucra com a doença, com o desmatamento, com o crime, com as guerras e com o desespero e o endividamento alheio.

Não temos tempo para pensar, ainda mais pensar sobre essas coisas, temos que "ganhar a vida", correr, dar um jeito de ganhar mais e gastar menos, por vezes, não importando o que se faça para alcançar esses objetivos.

Estamos imersos em um arcabouço de valores tão esquizofrênicos que compramos teses dos que nos fizeram chegar a esse situação, culpabilizamos e julgamos os oprimidos, (vagabundo, preguiçoso, violento), nos portamos intolerantes diante do diferente (vide Europa hoje) e consumimos acriticamente na época do apogeu da obsolescência programada.

Igrejas lucrando com a promoção do ódio e do preconceito, escolas formando sujeitos repetitivos e obedientes, universidades públicas prestando serviços à empresas, economia dependente de setores que não fazem nenhuma "economia" dos recursos naturais e são reconhecidos poluidores, industria cultural apostando na simplificação e na mediocridade.

Assim, às avessas, nossos valores engrossam a trincheira da desumanização, por isso nunca foi tão urgente refletir sobre os valores que orientam nossas práticas profissionais, nossas relações pessoais e nossas escolhas políticas.


Gregório Grisa