domingo, setembro 17, 2006

Inspirações

A composição, a criação, a produção, a autoria, a invenção como quiser que se chame o processo a que me refiro, advém de uma rede complexa de fatores, motivos, idéias, entre outras (os). Em meio a tudo isso, existe uma categoria fundamental chamada de inspiração, a partir da qual podemos desenvolver vários focos de análise.
Todo ser humano tem um tipo de inspiração (mais aguçado ou não), vindo, provavelmente, de alguns dos sentidos. Há um tipo de inspiração que se destaca, mas, ao todo, temos fontes visuais, auditivas, táteis, intelectuais, emocionais e várias outras que devo ter esquecido aqui. Percebendo isso, podemos entender que quanto mais fontes “ricas” de inspiração nós tivermos, mais sensibilidades e capacidades criativas vamos desenvolver. Embora exista nos gênios algo que “vem de dentro”, das suas potencialidades, das suas percepções, eles sofrem influências da vida, do mundo das cores, dos dramas, dos erros, do cotidiano, do exercício da intimidade ou do sonho com ela, da dança, das teorias, das conjunturas, dos desejos, do imediato, do impossível, da arquitetura, do conjunto de admirações, da raiva, dos animais, dos jogos tácitos, dos desafios, do corpo etc...
Trabalhando com esse pensamento, temos um aspecto da nossa existência que se torna fundamental, a questão do tempo e do espaço, ou seja, o que te propicia, enquanto inspiração, o lugar e o tempo em que você se encontra? Eu não sei se as pessoas pensam nisso, ou se alguém já problematizou essa questão, por isso estou pensando nisso agora. É bom ficar claro que não estou falando somente de questões artísticas, mas de criação, no sentido da vida durante o dia, da nossa capacidade de resolver problemas, embora a idéia inicial fosse falar só de música, mas deixa pra lá.
Voltando à pergunta feita acima, queria falar sobre meu tempo e meu espaço. Esta avaliação não é referente à minha vida como um todo, nem à totalidade do lugar onde vivo, mas sim, sobre quais as possibilidades existentes, no meio em que vivo, para que eu possa desenvolver ou adquirir um leque interessante de inspirações, ou melhor, para que eu possa estar constantemente transformando minhas inspirações? Vou usar um exemplo de um dos maiores músicos do Brasil, Tom Jobim. Tentem imaginar quantas fontes de inspiração teve Tom Jobim: a beleza natural da sua terra, a intelectualidade, os parceiros, a dinamicidade do seu mundo, as subjetividades de um povo multicultural entre outras coisas.
Alegrete, cidade onde moro, e sua região, podem até ter pontos positivos, mas vou me deter aqui nos negativos, pois acredito que estes são determinantes. Os valores que banham nossa cultura são bem contestáveis, o machismo, por exemplo, claramente evidenciado nas relações interpessoais, a vida arraigada à tradição, com aspectos lamentáveis como o continuísmo. Tudo isso, de certa forma, engessa uma desejada mobilidade cultural, que viria para nos provocar sobre nosso jeito de levar a vida, de ver a vida. Toda construção cultural e artística que contraria esses valores e essa tradição é logo camuflada, ou seja, atribui-se um rótulo de “diferente” à novidade, criando, com isso, uma situação já excludente. Mas, para não ficar muito teórico vamos ao aspecto estético do lugar onde vivo. Entendo estética aqui como a beleza da vida, do mundo, da criatividade, como fonte de inspiração. Em âmbitos naturais, o que se destaca é a grande quantidade de campos abertos, muitas vezes secos (em todos os sentidos), e quando com alguma produção, trata-se de uma monocultura homogenizadora de imagens. O que quero dizer com isso? Que visualmente pouco nos inspira.
Com essa análise, não quero aqui justificar, ou ainda me desculpar pela pouca capacidade criativa dessas comunidades da região, ou até mesmo minha. Mas ao contrário, quero com isso valorizar o que existe de vanguarda, pois acho alguns casos heróicos. E também afirmar o quanto é necessário se mobilizar para a transformação de uma série de coisas que viemos pontuando, e que são plenamente possíveis. Se fôssemos pensar aqui sobre o conjunto de fatores que promovem nossas desvantagens, perceberíamos tantos, que daria para fazer vários trabalhos científicos em várias áreas do conhecimento.
Às vezes, paro para pensar sobre o quanto nossa população é privada de conhecer aspectos do mundo de um modo geral. Tanto via artes, como por vivências, experiências relacionadas a pessoas que percebem o mundo de maneira diferente. Portanto, dentro dos estágios que temos que passar para fazer algumas mudanças, acredito que estou dando começo ao primeiro (estando eu certo ou não), que seria perceber quais fatores culturais nos prendem a essa situação, ou qual a origem desses fatores. Ainda assim, gosto muito de Alegrete, tenho minha existência ligada a esse pedacinho do mundo. Alegrete é a capital do mundo, como costumo dizer. Pelo menos do nosso pequeno grande mundo.

obs: desculpem o texto grande, parabéns se chegou até o fim. Abraço!

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