Segunda-feira última estive no Palácio Piratini, fazendo uma visita guiada, junto com um grupo de alunos do Congo que estão fazendo intercâmbio em Porto Alegre. A guia que nos recebe é uma bela mulher negra que, com eloquência, mostra-nos os espaços do Palácio, explicando-nos a que os detalhes fazem menção.
Há, na sede do Poder Executivo Estadual, estátuas do busto de Getúlio Vargas, dos positivistas Borges de Medeiros, Júlio de Castilhos e de outros generais. As homenagens à Guerra dos Farrapos são numerosas, tratam o feito como o maior marco da história do Rio Grande do Sul, como se o evento representasse um levante popular e substancial e não uma guerra da elite que usou os escravos como massa de manobra. (Sobre isso, ler o livro “A História Regional da Infâmia”, de Juremir Machado, que desmistifica tal guerra que não envolveu nem 10% da população da época).
No segundo piso do Palácio, há dois grandes salões, o maior é chamado “Negrinho do Pastoreio”, pois se refere à famosa lenda do menino negro açoitado pelo patrão. O teto desse salão é pintado com o intuito de reproduzir a lenda, o pintor da obra foi o italiano Aldo Locatelli. No salão ao lado, intitulado Alberto Pasqualini, há uma grande pintura que tem por objetivo mostrar os povos que participaram da formação social do estado do Rio Grande do Sul. Foi essa tela que deixou minha visita curiosa, nela estão retratados e homenageados o colonizador europeu, os bandeirantes paulistas, os imigrantes italianos e alemães, o índio guarani, o gaúcho estereotipado do tradicionalismo e o fazendeiro em seu cavalo.
Detalhe, eu estava com quinze alunos africanos e, na tela, não havia um negro, os escravos não fizeram parte da formação do estado? Na guerra farrapa, tão lembrada, não havia lanceiros negros? Quem sustentou as charqueadas no período colonial no sul gaúcho? Perguntamos isso a nossa guia que, constrangida nos diz que o salão Negrinho do Pastoreio seria uma homenagem à população africana, mas esse argumento não convence.
Depois, ficamos sabendo que o pintor italiano que produziu bela arte no Palácio tinha muita afinidade com as idéias fascistas de Mussolini e que, provavelmente, excluiu o povo negro de sua pintura intencionalmente. O que ficou do passeio é que o Palácio Piratini é um ótimo exemplo simbólico de ostentação ao tradicionalismo inventado, a uma guerra de negócios, como a dos farrapos, e uma homenagem ao colonizador. E os africanos com os quais fiz a visita e que vieram do mesmo continente daqueles que, em sua maioria, devem ter levantado pedra por pedra do palácio, não se viram homenageados.
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