domingo, abril 26, 2009

Quem sabe sabe!


Não sou de glorificar jogador de futebol, nem de, cegamente, individualizar vitórias. Porém, apesar de não marcar ninguém, correr muito pouco e ainda não estar em forma, Ronaldo pensa o jogo e isso faz diferença. Mano Meneses organizou a equipe de modo que o camisa 9 não precise se deslocar já que outros dois atacantes marcam, assim como o resto do time. Não da para dar espaço diriam todos, espaço geográfico pode ser dado, não se pode é dar muito tempo para pensar, aí sim ele faz a diferença como fez hoje. O inter tem de entender isso para nossa estréia no brasileiro.

sexta-feira, abril 24, 2009

Seis ministros do Supremo trabalham para Gilmar Mendes

por Severino Motta
Último Segundo/Santafé Idéias


BRASÍLIA - O site do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), uma escola de direito cujo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, é um dos proprietários, mostra que pelo menos seis outros ministros do Supremo fazem parte do corpo docente da instituição. O fato de seis magistrados trabalharem para o presidente do Supremo voltou à tona nesta sexta-feira, quando dez pessoas realizaram uma manifestação contra Gilmar Mendes em frente ao prédio principal da alta corte.Procurada para saber que tipo de serviços são prestados pelos ministros e quanto eles recebem do IDP, a assessoria de imprensa da instituição não soube responder. Os ministros listados no site da escola de direito são: Eros Grau, Marco Aurélio Mello, Carlos Ayres Britto, Carlos Alberto Menezes Direito, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Cezar Peluso.Durante uma manifestação na porta do Supremo, os manifestantes taxaram como “absurdo” o fato de ministros trabalharem para a escola de Mendes. Um deles, João Francisco Araújo Maria, que é professor de Ciência Política, disse que um movimento nacional está sendo organizado para protestar contra uma suposta “vocação autoritária de Gilmar Mendes”.Ele e os outro nove manifestantes distribuíram um documento pedindo que Mendes “saia às ruas” e “não volte para o STF”. No texto eles ainda se solidarizam com o ministro Joaquim Barbosa, que na última quarta-feira disse que Mendes está “na mídia destruindo a credibilidade do judiciário”.“Esse é um sentimento que está em toda a população brasileira, Joaquim Barbosa só expressou esse sentimento”, disse.IDPA assessoria de imprensa do ministro Gilmar Mendes disse que Lei Orgânica da Magistratura autoriza juízes a darem aulas e que o IDP conta não só com ministros do Supremo, mas quase todas as cortes do País. Lembrou ainda que os magistrados dão aulas também em outras instituições e que a prática faz parte da cultura jurídica.“O advogado aprende com o juiz, o juiz com o desembargador. É algo legítimo, legal e é assim que funciona”, afirmou a assessoria.

Nota do Viomundo: O que é estranho é os colegas de Gilmar exercerem função remunerada que, em última instância, depende da vontade dele, já no papel de empregador. Ou alguém acha que Gilmar daria emprego de professor a Joaquim Barbosa? Sabemos que a prática de dar aulas faz parte da "cultura jurídica". O que não faz parte da cultura jurídica é juízes da mais alta corte do país serem ao mesmo tempo colegas e empregados do presidente do tribunal. Gostaríamos de ter exemplos de outros países em que um juiz-empresário emprega colegas, aos quais pode fazer ou negar favores remunerados.
Fonte: blog do jornalista Luiz Carlos Azenha

quinta-feira, abril 23, 2009

Dica

Ontem a noite conheci o escritor Luis Fernado Veríssimo, fui em uma conversa com ele na livraria Letras e Cia. Aproveitei para saudá-lo pelo texto dele acerca do MST que está postado abaixo aqui no blog. Além disso, meu cunhado Luciano Thomé estava expondo seus desenhos na livraria, esses desenhos podem ser vistos aqui. Vale a pena estão interessantes.

Apoio a Joaquim Barbosa

O episódio ocorrido no STF ontem, em que o ministro Joaquim Barbosa pareceu liberar da sua garganta coisas que estavam há muito tempo engasgadas, nos diz algumas coisas. No desenrolar do diálogo acalorado pode ser que palavras ditas pelo ministro não combinem com o refino do debate da suprema corte, entretanto, demonstram que pelo menos alguém ali tem coragem de, primeiro pensar, depois em tal circunstância dizer o quão esdrúxula é a figura do presidente da casa.

O ministro Joaquim Barbosa, como intelectual apurado que é, sabe o que significa Gilmar Mendes, do ponto de vista político e sociológico, sabe a simbologia cultural do atraso e do jeitinho que ele carrega. O episódio, além disso, mostra que há limites humanos até para um ministro da última instância do judiciário, isto é, uma hora alguém iria rasgar as barreiras da pseudoneutralidade ideológica e iria enfrentar esse sujeito e o que ele representa, nem que seja via um "bate boca".

A nota triste foi a nota de apoio de oito ministros ao presidente, em que se tenta restabelecer e fortalecer uma aura fictícia de que as coisas andam muito bem e que o ocorrido foi algo pontual e que merece ser esquecido. O ministro Joaquim Barbosa está isolado em meio ao conservadorismo e o corporativismo dos seus colegas, uns inclusive professores do Instituto Brasiliense de Direito Público, instituição que Gilmar Mendes participa do controle acionário.
Quer saber mais sobre isso? E sobre o presidente do STF? Acesse esse o link abaixo que é de uma reportagem da carta capital sobre o empresário Gilmar.



http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=8&i=2287

segunda-feira, abril 20, 2009

Sobre jornalistas e sabujos


Por: Leandro Fortes

Se alguém tinha alguma dúvida sobre o consórcio midiático montado para desqualificar o trabalho do delegado Protógenes Queiroz e livrar a cara do banqueiro Daniel Dantas, basta chafurdar na série de recentes posts de blogueiros da linha auxiliar do esgoto, escalados para não contaminar as páginas com o lixo que realmente interessa aos jornais e revistas envolvidos nessa estratégia. A cobertura feita pelos jornalões do depoimento de Protógenes na CPI dos Grampos, na quarta-feira, dia 8 de abril, é o resumo dessa posição definitiva contra os efeitos da Operação Satiagraha, cujo emblema é a salvação não só de Daniel Dantas, mas da elite econômica e política ligada a ele. Contam, para tal, com a conivência obsequiosa do governo federal.

Basta ler o noticiário sobre a ida de Protógenes à CPI dos Grampos, onde o delegado deu um baile na bancada de Dantas e desmontou a estratégia de desmoralização do deputado Marcelo Itagiba, inocentemente montada a partir da exibição de um powerpoint com supostas contradições do delegado. Vaiado pela platéia e execrado pelos colegas, Itagiba foi obrigado a enfiar a projeção no saco e a ouvir, pela primeira vez, em público, uma verdade que ele só consegue manter em surdina por que tem o apoio cínico de quase toda a mídia: na campanha de 2006, ele foi financiado por Dório Ferman, executivo do Grupo Opportunity, do banqueiro condenado Daniel Dantas. Logo, está eticamente impedido de ser o chefe da cruzada dantesca, ora em andamento no Congresso Nacional. Quem jogou isso na cara dele, diante do mundo, foi o deputado Chico Alencar, do PSOL do Rio, mas quem quiser que tente se aventure a buscar a relevância desse fato nos jornalões ou nos portais corporativos da internet. Será uma garimpagem difícil.

Parte da imprensa e dos blogs de repetição montados nas redações tornaram-se porta-vozes da nova Polícia Federal comandada pelo delegado Luiz Fernando Corrêa, sobre quem paira uma denúncia gravíssima de tortura contra uma empregada doméstica no Rio Grande do Sul. Trata-se de assunto ignorado pela chamada “grande mídia”, cada vez mais um aglomerado de jornais e revistas decadentes onde não há mais espaço para a verdade, nem muito menos para a criatividade e o humor. Movidos por interesses outros, que não o jornalismo, os mandatários dos jornais brasileiros dedicam-se a um rancor reacionário contra Protógenes e a Satiagraha, doença infantil do elitismo nacional que se espalha como catapora pelas redações. E nisso reside um dado importante sobre a luta dos patrões contra o diploma de jornalista. Eliminado esse obstáculo, a formação dos jornalistas ficará a cargo desses cursinhos de redações, de verniz teen, mas velhíssimos na forma e nos conceitos, voltados para criar monstrinhos competitivos despojados de qualquer consciência crítica sobre o que escrevem, apuram e publicam.

Evolução do jornalismo “fiteiro”, como já bem conceituou o jornalista Alberto Dines, ao discorrer sobre a reprodução pseudojornalística de gravações e dossiês entregues sob encomendas às redações, a utilização dos espaços dos blogs para publicação de vazamentos seletivos é o mais recente movimento editorial da mídia brasileira. O inquérito do delegado Amaro Vieira, sobre vazamentos de informações da Satiagraha, adotou um procedimento programado de sangramento controlado, a ponto de se tornar, ele mesmo, o mais completo emblema sobre vazamento funcional da história recente do Brasil. É um triste expediente de desmoralização da PF cujo objetivo primordial é desconstruir, pedra por pedra, a memória da gestão do delegado Paulo Lacerda.

Afastado da PF e, depois, da Abin, Lacerda paga o preço por ter ousado retirar a Polícia Federal do gueto exclusivo da fracassada guerra contra as drogas, fonte permanente de corrupção e violência, e ter dado à corporação, nos limites das melhores doutrinas republicanas, status real de polícia judiciária da União. O processo que resultou no expurgo de Paulo Lacerda foi baseado num grampo telefônico jamais provado, publicado pela revista Veja e replicado, sem qualquer apuração suplementar, por dezenas de outros veículos de comunicação. É um estudo de caso de irresponsabilidade jornalística e inépcia policial. Passados sete meses desde a abertura do inquérito sobre o caso na PF, até agora o único resultado visível do processo foi a transferência de um dos delegados responsáveis pelo inquérito para Roma, talvez por bons serviços prestados.

As novas gerações de jornalistas brasileiros estão sendo desnutridas, dia a dia, de senso crítico e capacidade de contestação. A cobertura do depoimento do delegado Protógenes Queiroz gerou uma série de matérias absolutamente iguais, senão no conteúdo, na intenção. Ao ler os jornais no dia seguinte ao depoimento, tive a súbita sensação de ter participado de outro evento, embora tenha estado, por muitas horas, no mesmíssimo plenário do corredor das comissões da Câmara dos Deputados. Com pequenas variações sobre o mesmo tema, a mídia centrou-se deliberadamente no fato de Protógenes ter se negado a responder perguntas que não tivessem relação com escutas ilegais, objeto da CPI dos Grampos. O delegado negou-se a cair numa ratoeira preparada à luz do dia, enfeitada por um powerpoint de concepção primária, mas acabou, como de costume, condenado por isso. Perdeu-se, na bacia das alminhas pequenas da pautas pré-concebidas, a chance de contar uma boa história, dessas das quais são feitas o bom jornalismo. Restou aos leitores uma narrativa insossa e mal humorada, resultado da crescente burocratização da reportagem brasileira.

O elevado grau de sabujismo de repórteres brasileiros, hoje, na imprensa brasileira, me preocupa como jornalista e como professor de jornalismo. Não se trata, devo esclarecer, de uma crítica pontual a fulano ou a sicrano, mas de um fenômeno a ser considerado, estudado e definido como objeto de avaliação acadêmica e profissional, aí incluídas as participações dos sindicatos, da Fenaj e da ABI. Escudados pela desculpa da sobrevivência pura e simples, os repórteres estão indo às ruas com pouca ou nenhuma preocupação em relação à verdade factual, adestrados que estão por uma turma barra pesada que tem feito da atividade jornalística um exercício de servilismo muito bem remunerado, é claro.

As precoces reações corporativas, apoiadas incondicionalmente pelos suspeitos de sempre, contra a anunciada Conferência Nacional de Comunicação, são só um prenúncio da guerra que se anuncia toda vez que a sociedade reclama pela democratização da mídia e o pleno acesso à informação no Brasil. O primeiro movimento da reação já foi dado e é bem conhecido: a desqualificação dos protagonistas, como o que começou a ser feito em relação ao jornalista Franklin Martins, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República. O passo seguinte será o de tentar passar para a sociedade a impressão de que os fundamentos da conferência ferem o sagrado direito de liberdade de imprensa e de expressão. E sabem quais são esses fundamentos? O controle social sobre a baixaria da TV, fiscalização severa sobre as concessões de telecomunicações e o fim das propriedades cruzadas no setor, o que irá asfixiar os oligopólios midiáticos que controlam jornais, rádios, portais de internet e emissoras de televisão. Oligopólios econômicos e políticos que estão na origem da degradação política brasileira, da ignorância e da miséria social da maior parte da população. Resta saber de que lado nós, jornalistas, vamos estar nessa guerra.

Fonte : Site da Carta Capital.

quarta-feira, abril 15, 2009

Marie-Monique Robin: "O mundo segundo a Monsanto"



Pesquisadora francesa fala do poder da maior multinacional de sementes: corrupção de governos, produção armas químicas, controle de alimentos em nível global

Em entrevista jornal argentino Página 12, a escritora e documentarista francesa, Marie-Monique Robin apresenta seu novo livro, fruto de três anos de profundas investigações sobre o poder de influência da multinacional sobre Governos e o projeto de controle total da produção de alimentos em nível global. Corrupção, produção de armas químicas e controle sobre do que você come são algumas das denuncias feitas pela francesa.

Como define a Monsanto?

Monsanto é uma empresa deliquente. E digo por que há provas concretas disso. Foi muitas vezes condenada por suas atividades industriais, por exemplo o caso dos PCB, produto que agora está proibido, mas que segue contaminando o planeta. Durante 50 anos o PCB esteve nos transformadores de energia. E a Monsanto, que foi condenada por isso, sabia que eram produtos muito tóxicos, mas escondeu informação e nunca disse nada. E é a mesma história com outros dois herbicidas produzidos por Monsanto, que formaram o coquetel chamado “agente laranja” utilizado na guerra do Vietnã, e também sabia que era muito tóxico e fez o mesmo. E mais, manipulou estudos para esconder a relação entre as dioxinas e o câncer. É uma prática recorrente na Monsanto. Muitos dizem que isto é o passado, mas não é assim, é uma forma de obter lucros que ainda hoje está vigente. A empresa nunca aceitou seu passado nem aceitou responsabilidades. Sempre tratou de negar tudo. É uma linha de conduta, e hoje acontece o mesmo com os transgênicos e o Roundup.

Quais são as práticas comuns da Monsanto na ordem global?

Tem práticas comuns em todos os países onde atua. Monsanto esconde dados sobre seus produtos, mas não só isso, também mente e falsifica estudos sobre seus produtos. Outra particularidade que se repete na Monsanto é que cada vez que cientistas independentes tratam de fazer seu trabalho a fundo com os transgênicos, têm pressões ou perdem seus trabalhos. Isso também acontece nos organismos dos Estados Unidos como são a FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos) ou EPA (Agência de Proteção Ambiental). Monsanto também é sinônimo de corrupção. Dois exemplos claros e provados são a tentativa de suborno no Canadá, que originou uma sessão especial do Senado canadense, quando se tratava a aprovação do hormônio de crescimento leiteiro. E o outro caso é na Indonésia, onde a Monsanto foi condenada porque corrompeu a cem altos funcionários para por no mercado seu algodão transgênico. Não duvidamos que exista mais casos de corrupção onde a Monsanto é quem corrompe.

Você também afirma que a modalidade de “portas giratórias” é uma prática habitual.

Sem dúvida. Na história da Monsanto sempre está presente o que nos Estados Unidos se chama “a porta giratória”. Um exemplo claro: o texto de regulamentação que regula os transgênicos nos Estados Unidos foi publicado em 1992 pela FDA, a agência norteamericana encarregada da seguridade de alimentos e medicamentos. A qual se supõe é muito séria, ao menos sempre eu pensava isso, até antes deste trabalho. Quando diziam que um produto havia sido aprovado pela FDA pensava que era seguro. Agora sei que não é assim. No '92, o texto da FDA foi redigido por Michael Taylor, advogado da Monsanto que ingressou na FDA para fazer esse texto e logo foi vice-presidente da Monsanto. Um exemplo muito claro de “porta giratória”. Há muitos exemplos, em todo o mundo.

Monsanto fabricou o agente laranja, PCB e glifosato. E tem condenações por publicidade enganosa. Por que tem tão boa reputação?

Por falta de trabalho sério dos jornalistas e a cumplicidade dos políticos. Em todo o mundo é igual.

Por que a Monsanto não fala?
Tentou chamá-los?

Sim, mas não aceitaram perguntas.
Também é o mesmo em todo o mundo. Ante qualquer jornalista crítico, a Monsanto tem uma só política: “Não comentes” (sem comentários).

O que significa a Monsanto no mercado mundial de alimentos?

A meta da Monsanto é controlar a cadeia alimentar. Os transgênicos são um meio para essa meta. E as patentes uma forma de conseguí-lo. A primeira etapa da “revolução verde” já ficou para trás, foi a de plantas de alto rendimento com utilização de pesticidas e a contaminação ambiental. Agora estamos na segunda etapa dessa “revolução”, onde a chave é fazer valer as patentes sobre os alimentos. Isto não tem nada a ver com a idéia de alimentar ao mundo, como se publicou em seu momento. A única finalidade é aumentar os lucros das grandes corporações. Monsanto ganha em tudo. Ela vende o pacote tecnológico completo, sementes patenteadas e o herbicida obrigatório para essa semente. Monsanto te faz firmar um contrato pelo qual te proíbe conservar sementes e te obriga a comprar Roundup, não se pode utilizar um glifosato genérico. Neste modelo Monsanto ganha em tudo, e é tudo ao contrário da segurança alimentar. De passagem, recordemos, que a soja transgênica que se cultiva aqui não é para alimentar aos argentinos, é para alimentar aos porcos europeus. E o que acontecerá na Argentina quando as carnes da Europa terem que ser etiquetadas sendo que foram alimentadas com soja transgênica? Se deixará de comprar carnes desse tipo e a Argentina também receberá o golpe, porque lhe abaixará a demanda de soja.

Esteve na Argentina, Brasil e Paraguai. Que particularidades encontrou na região?

Deve-se recordar que a Monsanto entrou aqui graças ao governo de Carlos Menem, que permitiu que a soja transgênica entrasse sem nenhum estudo. Foi o primeiro país da América Latina. Depois da Argentina organizou-se um contrabando de sementes transgênicas, de grandes produtores, para o Paraguai e o Brasil, que se viram obrigados a legalizá-las porque eram cultivos que depois se exportavam. E depois veio a Monsanto a reclamar suas regalias. Foi incrível como se expandiu a soja transgênica na região, e em tão poucos anos. É um caso único no mundo.

Na década de 90 a Argentina era denominada como aluno modelo do FMI. Hoje, com 17 milhões de hectares com soja transgênica e a utilização de 168 milhões de litros só de glifosato, pode-se dizer que a Argentina é um aluno modelo dos agronegócios?

Sim, claro. A Argentina adotou o modelo Monsanto em tempo recorde, é um caso pragmático. Mas também houve alguns problemas com o aluno modelo. Como as sementes transgênicas são patenteadas, Monsanto tem o direito de propriedade intelectual. Isso significa, como o vi no Canadá e Estados Unidos, que lhes fazem firmar aos produtores um contrato nos quais se comprometem a não conservar parte de suas colheitas para ressemear no próximo ano, o que fazem os agricultores de todo o mundo. A Monsanto o denuncia como uma violação de sua patente. Então a Monsanto envia a “polícia de genes”, que é algo incrível, detetives privados que entram nos campos, tomam amostras , verificam se é transgênico e se o agricultor tem comprado suas sementes. Se não as tem comprado, realizam juízos e a Monsanto ganha. É parte de uma estratégia global: a Monsanto controla a maioria das empresas sementeiras e patenteia as sementes, exigindo que cada campesino compre suas sementes. O que aconteceu aqui é que a lei argentina não proíbe guardar sementes de uma colheita e utilizá-las na próxima semeadura. Em um primeiro momento a Monsanto disse que não iria pedir regalias, e deu sementes baratas e Roundup barato. Mas em 2005 começou a pedir regalias, rompeu o acordo inicial e por isso mantém um enfrentamento judicial com seu aluno preferido.

O Roundup tem um papel protagonista neste modelo. Muitas comunidades campesinas e indígenas denunciam seus efeitos, mas existem poucas proibições.

É um impacto incrivelmente silenciado. Ninguém pode negar o que trazem as esterilizações com este herbicida, totalmente nocivo. Tenho a segurança de que será proibido em algum momento, como foi o PCB, estou segura de que chegará este momento. De fato na Dinamarca já foi proibido por sua alta toxicidade. É urgente analisar o perigo dos agroquímicos e os OGM (Organismos Geneticamente Modificados).

Contudo, as grandes empresas do setor prometem há décadas que com transgênicos e agrotóxicos se conseguirá aumentar a produção, e assim acabar com a fome do mundo.

A Argentina é o melhor exemplo dessa mentira. Como tem ido com a sojização do país? Tem se perdido na produção de outros alimentos básicos e ainda há fome. Este modelo é o modelo do monocultivo, que acaba co outros cultivos vitais. É uma transformação muito profunda da agricultura, que leva diretamente à perda da soberania alimentar, e lamentavelmente já não depende de um governo para poder revertê-lo.

Por que ao processo agrário atual você o chama “a ditadura da soja”?

É uma ditadura no sentido de um poder totalitário, que abrange tudo. Deve-se ter claro que quem controla as sementes controla a comida e controla a vida. Nesse sentido, a Monsanto tem um poder totalitário. É tão claro que até a Syngenta, outra grande empresa do setor e competidora da Monsanto, chamou ao Brasil, Paraguai e Argentina “as repúblicas unidas da soja”. Estamos frente a um programa político com finalidades muito claras. Uma pergunta simples o demonstra: quem decide o que se vai cultivar na Argentina? Não o decide nem o governo nem os produtores, o decide a Monsanto. A multinacional decide o que se semeará, sem importar aos governos, o decide a empresa. E, para pior, a segunda onda de transgênicos vai ser muito forte, com um modelo de agrocombustíveis que acarretará mais monocultivos. E, a esta altura, já está claro que o monocultivo é perda de biodiversidade e é todo contrário à segurança alimentar. Já não há dúvidas de que o monocultivo, seja o da soja ou para biodiesel, é o caminho para a fome.

Qual é o papel da ciência no modelo de agronegócios, onde a Monsanto é só sua cara mais famosa?

Antes pensava que quando um estudo era publicado em uma prestigiosa revista científica, se tratava de um trabalho sério. Mas não. As condições em que se publicam alguns estudos são tristes, com empresas como Monsanto pressionando aos diretores das revistas. No tema transgênico fica muito claro que é quase impossível realizar estudos do tema. Em muitas partes do mundo, os Estados Unidos ou a Argentina, os laboratórios de investigações são pagos por grandes empresas. E quando o tema é sementes, transgênicos ou agroquímicos, a Monsanto sempre está presente e sempre condiciona as investigações.

Os cientistas tem temor ou são cúmplices?

Ambas as coisas. O temor e a cumplicidade estão presentes nos laboratórios do mundo.
No livro deixo claro que há cientistas, em todos os países, cuja única função é legitimar o trabalho da empresa.

Qual é o papel dos governos para que empresas como Monsanto avancem?

Os governos são os melhores propagandistas dos OGM (Organismos Geneticamente Modificados). Realizam um trabalho de lobby incrível. A Monsanto leva seus estudos, sua informação, suas revistas e fotos, tudo muito lindo. E diz aos políticos que não haverá contaminação e salvará ao mundo. E os políticos entram na dela. E também há pressões. Deputados franceses tem denunciado publicamente as pressões da Monsanto, até reconheceram que a companhia contatou a cada um dos 500 deputados para que legislem segundo os interesses da empresa.

E o papel dos meios de comunicação?

Me dá muita pena porque sou jornalista e acredito no que fazemos, acredito que é uma profissão com um papel muito importante na democracia, mas há uma grande manipulação dos meios. Em todo o referido aos transgênicos, a imprensa não trabalha seriamente. Os meios olham a propaganda da Monsanto e a publicam sem questionamentos, como se fossem empregados da empresa. Também é público que a Monsanto convida a comer aos periodistas, lhes dá regalias, os leva de viagem a Saint Louis (onde está sua sede central); os jornalistas vão muito contentes, passeiam pelos laboratórios, não perguntam nada e vão. Assim funcionam os meios com a Monsanto. Também registrei casos nos quais a Monsanto busca, em cada meio de comunicação, um defensor. Estabelece contato com ele e consegue opiniões favoráveis. Não sei se há corrupção, mas sei que a Monsanto consegue seu objetivo. Na Argentina é claro como atua, ao ver alguns artigos de suplementos rurais se vê que em lugar de artigos jornalísticos são publicidades da Monsanto. Não pareceria que um jornalista o escreveu, foi diretamente a companhia.

Que avaliação faz do enfrentamento entre o governo e as entidades patronais do agronegócio?

Em 2005 entrevistei a Eduardo Buzzi, estava furioso pelo assunto das regalias reclamadas pela Monsanto. Falava dos enganos da Monsanto. E, além disso, falava dos problemas que trazia a soja, até me pôs em contato com pequenos produtores que me falaram das mentiras da Monsanto, da resistência que mostravam as ervas daninhas, que tinha que utilizar mais herbicidas e que os campos ficavam como terra morta. Buzzi sabia tudo isso e me dizia que questionava esse modelo, afirmava que a soja trazia a destruição da agricultura familiar e me dizia que a Federação Agrária representava esse setor, que enfrentava aos pools de semeadura e às grandes empresas. E Buzzi denunciava muito este modelo, muito bom discurso. Mas agora não é o que acontece. Nunca o voltei a ver e gostaria de perguntar-lhe o que lhe aconteceu que agora se une com as entidades mais grandes, me estranha muito a mudança que mostra. E acima de Buzzi está com Aapresid (Associação Argentina de Produtores de Semeadura Direta – integrada por todas as grandes empresas do setor, incluindo as sementes e agroquímicas), que é a que mais ganha com todo esse modelo, e que apareceu pouco neste conflito. Aapresid manipula tudo e está com os grandes sojeiros, que não são agricultores e que até promovem um modelo sem agricultores. Então não entendo como a Federação Agrária disse representar produtores pequenos e está com a Aapresid. O que a Federação Agrária é muito estranho, não se entende.

E o papel do governo?

As retenções podem ser que frenem algo do processo de sojização. Mas não é uma solução frente a um modelo tão agressivo. A solução tem que ser algo muito mais radical e não a curto prazo. Claro que a tentação dos governos é grande, a soja traz bons rendimentos, mas deve-se pensar a longo prazo. Não há soluções simples e de curto prazo para um modelo que tira campesinos de suas terras e, mediante esterilizações, contamina a água, a terra e a população.

Fonte: Brasil de Fato

domingo, abril 12, 2009

A evidência

É fácil ter opiniões firmes sobre, por exemplo, o câncer (contra) e o leite materno (a favor). Já outros assuntos nos negam o conforto de pertencer a uma unanimidade, ou mesmo a uma maioria. São assuntos em que os argumentos contra e a favor se equilibram e sobre os quais a gente pode ter opiniões, mas elas estão longe de ser firmes. Até opiniões que você julgaria indiscutíveis - exemplo: nada justifica a tortura - são controvertidas, e basta ler as seções de cartas dos jornais para ver como a pena de morte, oficial ou extra-oficial, tem entusiastas entre nós. Em assuntos como aborto, cotas raciais nas universidades, etc. coisas como a religião, a formação, a ideologia e até o saldo bancário de cada um determinam as opiniões divergentes. E não vamos nem falar nos extremos opostos de opinião provocados por qualquer avaliação do governo Lula.

Mas há um assunto sobre o qual você talvez ingenuamente imaginasse que nenhuma discordância seria possível. A brutal evidência - geográfica, cartográfica, literalmente na cara, portanto independente de interpretação e opinião - da iniqüidade fundiária no Brasil, um continente de terra com poucos donos, era tamanha que durante muito tempo uma genérica "reforma agrária" constou do programa de todos os partidos, mesmo os dos poucos donos da terra. Era uma espécie de reconhecimento da injustiça inegavel que desobrigava-os de fazer qualquer coisa a respeito, retórica em vez de reforma. O aparecimento do Movimento dos Sem Terra acrescentou um novo elemento a essa paisagem de descaso histórico: os próprios despossuidos em pessoas, organizados, reivindicando, enfatizando e até teatralizando a iniqüidade, para contestar a hipocrisia. A evidência insofismável transformada em drama humano.

Pode-se discutir os métodos do MST, e até que ponto as invasões e a violência não dão razão à reação e não desvirtuam o ideal, além de agravar a truculência do outro lado. Mas sem perder de vista o que eles enfrentam: não só a injustiça que perdura, apesar de programas governamentais bem intencionados e de alguns avanços, como um Congresso recheado de grandes proprietários rurais, o poder político e financeiro dos agro-business e uma grande imprensa que destaca a violência mas sempre ignorou a existência de acampamentos do MST que funcionam e produzem - inclusive exemplos de cidadania e solidariedade. É a minha opinião.

Luis Fernando Veríssimo, 12/04/2009.

Obs: Queria fazer algumas ressalvas sobre o texto.

1 - O MST não invade, faz ocupações em terras improdutivas e estrategicamente em espaços importantes para a luta.

2 - Não há violência gratuita enquanto método, o que existe são confrontos provocados pelo quadro social descrito por Veríssimo.

3 - Além das injustiças e do quadro do congresso nacional, o movimento enfrenta, aí sim uma violência silenciada em vários locais do Brasil, patrocinada pelo latifúndio reacionário.

Por que o Banco Mundial quer mudar o plano de carreira do magistério gaúcho?

A notícia sobre a vinculação de um novo empréstimo do Banco Mundial ao Estado do Rio Grande do Sul à reestruturação do plano de carreira do magistério atualiza a advertência feita pelo economista Reinaldo Gonçalves, professor titular de Economia Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no documento que produziu para a Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, analisando a estratégia do banco no Brasil para o período 2008-2011.

Gonçalves diz o seguinte sobre a recente estratégia de redirecionamento da atuação do Banco na direção dos estados e municípios e de afastamento do governo federal:

“Chama a atenção o esforço que o Banco tem feito, desde os governos FHC, para garantir reformas liberalizantes que consolidariam o modelo (Trabalhista, Previdenciária e Tributária) – agora postas em risco em função de seu reduzido poder de barganha pela via do financiamento. Vale salientar que já estão implementadas, sob a orientação do Banco Mundial, as Reformas do Judiciário, Universitária e a atualização da lei de Falências. Causa arrepios pensar que nos próximos três anos o Banco se dedicará a buscar soluções para problemas estruturais que o País ainda não conseguiu resolver. Basta pensar nos resultados nocivos para as populações dos sessenta anos de condicionalidades ajustadas entre o Banco e o Fundo Monetário Internacional (FMI) para a concessão de empréstimos”.

E acrescenta:

“Na medida em que há o redirecionamento dos recursos do governo federal para os governos dos estados e municípios é certo que também ocorre redirecionamento do espaço preferencial de disputa política. Portanto, é de se esperar que o Banco pressione mais diretamente governadores e prefeitos no sentido da implementação da agenda da liberalização, desregulamentação e privatização. Nesta agenda deve, naturalmente, ser introduzida a questão da privatização dos serviços de utilidade pública, como estradas, aeroportos, saúde pública, etc., que estão sob responsabilidade de governos de estados e municípios”.

FONTE: RS URGENTE

sexta-feira, abril 10, 2009

Vejam como a Monsanto faz

Monsanto se apropria de pesquisa desenvolvida pela UFV

09/04/2009


Cerca de 4 mil mudas de cana-de-açúcar desenvolvidas pelo laboratório de pesquisas da UFV (Universidade Federal de Viçosa) foram apreendidas no dia 25 de março na sede da CanaVialis, empresa de biotecnologia pertencente à transnacional Monsanto. A apreensão foi realizada a pedido da 5ª Vara Federal de Belo Horizonte, segundo informações da AGU (Advocacia Geral da União).

As mudas de cana, da variedade RB 857515, foram desenvolvidas por Márcio Barbosa, professor e doutor da universidade. Elas são registradas no Ministério da Agricultura, sob o certificado nº 00271. O registro impõe que empresas que utilizam essas variedades paguem royalties à UFV. Esses royalties são revertidos para atividades de pesquisa.

A UFV alega que as mudas estavam sendo utilizadas indevidamente pela CanaVialis e que a empresa não teria pago os royalties. "A empresa estava multiplicando essa variedade a pedido de seus clientes e negociando as mudas no mercado", afirmou Barbosa ao Valor. A muda RB 857515, considerada rústica e com alta produtividade, é uma das cultivares de cana-de-açúcar mais plantadas no Brasil. De acordo com Barbosa, essa muda ocupa cerca de 1,5 milhão de hectares hoje no país. O processo será julgado na Vara Federal de Belo Horizonte, segundo a AGU.

A apreensão das mudas foi feita pelo escritório de representação da Procuradoria Regional Federal da 3ª Região em Campinas (SP) e da Procuradoria Federal da Universidade de Viçosa com apoio da polícia federal e durou mais que 20 horas. Segundo a AGU, a CanaVialis resistiu inicialmente à apreensão das mudas, o que obrigou a procuradoria obter um mandato na 4º a Vara Federal de Campinas.

Após o mandato, a Justiça localizou na empresa o arquivo que identificou a presença da variedade RB 867515. As mudas foram encaminhadas ao Centro de Experimento de Cana-de-Açucar da UFV, em Ponte Nova (MG).

A Monsanto adquiriu a CanaVialis e a Alellyx, empresas envolvidas com biotecnologia e pertencentes à Votorantim Novos Negócios, por US$ 290 milhões. Procurada, a Votorantim informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o assunto deveria ser tratado com a Monsanto.


(As informações são do jornal Valor Econômico)

quinta-feira, abril 09, 2009

Zero Hora cumprindo seu papel!

“Procurador denuncia pressões e abandona ações contra o MST”.

“A desistência do homem que enfrentava o MST”.

“Como o MST tramou a reação”.

“Gilberto Thums jogou a toalha em sua cruzada contra o MST”

Essas foram algumas das manchetes e frases escolhidas pelo jornal Zero Hora para tratar do recuo do promotor Gilberto Thums, do Ministério Público do Rio Grande do Sul, na decisão de fechar as escolas itinerantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Uma rápida visita ao dicionário (Houaiss, neste caso) nunca faz mal a ninguém:

Denúncia: “imputação de crime ou de ação demeritória revelada à autoridade competente”.

Enfrentar: “encarar frente a frente, arrostar”.

Tramar: “fazer maquinação, intriga; urdir; armar complô ou conspiração; conspirar”.

Cruzada: "expedição militar e religiosa, conduzida principalmente por nobres cristãos na Idade Média entre os anos de 1095 a 1270, com o fim de fazer a guerra denominada santa contra os muçulmanos, e reconquistar Jerusalém e o túmulo de Cristo. Qualquer movimentação militar de intuito religioso contra os representantes de determinadas heresias na Idade Média".

Ou seja, o que as manchetes de Zero Hora dizem é:

O promotor que teve a coragem de travar uma cruzada e lutar frente a frente com os hereges do MST denuncia que foi vítima de uma tramóia armada pelo movimento de bárbaros. Thums é a vítima. O MST é o vilão. Isso porque não concordou com a decisão do fechamento das escolas itinerantes, patrocinada pelo promotor e pelo governo Yeda Crusius. Isolado, o cruzado Thums foi obrigado a abandonar sua guerra santa e se render aos inimigos.

Parafraseando o âncora do programa Conversas Cruzadas, Lasier Martins, em recente debate sobre o movimento dos estudantes contra o governo Yeda Crusius, lançamos aqui uma pesquisa interativa: essa edição é “autêntica” ou é “política”???

Fonte: RS Urgente

terça-feira, abril 07, 2009

6% dos brasileiros concentram riqueza do país.



Os meios de produção de riqueza do país estão concentrados nas mãos de 6% dos brasileiros. De cada 20 brasileiros, apenas um é dono de alguma propriedade geradora de renda: empresa, imóvel, propriedade rural ou até mesmo conhecimento (também considerado como um bem). Os proprietários brasileiros têm um perfil específico comum. A grande maioria tem entre 30 e 50 anos de idade, é de cor branca, concluiu o ensino superior, e não têm sócios. Essas são algumas das conclusões apresentadas no livro Proprietários: Concentração e Continuidade lançado dia 2 de abril, em São Paulo. A publicação é o terceiro volume da série Atlas da Nova Estratificação Social do Brasil, produzida por Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e vários economistas do órgão.

Ao falar sobre a pesquisa, Pochmann destacou que a concentração das propriedades no Brasil é um traço colonial. Desde a concessão das primeiras propriedades agrícolas, passando pela industrialização ocorrida no século 20, até o aumento da atividade financeira, os meios de produção sempre estiveram sob controle da mesma e restrita parcela da população nacional. O Brasil tem um dos piores índices de destribuição dos meios de produção de riqueza em toda a América Latina. “A urbanização aumentou o número de propriedades e de proprietários, mas não acompanhou o aumento da população. A concentração permanece. Nós nunca vivemos uma experiência de democratização do acesso às propriedades no nosso país”, observou o presidente do Ipea.

segunda-feira, abril 06, 2009

INTER!


Tem sido muito bom ser colorado! D'Alessandro entrou e mudou o grenal do centenário. Fui na virada do aniversário e valeu a pena, parabéns INTER.

domingo, abril 05, 2009

Manifesto de inquietações de uma velha professora!


Através desta e assumindo integral responsabilidade pretendo, com este Manifesto, compartilhar com pessoas como eu, que nasceram, se criaram ou vivem e trabalham neste estado, ou ainda, com aqueles/as que o adotaram de coração, algumas inquietações que considero – até que alguém me convença do contrário – que são muito sérias. Passo, então, a socializar angústias que já não consigo calar dentro do peito, fechada em minha casa ou no espaço da sala de aula ou mesmo quando saio à rua. Sinto vergonha e fico pensando se não há outras pessoas que estão experimentando, como eu, esta angústia sem saber muito bem como fazer para agir.
Minhas inquietações estão relacionadas a assuntos de domínio público, noticiados por diferentes jornais locais e nacionais, revistas e noticiários de rádio e televisão. Tratam-se dos direitos básicos de cidadania, próprios de uma república democrática, o Brasil, em que se insere o estado do Rio Grande do Sul. Vejamos, então:
1) Neste estado, com uma história de lutas para manutenção de fronteiras, de uma Revolução e de participação em uma guerra, há um enorme apreço pelo sentido da liberdade conquistada. No entanto, a governadora proíbe ao CEPRS a organização de um evento para debater a educação, bem como proíbe a esposa do Sr. Prefeito da capital de se apresentar, como artista, na abertura do jogo do Brasil contra o Peru, no Beira Rio.
ü Isso pode ser ou não o prenúncio de uma ditadura, porque só a ditadura militar foi capaz de fazer tal tipo de proibição?
2) No Rio Grande do Sul, desde o início de seu povoamento, houve preocupação das famílias com a educação dos filhos, tanto que os resultados dos censos e de avaliações de cursos sempre nos colocaram entre os primeiros da federação brasileira. Temos cinco universidades federais, uma estadual, várias comunitárias e privadas, com níveis reconhecidos nacional e internacionalmente de pesquisa e produção científica. No entanto:
a) As escolas públicas estaduais são avaliadas pela relação custo/benefício – não como um direito de cidadania – e por isso, muitas escolas foram fechadas;
b) Desconhecendo ou rejeitando uma antiga demanda das professoras sobre as escolas rurais multisseriadas, a Secretaria de Educação estende esta iniciativa para as classes de 5ª a 8ª série, promovendo o esquema popularizado como “enturmação”, para gastar menos com a contratação de professores;
c) Divulgam os meios de comunicação que há falta de professores em diversas escolas e isso pode se agravar com o pedido de aposentadoria de cerca de 7.000 professores, que temem mudanças na legislação que rege o Plano de Carreira do Magistério Estadual;
d) Há escolas públicas funcionando dentro de ônibus velhos ou de containeres, com crianças desmaiando devido ao calor associado à fome pela falta de merenda escolar;
e) Cerca de 30% dos professores – ou até mais – trabalham com contratos temporários. Com isso não têm segurança nem tempo para criar vínculo com a comunidade escolar, o que dificulta a construção de uma identidade da escola, com seus professores, funcionários, alunos, pais e a comunidade;
f) O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra conquistou, legalmente, pela primeira vez, no estado do Rio Grande Sul, a Escola Itinerante, que acompanha a caminhada dos acampados em busca da terra, enquanto esperam a Reforma Agrária, feita em todos os países desenvolvidos, e enquanto não se cumpre o preceito constitucional sobre “a função social da terra”. Mas a governadora do estado/RS, com o apoio do Ministério Público, proíbe a existência da Escola Itinerante, que se cria e consolida em outros estados da federação brasileira, como o Paraná, por exemplo. Pior do que isso: separa as crianças e as distribui entre escolas onde poderão ser discriminadas. Vejam o absurdo: a Escola Itinerante é acusada de ser “subversiva” – expressão da ditadura – por trabalhar com o Método Paulo Freire, um educador conhecido e respeitado no mundo inteiro, inclusive nos Estados Unidos da América.
ü Não seria isso uma evidência da ignorância – ou da precariedade da formação dos representantes dos poderes públicos – ou mais um ato de ditadura, que impede a livre manifestação de idéias quando estas não coincidem com a palavra do/a ditador/a?
g) Reconhecendo a importância da educação para o desenvolvimento econômico-social do país, o Congresso Nacional definiu o piso da categoria dos professores em R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais). Mas a governadora do estado lidera um grupo de governadores que se contrapõem a esta determinação legal, justificando que o estado/RS não tem condições de arcar com a despesa que iria decorrer do pagamento deste piso aos professores estaduais.
ü A pergunta que não quer calar é: quem define as prioridades dos investimentos públicos, privilegiando o salário da mesma governadora, explicando os gastos com a aquisição de uma casa adequada à sua função e negociando a aquisição de um avião para o seu transporte, quando, para isso, já existe um avião semelhante ao que é usado por outros governadores, em detrimento dos salários dos professores, dos funcionários da segurança e da saúde, do funcionalismo público estadual, de modo geral?
3) Empresas de telecomunicações e mesmo jornais têm divulgado, numa série de programas, o estado em que se encontram os presídios, com lotação superior até duas vezes a sua capacidade, com condições de higiene que são impensáveis à criação de animais, como aves, suínos e bovinos, com falta de policiais, guardas e outros funcionários que possam garantir a segurança e o cumprimento das penas dos detentos.
ü Cadeias deveriam ser espaços de ressocialização, com áreas de educação, trabalho e lazer e não depósitos de “lixo humano” como parecem ser os presídios. Qual, então, o interesse público em amontoar pessoas em condições desumanas: qualificar bandidos, aumentar a criminalidade, matar um número maior de jovens e de forma mais rápida?
4) Também têm sido divulgadas as condições de vida e de trabalho de profissionais da segurança pública – policiais civis e militares – que obrigam muitos destes policiais a trabalharem em outras atividades, nos seus horários de descanso, para poderem sustentar suas famílias.
ü Como classificar um governo que não oferece salários com valores atualizados e garantias mínimas de uma vida digna e de segurança para aqueles e aquelas que são responsáveis pela segurança pública da sociedade gaúcha?
5. Nas mesmas condições apontadas para a educação e a segurança, o estado/RS vem mantendo a saúde pública, os postos de saúde, as campanhas de prevenção de doenças e, sobretudo, as condições de trabalho e salários dos profissionais da saúde.
ü Por que uma doença, como a febre amarela, que parecia extinta no Brasil, está aparecendo no estado, onde os serviços de saúde, até a algum tempo atrás funcionavam? Teria a governadora, ou membros dos partidos apoiadores, a coragem de fazer consultas ou de levar seus familiares a fazerem-nas em órgãos de saúde do estado/RS?
6. Órgãos públicos estaduais nos explicam que as preocupações do governo estão voltadas para zerar o déficit econômico, o que foi feito – e isso fica oculto – com um empréstimo do Banco Mundial, a juros que todos acabaremos por pagar, sem que tenhamos o devido retorno, como estamos vendo. Por isso, também, mantém-se o arrocho salarial do funcionalismo público. Por isso – justifica o governo – não são feitos concursos públicos para o ingresso de professores, agentes de segurança e profissionais da saúde ou não são nomeados o concursados.
7. Todas essas questões geram enormes inquietações para os trabalhadores gaúchos ou que aqui vivem, principalmente quanto ao futuro da educação, da saúde e da segurança dos seus – nossos – filhos e netos. Mas elas se acirram ainda mais quando lemos ou assistimos, nos jornais, revistas e televisões, os escândalos que se acumulam sem uma resposta à sociedade. São os recursos usados na compra da casa, são os aumentos de salários da governadora e dos altos escalões do governo, comparados com os salários devassados e as condições precárias de trabalho dos profissionais da educação, da segurança e da saúde; são denúncias de controle de pessoas e partidos de oposição através de gravações; são denúncias de pagamento de percentuais para a garantia de obras, empregos, etc. São denúncias e mais denúncias...
ü E tudo fica por esclarecer: as denúncias de corrupção que se acumulam sem serem devidamente esclarecidas, associadas ao caos na educação, nos presídios e na saúde, bem como a perseguição aos movimentos sociais populares – professores, sem-terra, sem-teto, mulheres, desempregados – e o impedimento de que os mesmos usem o espaço público para manifestarem-se, como se estivéssemos retornando os negros tempos de ditadura militar, que tanto atraso significou à democracia em nosso país.
Essas são as inquietações que quero compartilhar. Quem sabe estou tendo apenas um pesadelo, pois isso não pode ser real em nosso estado, que tem uma história de participação política dentro dos parâmetros democráticos. Por favor, alguém me chame a atenção – ou me acorde - se eu estiver errada ou assine embaixo deste Manifesto de uma velha mãe de família e professora que não consegue mais conviver com essas interrogações ou com esse descalabro.

Marlene Ribeiro – FACED/UFRGS

quinta-feira, abril 02, 2009

Experiências alternativas

Gregório Durlo Grisa - mestrando em educação no PPGEDU - UFRGS.


Pensar nossas experiências educacionais, tanto como educadores quanto como educandos, tendo como referencial os princípios pedagógicos freireanos é um desafio significativo. Dizemos isso porque nossa realidade educativa institucional no estado do Rio Grande do Sul, a cada dia que passa, distancia-se de uma educação dialógica e popular, principalmente no que se refere à gestão do atual executivo estadual. Somente a utopia e a esperança são ingredientes sempre próximos, enquanto realidade possível, dos trabalhadores da educação comprometidos com a qualificação do ensino.

No entanto, quando vivenciamos momentos educativos em outros cenários, marcados por práticas progressistas e revolucionárias, nos entusiasmamos a desenvolver uma reflexão pautada pela pedagogia de Paulo Freire. Com isso não queremos dizer que a pedagogia freireana não serve para pensar a educação do nosso estado, pelo contrário, entendemos que o estudo de Freire deve ser uma prática constantemente revisitada.

Nos últimos meses fizemos duas visitas ao ITERRA - Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária, situado em Veranópolis-Rs, para trabalharmos na orientação dos projetos de trabalhos de conclusão de curso da turma de Licenciatura em Educação do Campo. Esse curso é promovido através de um convênio entre o ITERRA e a Universidade de Brasília.

Nessas visitas de trabalho vivenciamos momentos diversos com a turma e a equipe de educadores que lá estavam, esses momentos foram dentro de sala de aula, em reuniões, orientação em grupo e orientações individuais, além do convívio nos intervalos e no período das refeições. O Instituto é auto-gestionado, ou seja, são os educandos que se organizam e trabalham e estudam em tempos combinados entre os núcleos de base, compostos por educandos de todas as turmas que lá estão em atividade.

A qualidade organizativa desse espaço já marca uma diferença essencial com o ensino institucional que conhecemos, na educação dos movimentos sociais populares é levado seriamente em conta o princípio educativo do trabalho e todos os valores que o circundam. As práticas desenvolvidas no ITERRA se aproximam, bem mais que outras experiências, das características da teoria da ação dialógica que Paulo Freire destaca no segundo item do capítulo quatro da Pedagogia do Oprimido que são: a co-laboração, a união, a organização e a síntese cultural (Freire, 1970).

Por essa razão é que uma reflexão sobre tal espaço se torna algo mais palpável, isto é, onde percebemos que a realidade objetiva responde, de certa forma, aos propósitos estabelecidos anteriormente pela teoria e, consequentemente fica mais fecundo o exercício de análise. A pedagogia de Freire é uma das bases teóricas orientadoras fundamentais da educação dos movimentos sociais, ou da pedagogia do campo.

Através desse preâmbulo necessário, a fim de situar o leitor, e com a eleição de algumas categorias freireanas, vamos tecer alguns comentários entre o que vivemos naquele espaço educativo e a teoria.

Algumas categorias freireanas nas nossas experiências

Pensar que esperança sozinha transforma o mundo e atuar movido por tal ingenuidade é um modo excelente de tombar na desesperança, no pessimismo, no fatalismo. Mas, prescindir da esperança na luta para melhorar o mundo, como se a luta se pudesse reduzir a atos calculados apenas, à pura cientificidade, é frívola ilusão. Prescindir da esperança que se funda também na verdade como na qualidade ética da luta é negar a ela um dos seus suportes fundamentais.

Paulo Freire – Pedagogia da esperança.

Debater processos educativos dos movimentos sociais populares, principalmente do MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que é o representante majoritário na formação da turma com a qual trabalhamos, sem falar de esperança é deixar de lado uma dimensão que aflora nas relações de trabalho e estudo lá desenvolvidas. É claro que quando trazemos a categoria de esperança é no sentido explícito acima marcado pelo seu potencial revolucionário e não outro.

Muitos dos estudantes da turma de Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) são professores das Escolas Itinerantes de seus acampamentos ou são professores da escola situada nos seus assentamentos. Suas preocupações pedagógicas, explicitadas em seus projetos, são diversas até por seus contextos diferentes, porém existem problemáticas comuns no que se refere ao constante desafio de dar continuidade a uma pedagogia emancipatória, baseada também em Freire, quando essa recebe resistência por parte de instituições, sujeitos e práticas tradicionais.

Alguns dos estudantes da turma de Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) são professores das Escolas Itinerantes de seus acampamentos ou são professores da escola situada nos seus assentamentos e os demais, atuam nos coletivos de formação dos seus acampamentos e/ou assentamentos. Suas preocupações pedagógicas, explicitadas em seus projetos de pesquisa, são diversas, no entanto não divergem entre si, considerando os seus diferentes contextos, porém existem problemáticas comuns no que se refere ao constante desafio de dar continuidade a uma pedagogia emancipatória, baseada também em Freire, quando essa recebe resistência por parte de instituições, sujeitos e práticas tradicionais.

No caso do Rio Grande do Sul, em que se cortaram as verbas repassadas para as Escolas Itinerantes do MST, através do cancelamento do convênio existente entre o estado e uma entidade que representava o Movimento, existem desafios gigantescos para que as crianças acampadas prossigam com o processo de escolarização. Esses desafios foram trazidos pelas educadoras/educandas do curso LEdoC e ao mesmo tempo que a denuncia era feita, se percebia nelas essa esperança conceituada por Freire. Pelo envolvimento que existe nessas militantes cremos que, assim como nós, elas levam até as últimas consequências a ideia que Paulo Freire (1992, pg. 06) nos legou:

Uma das tarefas do educador e da educadora progressista, através da análise política, séria e correta, é desvelar as possibilidades, não importam os obstáculos, para a esperança, sem a qual pouco podemos fazer porque dificilmente lutamos e quando lutamos, enquanto desesperançosos e desesperados, a nossa é luta suicida, é um corpo a corpo puramente vingativo. O que há, porém, de castigo, de pena, de correção de punição na luta que fazemos movidos pela esperança, pelo fundamento ético-histórico de seu acerto, faz parte da natureza pedagógica do processo político de que a luta é expressão.

A partir dessa convicção e levando-se em conta as peculiaridades de cada acampamento, o Movimento pretende dar continuidade as aulas das Escolas Itinerantes. Embora não seja nossa pretensão priorizar aqui o fechamento dessas escolas por parte do governo estadual, orientado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, acreditamos que seja importante destacar que essa ação é a culminância de todo um processo de criminalização do MST, do desmantelamento das políticas públicas ligadas as Escolas Itinerantes e uma sistemática perseguição política para com os movimentos sociais em geral. Os educadores das Escolas Itinerantes ficaram nove meses sem receber os salários na atual gestão do estado, o repasse da merenda e materiais fundamentais para a manutenção das escolas foi atrasado quando não suspenso.

Com esse quadro de sucateamento por parte do estado, aconteceu o enfraquecimento das Escolas Itinerantes, mudou sua capacidade estrutural para atender a comunidade e, esta estrutura já não era a mesma de alguns anos atrás e com base nisso e em julgamentos extremamente discutíveis, o MP/RS exigiu o fechamento dessas escolas. As escolas custavam aos cofres do estado R$16 mil, um valor irrisório perto do montante que o governo teria de gastar só em transporte das crianças, se essas realmente se matriculassem em escolas regulares.

Essas informações foram colhidas com os educadores das escolas, participes dos acampamentos e pessoas diretamente envolvidas com as comunidades, o significado político e social dessa atitude do governo e a problematização dos argumentos apresentados pelo Ministério Público são questões que nos angustiam, no entanto, serão discutidas em outras oportunidades.

Assim como os educandos do ITERRA se dividem em tempos de trabalho e de estudo e essa organização é orientada por uma filosofia, as pessoas que coordenam os processos pedagógicos do curso e do Instituto em geral, também têm uma conduta pautada por princípios defendidos por Freire em sua metodologia pedagógica. Nossa convivência nesse espaço serviu, entre outras coisas, para presenciar a materialidade de tais princípios, quais sejam: o aprofundamento do diálogo como ferramenta de aperfeiçoamento, a rigorosidade no acompanhamento e orientação dos educandos e a construção de um ambiente de afetuosidade e amorosidade.

A afetividade, a amorosidade, a dialogicidade perpassam toda relação pedagógica, uma vez que sua razão de ser são seres humanos em processo de humanização. No entanto,“não há diálogo [...] se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que o funda [...] Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo” (FREIRE, 1987, p. 79/80).

Essa passagem sintetiza claramente o conteúdo dos princípios adotados pela Pedagogia da Terra e percebidos nas relações que constituem tal prática educativa. Com o desenvolvimento das atividades de orientação nos deparamos com a necessidade de estudarmos mais detidamente as características da educação do MST e da educação do campo como um todo. E com essa demanda nos deparamos com mais aspectos da pedagogia de Freire, as crianças Sem Terra têm uma educação vinculada estritamente com sua realidade, isto é, seu cotidiano, suas lutas, suas necessidades e seus brinquedos são sistematizados pelos educadores e transformados em conteúdo nas aulas.

Esse procedimento é defendido por Paulo Freire através de toda sua vida, outra questão que é interessante salientar é o fato de que a educação do movimento procura não só alfabetizar, mas também formar sujeitos com valores específicos de apego as lutas e as concepções do seu meio. Essa formação se caracteriza como um processo coletivo de experiências que se coadunam e constituem as personalidades individuais.

Essa noção de experiência que o MST trabalha nos remete a um conceito clássico da teoria marxista, elaborado pelo historiador inglês Edward Palmer Thompson, que entendemos que se aproxima muito do pensamento freireano.

O que descobrimos (em minha opinião) está num termo que falta: experiência humana, (...) Os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro desse termo – não como sujeitos autônomos, indivíduos livres, mas como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos – e, em seguida, tratam essa experiência em sua consciência social e sua cultura das mais complexas maneiras e em seguida agem, por sua vez sobre sua situação determinada. (1981, p.182).

Esse valor dado a vida concreta dos sujeitos e às suas vivências, é diretamente proporcional ao êxito que comprovamos da metodologia adotada pelos movimentos sociais populares. No ITERRA apesar da coletividade ser prioritária, percebemos através das nossas conversar e de algumas condutas que o exercício da autonomia também existe. Nos momentos dedicados a construção dos projetos de pesquisa, os alunos ao fazerem suas escolhas teórico-metodológicas junto aos seus orientadores, concentravam suas energias na atividade de melhoria técnica do seu trabalho assim como de amadurecimento do conteúdo.

Os resultados desse processo foram muito positivos não só no que se refere à velocidade das melhorias dos trabalhos, como também em relação a compreensão que os educandos apresentavam sobre as questões que instigavam seus projetos de pesquisa. Isso denuncia não só a capacidade deles, mas principalmente a relevância de um real exercício de autonomia que perpassa a história de vida dessas pessoas dentro do Movimento. Freire(1996, p. Xxxx ) é categórico ao afirmar que:

O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros. Precisamente porque éticos podemos desrespeitar a rigorosidade da ética e resvalar para a sua negação, por isso é imprescindível deixar claro que a possibilidade do desvio ético não pode receber outra designação senão a de transgressão. O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que minimiza, que manda que "ele se ponha em seu lugar" ao mais tênue sinal de sua rebeldia legitima, tanto quanto o professor que se exige do cumprimento de seu dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência.

Essa longa, porém, necessária citação traduz o quão ontológico é para Paulo Freire o respeito à autonomia, podemos afirmar que os educadores que dizem seguir sua filosofia devem ser intransigentes no atendimento desse princípio em suas práticas pedagógicas.

A razão maior de pensarmos um pouco sobre essas atividades, especificamente, tem como objetivo mostrar que existem experiências sociais e pedagógicas diferentes e até antagônicas em relação às experiências institucionais “tradicionais” marcadas, muitas vezes, pelo conservadorismo. Por fim, somos partidários da idéia de Boaventura de Souza Santos (2001, p. 18) que em uma palestra intitulada “Seis razões para pensar”, publicada na revista de cultura e política Lua Nova nos diz que:

Enquanto a gente se deixar surpreender pela realidade, no sentido de que aquilo que nós observamos não está totalmente contido nas nossas teorias, ou nos nossos preconceitos, aí estará prevenido o perigo do sectarismo. Portanto, o importante é que saibamos que o compromisso com a objetividade existe para fundar a objetividade do compromisso, isto é, para termos razões pelas quais nós temos uma posição ou outra. O cientista social, sendo objetivo, tem que saber de que lado está e tem que saber com razões, razões pensadas, e é por isso que é preciso e é fundamental pensar. Não há objetividade sem objetivos.

Neste breve relato de uma experiência nos espaços educativos de um curso de formação de educadores do campo, caberiam muitos outros detalhes e outras reflexões, todavia não é nosso objetivo exaurir esse diálogo nesse momento, assim como não é nosso propósito absolutizar as práticas educativas dos movimentos sociais populares como o MST com a qual estamos tendo contato. Tais práticas contêm, como todas, contradições, dificuldades, inacabamentos e inúmeros desafios.

Referencias bibliográficas:

FREIRE, Paulo. A pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1992.

FREIRE, Paulo. A pedagogia do oprimido. 17ª Ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1987.

FREIRE, Paulo. A pedagogia da autonomia: saberes necessário á prática educativa São Paulo. Paz e Terra, 1996.

THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

SANTOS, Boaventura de Souza. Seis razões para pensar. In. Revista Lua Nova nº 54. São Paulo, 2001.