domingo, dezembro 23, 2012

Bento XVI e as ameaças contra a humanidade


Por Jean Wyllys

O papa Bento XVI disse que o casamento homossexual “ameaça o futuro da humanidade”.

Eu pensava que o que o ameaçava eram as guerras (muitas delas étnicas ou religiosas), a fome, a miséria econômica, a desigualdade e as injustiças sociais, a violência, o tráfico de drogas e de armas, a corrupção, o crime organizado, as ditaduras de todo tipo, a supressão das liberdades em diferentes países, os genocídios, a poluição ambiental, a destruição das florestas, as epidemias… Porém o papa, mesmo ciente de todos esses males e consciente de que sua instituição – a Igreja Católica Apostólica Romana – contribuiu com muitos deles ao longo da história ocidental,  disse que a humanidade é ameaçada pelo fato de dois homens ou duas mulheres se amarem e, por isso, decidirem construir um projeto de vida comum e obter o reconhecimento legal dessa união para gozar de direitos já garantidos aos heterossexuais.

O amor e a felicidade como ameaças contra a humanidade: foi o que afirmou Bento XVI.

O amor, uma ameaça?!

Dentre todos os desatinos do papa, este foi o que mais me chocou. Talvez porque sua afirmação estapafúrdia e anacrônica tenha violado diretamente a minha dignidade humana de homossexual assumido e orgulhoso de minha orientação sexual e de minha formação científica (sim, porque a afirmação de Bento XVI parte da crença absurda de que o casamento civil igualitário vai transformar todos os homens e mulheres em homossexuais e vai impedir que todas as mulheres da Terra recorram às técnicas de reprodução artificial).

Ora, o amor, como a fé, é inexplicável:  sente-se ou não. Não há dicionário que possa defini-lo; só o poeta pode dizer alguma coisa a respeito — fogo que arde sem se ver, ferida que dói e não se sente — mas para entendê-lo é preciso sentir tudo aquilo que o papa, os cardeais, os bispos e os padres, pelas regras do trabalho que escolheram desde jovens, são proibidos de sentir – seja por outro homem, seja por uma mulher.

Talvez por isso eles não entendem.

Mas o amor nunca poderia ser uma ameaça para a humanidade; antes, sim, uma salvação para os seus piores males, um antídoto contra os venenos que a intoxicam, uma vacina contra as doenças que a afligem. O papa está errado de cabo a rabo. Ele não entendeu nada mesmo.

Contudo, mesmo não entendendo, ele deveria ter um pouco de responsabilidade. Suas palavras têm poder, influência, entram na cabeça e no coração de milhões de pessoas no mundo inteiro. Ele poderia usá-las para fazer o bem. Em vez de dedicar tanto tempo e esforço a injuriar os homossexuais — eu confesso que não consigo entender o porquê dessa obsessão que ele tem com a gente — o papa poderia se colocar na luta contra os verdadeiros males que ameaçam, sim, a humanidade. Esses que matam milhões, que arruínam vidas, que condenam povos inteiros.

Bento XVI não pode continuar difundindo o ódio e o preconceito contra os gays. Ele não pode dizer que nós, só por amarmos, só por reclamarmos que o nosso amor seja respeitado e reconhecido, somos “uma ameaça”. Aliás, porque esse tipo de frases têm uma história. “Os judeus são a nossa desgraça!” (“Die Juden sind unser Unglück!”), disse o historiador Heinrich von Treitschke, e essa desgraçada expressão, publicada na revista alemã Der Sturmer e logo usada como lema pelos nazistas, deu no que deu. Nós, homossexuais, também sabemos disso: o nosso destino na Alemanha nazista, onde Bento XVI passou sua juventude, era o mesmo dos judeus, só que em vez da estrela de Davi, o que nos identificava noscampos de concentração era o triângulo rosa.

A tragédia do nazismo deveria ter servido para aprender que o outro, o diferente, não é uma ameaça, nem uma desgraça, nem o inimigo. E nós, homossexuais, não ameaçamos ninguém. O nosso amor é tão belo e saudável como o de qualquer um. E merecemos o mesmo respeito e os mesmos direitos que qualquer um.

Da mesma maneira que acontece agora com o “casamento gay”, o casamento entre negros e brancos — chamado, na época, “casamento inter-racial” — já foi considerado “antinatural e contrário à lei de Deus” e uma ameaça contra a civilização. Numa sentença de 1966, um tribunal de Virgínia que convalidou sua proibição usou estas palavras: “Deus todo-poderoso criou as raças branca, negra, amarela, malaia e vermelha e as colocou em continentes separados. O fato de Ele tê-las separado demonstra que Ele não tinha a intenção de que as raças se misturassem”. O casamento entre alemães “da raça ária” e judeus também foi proibido por Hitler. Até os evangélicos tiveram o direito ao casamento negado em muitos países durante muito tempo, porque eram, também, uma ameaça para a Igreja católica. Parece que alguns pastores não se lembram, mas foi assim.

Na Argentina, que em 2010 aprovou o casamento igualitário, a primeira grande reforma ao Código Civil, no século XIX, foi impulsionada pela demanda dos protestantes, que reclamavam o direito a se casar. Vários casais não católicos se apresentaram na Justiça, como agora fazem os homossexuais. Quando o país aprovou a lei de criação do Registro Civil e, depois, o matrimônio civil, em 1888, houve graves enfrentamentos entre o governo argentino e a Igreja Católica, que incluíram a quebra das relações diplomáticas com o Vaticano. No Senado, um dos opositores ao matrimônio civil disse que, a partir de sua aprovação, perdida a “santidade” do matrimônio, a família deixaria de existir. A lei foi chamada de “obra-mestra da sabedoria satânica” por monsenhor Mamerto Esquiú, quem disse sobre os governantes argentinos da época que “amamentam-se dos peitos da grande prostituta, a Revolução Francesa”. Todas a predições apocalípticas que foram feitas contra a lei de matrimônio civil, no entanto, não se cumpriram. Anunciaram, garantiram que o mundo ia se acabar…  mas o mundo não se acabou.

Passou-se mais de um século, mas as discussões são as mesmas. Os argumentos são os mesmos. E o papa Bento XVI continua sem entender. Não entende, tampouco, que o casamento civil e o casamento religioso são duas instituições diferentes. O casamento civil está regulamentado pelo Código Civil, que pode ser modificado pelo Congresso, já o casamento religioso depende das leis de cada igreja: por exemplo, o casamento católico é diferente do casamento judeu.

O casamento religioso é feito na igreja, templo, mesquita ou terreiro; o civil, no cartório. Para celebrar o casamento religioso na Igreja católica, os noivos devem ser batizados ou fazer um juramento supletório do batismo e devem realizar um curso prévio na igreja – o que não é necessário para o casamento civil, que pode ser celebrado por pessoas de qualquer religião ou por ateus. O casamento religioso, na maioria das igrejas cristãs, é indissolúvel – já o civil admite o divórcio.

Em conseqüência, uma pessoa pode se casar na Igreja apenas uma vez na vida, mas pode casar quantas vezes quiser no cartório, desde que seja divorciada. O casamento religioso, para que produza efeitos jurídicos, deve ser registrado no cartório – os efeitos jurídicos do casamento civil são imediatos. E essas são apenas algumas das muitas diferenças que existem entre o casamento civil e o religioso…
O que nós, homossexuais, reclamamos é o direito ao casamento civil. O projeto de emenda constitucional (PEC) que estou impulsionando no Congresso não mexe em nada com casamento religioso, cujos efeitos jurídicos são reconhecidos no art. 226 § 2 da Constituição, que se manterá inalterado. Meu projeto legaliza o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, mas nada diz sobre o casamento religioso. Da mesma maneira que o Estado não deve interferir na liberdade religiosa, as religiões não devem interferir no direito civil. Este último é uma instituição laica, que deve atender por igual as necessidades daqueles e daquelas que acreditam em Deus — em qualquer Deus ou em vários Deuses — e também daqueles e daquelas que não acreditam.

Chegará o dia no qual uma criança irá à biblioteca da escola para procurar, nos livros de história, alguma explicação sobre um fato surpreendente que o professor comentou em sala de aula: “Até o início do século 21, o casamento entre dois homens ou duas mulheres não era permitido”. Para o nosso pequeno cidadão, essa antiga proibição resultará tão absurda como hoje nos resulta a proibição do casamento entre negros e brancos, ou do voto feminino. E se ele descobrir, na biblioteca, que houve um dia em que um papa disse que o casamento gay ameaçava a humanidade, provavelmente sentirá a mesma repulsa que nós sentimos ao lermos a desgraçada frase de von Treitschke.

Bento XVI deveria pensar se ele quer passar à história dessa maneira. Ainda está em tempo.

Tomara que algum dia ele seja capaz de entender e aceitar o amor — qualquer maneira de amor e de amar — e fazer aquilo que Jesus Cristo pregava: “Amarás ao próximo como a ti mesmo”.

terça-feira, dezembro 18, 2012

Dobro

Tem sido tão difícil
entender, eu sei
cada um quer gostar
como convêm

Só gostar já não basta
pra seguir bem
ao ceder e apostar
vamos além?

Ser de alguém é
ser de si também?'
Então.
'Ser de alguém é um pouco
 ser seu também'

Se querer de todo
é igual a pertencer em dobro
vou passar a acreditar
em mim de novo

A indecisão, meu medo vão
podem vencer, eu sei
eu perdi a metade em ti
e me achei

'Ser de alguém é
ser de si também?'
Então.
'Ser de alguém é um pouco
 ser seu também'

G - F7+
Bb - F - D#

sexta-feira, dezembro 07, 2012

quinta-feira, dezembro 06, 2012

Nota do MST sobre a morte de Oscar Niemeyer


O MST tem um imenso orgulho de ter sido seu amigo, companheiro e ter recebido seu apoio
 
Foto: Taís Peyneau 

06/12/2012


Niemeyer foi um sábio, solidário e comunista!

O povo brasileiro e a humanidade perderam um de seus melhores amigos que viveu ao longo do século 20.

Niemeyer foi mais do que um arquiteto, foi um amante da vida  e um incansável defensor da igualdade entre todos os seres humanos.

Era comunista, não por doutrina.
Mas porque acreditava que todos os seres humanos são iguais e que deveríamos ter as mesmas condições de vida.
Por isso, foi acima de tudo um companheiro de todos nós!

Desprezava os bens materiais que a classe dominante brasileira tanto idolatra e explora a milhões, para acumular cada vez mais...

Defendia e praticava os valores humanistas e, sobretudo, o da solidariedade, contra qualquer injustiça.

O MST tem um imenso orgulho de ter sido seu amigo, companheiro e ter recebido seu apoio.

Teremos nele, sempre, um exemplo de vida.

Grande Oscar, seguiremos te encontrando por aí... nas suas obras e lembranças!

Direção Nacional do MST

terça-feira, dezembro 04, 2012

Poeira das estrelas


Por Marcelo Gleiser que é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Dança do Universo"

Todas as noites, olhamos para o céu (ou se não o fazemos ao menos deveríamos) para confirmar que está tudo tranquilo lá em cima, que as estrelas continuam brilhando pacatamente, que as Três Marias continuam sendo três e não duas ou quatro e que a Lua ainda não nos abandonou. Essa imagem de tranquilidade, escuridão e sossego é um privilégio garantido pelas enormes distâncias cósmicas. A luz que vem da estrela mais próxima do Sol, a Alfa Centauri, demora mais de quatro anos para chegar até nós e isso viajando a uma velocidade de 300.000 km/s. Não é à toa que a maioria das culturas antigas via o céu noturno como um bastião de regularidade, especialmente se deixarmos de lado os impetuosos planetas e cometas.
Mas o céu não tem nada de pacato. Muito pelo contrário, se existe uma palavra que possa resumir a natureza física do cosmo, ela tem de ser transformação. Na natureza, abreviando o dito do grande químico francês Lavoisier, tudo se transforma. E os grandes motores das transformações cósmicas -da criação e da destruição de mundos, da geração de elementos químicos que aparecem em planetas, sapos e pessoas- são as explosões que marcam o fim da vida das estrelas. Pode parecer estranho falar em vida das estrelas, como se elas fossem seres vivos, mas a verdade é que a analogia é muito apropriada. Estrelas também nascem, evoluem e morrem, e desse ciclo nascem outras estrelas e outros mundos. Podemos até imaginar que as estrelas são uma espécie de reciclador de material cósmico. A partir de hidrogênio e um pouco de hélio, elas geram praticamente todos os outros elementos do Universo. Em outras palavras, o ferro, o carbono, o ouro e o urânio que encontramos aqui na Terra e em nossos corpos vieram da explosão de uma estrela em nossa vizinhança cósmica há 5 bilhões de anos.
Quando uma estrela com massa superior a oito massas solares esgota o seu combustível nuclear, o seu fim é uma questão de pouco tempo. Em breve, ela será destruída por uma explosão de uma violência indescritível, liberando uma energia equivalente a 10 mil trilhões de trilhões de megatoneladas de TNT. (Ou, em notação mais compacta, 1028 megatoneladas de TNT). Como comparação, uma bomba nuclear produz algumas megatoneladas de TNT. Uma supernova, como é chamada a estrela moribunda, pode brilhar mais intensamente do que toda uma galáxia contendo bilhões de estrelas.
A energia gerada no coração das estrelas vem da transmutação entre os elementos químicos que ocorre através da fusão nuclear. Durante a fase mais longa da vida da estrela, hidrogênio funde-se em hélio, tal como no Sol hoje, contrabalançando a contração gravitacional forçada continuamente por suas camadas mais externas. Eventualmente, o hidrogênio no coração da estrela se esgota, e hélio é fundido em carbono. A gravidade vai tentando comprimir a estrela ainda mais, e ela funde o que pode para resistir a sua própria implosão. A uma certa altura, o processo deixa de ser eficiente, as camadas externas da estrela despencam sobre a sua rígida região central e são ricocheteadas para o espaço sideral com velocidades que chegam a 50.000 km/s. Com isso, todos os elementos químicos que estavam sendo "cozinhados" no interior da estrela são espalhados pela sua vizinhança, como sementes em um jardim. As supernovas irrigam o espaço à sua volta com os elementos químicos que darão origem a outros mundos.
A cada segundo, uma supernova detona em alguma parte do Universo. Em nossa galáxia, temos de esperar de 30 a 50 anos para presenciar tal evento. Às vezes, uma explosão ocorre próxima o suficiente para ser observada a olho nu. Mas, nos últimos 2.000 anos, apenas seis foram registradas. A mais espetacular apareceu em 1054 na constelação do Touro. Segundo registros do Observatório Imperial de Pequim, na China, essa supernova foi visível durante o dia por três semanas e à noite por um ano, desaparecendo tão misteriosamente quanto ela apareceu. Certamente, para os astrônomos imperiais e os outros observadores celestes que presenciaram essas aparições, as estrelas novas deviam ser mensagens dos deuses. E para nós? Talvez a sua mensagem mais importante seja a profunda união de todas as coisas cósmicas: que nós, como tudo o mais no Universo, somos poeira das estrelas.