O cofre e os negócios
por Jânio de Freitas, na Folha, em 29.06.2011
O desvio de R$ 3,9 bilhões do BNDES, das suas finalidades primordiais para viabilizar a integração do supermercado Pão de Açúcar com o Carrefour, implica o comprometimento do governo Dilma Rousseff com um negócio privado de futuro juridicamente incerto e com esperáveis efeitos negativos para os consumidores e a economia social. Obra possibilitada pelo uso do dinheiro público que engorda o cofre do banco.
Com esse envolvimento articulado em sigilo, como convém aos dias de hoje, o BNDES persiste no governo Dilma com sua presença bilionária e decisiva; durante o governo Lula, na senda de negócios suspeitos ou, mais do que isso, ostensivamente contrários às leis — como o negócio das telefônicas Oi/ BrTelecom, tramado contra proibição legal explícita. E, está provado,sob justificativas falseadas: nenhum proveito se mostrou ao país ou aos consumidores.
Invocar a ética em tal nível do capitalismo seria imperdoável. Mas seja qual for o nome apropriado, a parcela de fatos afinal conhecidos — depois de negados com firmeza pelos protagonistas – indica que o Grupo Pão de Açúcar está burlando o seu sócio Casino, também francês, que o socorreu em dificuldades não distantes e ao qual, por contrato e por pagamento feito, deveria entregar parte substancial de si mesmo em 2012. O já previsível é que o Grupo Casino defenda os direitos que proclama em páginas inteiras de jornais.
Ao agravar a participação do governo por intermédio do BNDES, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, insulta a percepção dos cidadãos com a pretensa justificativa de que a integração do Pão de Açúcar com o supermercado francês “facilitará a entrada de produtos brasileiros na Europa”. O Carrefour não precisaria de associação alguma para criar a facilidade, se a desejasse e pudesse criá-la, nas suas décadas de Brasil; não tem na Europa, nem mesmo na França, toda a dimensão insinuada por Pimentel; são inúmeros os meios efetivos, de fato, para “facilitar a entrada de produtos na Europa” e não só lá, o que se viu nos últimos tempos.
Acréscimo especial à desrazão de Pimentel: se ele e o governo Dilma não sabem, o Carrefour está sem meios, ainda mais para hipotéticas colaborações -fechou 2010, como se pôde ler há um ou dois meses em jornais europeus, com prejuízo na ordem dos bilhões. De euros.
É aí que se deve procurar a razão do grupo francês para o negócio. O governo brasileiro faz, porém, mais do que favorecê-lo e ao Pão de Açúcar: desfavorece os consumidores e o já comprometido equilíbrio na oferta e na concorrência dos supermercados. A formação do crescente oligopólio, encabeçada pelo Pão de Açúcar, sairá muito fortalecida do novo negócio. Há cidades em que a situação já é ou está próxima do monopólio. Caso do Rio, para dar um exemplo eloquente, onde o Pão de Açúcar, no mínimo, é ele próprio, criou a rede Extra e comprou a rede Sendas. Graças à maior altitude comum aos seus preços, e nunca atenuada pelo maior faturamento conjunto como não o será, pelo contrário, com os preços em geral bem aceitos do Carrefour-Rio.
Alimentar (sem trocadilho) a voracidade do Pão de Açúcar é contra o que já foi muito chamado de economia popular. Sem que os R$ 3,9 bilhões do BNDES contribuam em nada para maior produção industrial. Nem para um pouco mais de empregos, mas para o desemprego sempre decorrente das fusões em atividades comuns.