quarta-feira, maio 22, 2013

Cantinhos

Talvez se inventar
tudo que aconteceu
assim vamos salvar
o momento meu e teu

E se o nosso lugar
for a sombra a se mexer
e o modo de chegar
é seguir o vento vem!

As dicas de além mar
são cantinhos de querer
que os pés irão pisar
olhos de não esquecer

E depois quando contar
sabe o que irão de dizer?
que acabamos de acordar
do tal sonho de viver.







Um favor à verdade


por José Antonio Lima — publicado em Carta Capital

No balanço divulgado na segunda-feira 21, a Comissão Nacional da Verdade fez um enorme favor ao Brasil. A CNV revelou que as torturas ocorridas durante a ditadura não foram uma resposta à luta armada, como afirmaram por anos o ex-integrantes do regime e seus apoiadores, mas tiveram início logo após a derrubada de João Goulart. É a desconstrução de uma das maiores mentiras políticas das últimas décadas no Brasil.

As palavras da historiadora Heloísa Starling, assessora da comissão, não deixam dúvidas. Segundo ela, a tortura foi “introduzida como padrão de repressão, enquanto técnica de interrogatório nos quartéis, a partir de 1964” e explodiu a partir de 1969, depois do Ato Institucional 5 (publicado no fim de 1968). A CNV identificou centros de detenção e tortura a partir de 1964 e verificou que tais violações não eram praticadas de forma pontual. Eram, sim “a base da matriz da repressão da ditadura".

Por anos, os admiradores da ditadura brasileira afirmaram que o recurso à tortura foi uma resposta à luta armada. Violar os direitos humanos de brasileiros seria, segundo esta versão, a única forma de evitar um “mal maior”, a implantação de um regime comunista no Brasil. A lógica é semelhante à adotada por quem apoia as torturas realizadas pela CIA na “guerra ao terror” dos Estados Unidos. Neste clima messiânico de combate ao “mal”, vale tudo e qualquer coisa para evita-lo, até mesmo abrir mão de valores democráticos e, em último caso, da própria democracia.

No caso do Brasil, o descalabro deste tipo de argumento é ainda mais agudo. Se o terrorismo contra interesses norte-americanos é real, o mesmo não se pode dizer da ameaça comunista por essas bandas.

Como escreveu o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, o temor anticomunista no Brasil teve “papel preponderante no processo de arregimentação dos grupos adversários ao governo [Goulart], fornecendo o principal argumento que unificou os setores de oposição”. Os líderes do golpe realmente acreditavam na ameaça comunista, escreve Sá Motta, mas tinham uma “avaliação imprecisa da extensão” dela e, ainda assim, “se esforçaram para convencer o público de que os bárbaros estavam à porta”. Não é difícil entender como esta campanha, somada à lógica de que vale tudo para evitar o barbarismo (inclusive adotar os mesmos métodos dos bárbaros) culminou na prática da tortura.

A fantasia a respeito do “perigo vermelho” continua a grassar, como revela a ironia da comunidade do Facebook Golpe Comunista 2014 no Brasil, mas aqueles que tentam legitimar a prática da tortura diante da atuação dos grupos da luta armada talvez fiquem ao menos um pouco mais constrangidos.

Apesar do avanço, falta ao Brasil, ainda, desvendar outra mentira criada pela ditadura: a de que a Lei da Anistia é fruto de um “acordo político” entre governo e oposição. Criada para anistiar aqueles que combatiam a ditadura, a lei foi travestida de perdão eterno aos agentes estatais brasileiros que violaram direitos humanos da população brasileira. Tal mentira persiste apesar de a anistia ter sido aprovada apenas pela Arena (o MDB votou em peso contra a lei), e após grandes protestos contra ela. De forma vexatória, a falácia foi referendada pelos ministros do STF Eros Grau, Ellen Gracie, Cezar Peluso (já aposentados), Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello em 2010. Enquanto esta mentira persistir, o Estado brasileiro continuará em dívida com sua população.

quinta-feira, maio 16, 2013

Comentários sobre dados importantes.


Dos jovens entre 18 e 24 anos no Brasil, idade adequada para estar no ensino superior, 51% estão nesse nível de ensino. Entre os jovens brancos nessa faixa etária 65,7% estão em curso superior, já entre os pretos e pardos apenas 35,8% estão. Se olharmos os dados de 10 anos atrás (2001) tínhamos 39,6% dos jovens brancos entre 18 e 24 anos no ensino superior e somente 13,7% dos jovens pretos e pardos. Identificamos com isso que apesar de todos avanços dos últimos anos, a proporção de jovens pretos e pardos no ensino superior hoje ainda não iguala a proporção que os jovens brancos tinham em 2001. Sempre lembrando que a população preta e pardo no Brasil nessa faixa etária é maior que a população branca. 

Fonte: Síntese de Indicadores Sociais de 2012, IBGE.

90% dos casos de câncer na América Latina não têm origem hereditária, são frutos de sedentarismo, maus hábitos alimentares (composição dos alimentos) e poluição dos grandes centros. Diferentes de outros continentes os países latinos tem grandes dificuldades tanto de se chegar ao diagnóstico quanto de iniciar o tratamento que é caro em geral. O Brasil não chega a investir 5% do PIB em saúde pública e passa pelo fenômeno de envelhecimento contínuo da sua população. O câncer é a segunda maior causa de mortes no país e uma lei, que entra em vigor semana que vem, exige que no SUS o tratamento inicie no máximo 60 dias após o diagnóstico ser registrado no prontuário do paciente. Esse início de tratamento pode ser quimioterapia ou radioterapia ou cirurgia. Cabe a nós nos inteirarmos e exigirmos esse direito, para fazer com que a norma se torne realidade e tenha força contra a burocracia e a falta de investimento. Me refiro a Lei 12.732/12.

Fonte: Artigo assinado por mais de 70 especialistas na revista especializada Lancet Oncology. Disponível em português no link a seguir:  http://www.lancet.com/commissions/planning-cancer-control-in-latin-america-and-the-caribbean

quinta-feira, maio 09, 2013

Dois + dois = ?


Por Luis Fernando Veríssimo hoje em ZH

Um economista americano desconhecido estava revendo a tese de dois economistas muito conhecidos, que provava que a responsabilidade fiscal e a austeridade nos gastos sociais favorecia, em vez de atrasar, como diziam alguns, a recuperação econômica, e estava sendo usada por economistas oficiais para justificar o aperto aplicado pela maioria dos governos do mundo contra a crise, quando descobriu um erro. Não um erro de posicionamento, de interpretação ou de redação — um erro de matemática. Certas contas não fechavam.
Dois mais dois simplesmente não davam quatro. O economista desconhecido publicou sua descoberta, o que o tornou conhecido, e os dois economistas conhecidos reconheceram seu erro, mas não lhe deram importância, o que os tornou cúmplices declarados do massacre que a tese deles continua causando.
A certeza de que com o tempo a austeridade se justificará, demonstrada claramente nas contas erradas da dupla, só conseguiu transformar “austeridade” em palavrão, nos países em que a maioria da população continua pagando, com desemprego e miséria, pelos desmandos dos seus governos e a ditadura do capital financeiro, responsável pela crise.
Mas talvez haja uma explicação que absolva os dois economistas conhecidos. É difícil imaginar que eles não tenham recorrido aos seus laptops, ou aos laptops de assistentes, para fazer suas contas. (“Veja aí, dois mais dois quanto dá”). E os laptops podem ter fracassado.
Hoje confiamos tudo ao computador, por que não confiar na sua matemática? E a sua matemática pode entrar em pane.
Me lembrei da história do Millôr sobre o último homem do mundo que ainda sabia contar nos dedos. Um dia todos os sistemas interligados do mundo caem. Ninguém mais consegue escrever sem um teclado, o que dirá fazer contas sem uma calculadora eletrônica.
Recorrem ao homem, que cobra caro pelo seu serviço. E o fornece tranquilamente, certo de que se errar nas suas contas primitivas não haverá como comprovar o erro. Ele será a autoridade final em todas as contas.
A austeridade não está dando certo em nenhum lugar do mundo, muito menos nos países mais sacrificados pela crise, como Grécia e Espanha.
Na Inglaterra, as pompas fúnebres para Margaret Tchatcher, Mrs. Austeridade, também foram, um pouco, uma celebração provocativa do aperto promovida pelo governo conservador. O neoliberalismo dando um último chute no “welfare state” antes de ser canonizado.


terça-feira, maio 07, 2013

Homicídios: ex-secretário nacional de Segurança critica sistema prisional


Fonte: O Globo

RIO - Ex-secretário nacional de Segurança, o antropólogo Luiz Eduardo Soares discorda do modelo de encarceramento adotado no Brasil. Para ele, o sistema prisional como está é incapaz de ressocializar os detentos. Segundo ele, nem sempre o aumento do efetivo policial resulta em queda dos índices de criminalidade. Soares defende mudanças no processo de execução penal e maior treinamento dos policiais.

GLOBO - Qual a sua avaliação com relação às políticas de maior encarceramento e maior efetivo policial na redução da criminalidade?

O encarceramento tal como tem sido praticado no Brasil é um desastre. Apenas 8% dos homicídios dolosos são investigados com sucesso. A taxa de impunidade chega a espantosos 92%, como mostrou o professor Julio Waiselfisz, confirmando como taxa média para o Brasil exatamente o número que encontrei no município do Rio em 1994. Por outro lado, graças à iníqua lei de drogas, 65% dos presos no Rio entre 2006 e 2011 são jovens pobres capturados em flagrante negociando substâncias ilícitas sem uso de arma, sem vínculo com organizações criminosos e que não agiram com violência, conforme demonstrou a professora Luciana Boiteux. Será que depois de quatro anos cumprindo sentenças no inferno das penitenciárias brasileiras que sequer cumprem a lei de execuções penais eles vão sair melhores e continuarão sem vínculos com o crime organizado?
Os R$ 1.500,00 mensais que cada preso custa não seria mais bem aplicados em sua educação, formação profissional e integração à sociedade? No Brasil, temos a quarta população carcerária do mundo, 550 mil presos, e a que mais cresce no planeta: 40% são presos provisórios, dois terços cometeram crimes contra o patrimônio e tráfico. Apenas 12 mil estão cumprindo pena por crimes contra a vida. Passamos de 150 mil presos, em meados dos anos 1990, para 550 mil, hoje, e o número de homicídios dolosos no Brasil tem crescido. Em números absolutos, em matéria de homicídios dolosos só perdemos para a Rússia. Em 2000, houve 45.433 homicídios dolosos no Brasil e a população carcerária era de 232.755 presos; em 2012, houve 53.016 homicídios dolosos e há 549.577 presos. A única prisão que faz sentido e reduz a violência é aquela que afasta da sociedade quem pratica crimes contra a vida. Mas essa não é a prioridade no Brasil.

GLOBO - O senhor considera importante uma reforma no processo de execução penal, como forma de reduzir as chances de os detentos retornarem para as ruas antes do fim da sua pena fechada? Por quê?

Considero importante que não banalizemos as prisões, que renunciemos ao populismo penal, que revisemos a lei de drogas na direção da legalização, que recorramos à privação de liberdade com máxima parcimônia, quando não houver alternativa ante o risco para a sociedade. Não nos iludamos com o conto de fadas da "ressocialização". Encarcerar o ser humano nunca o fará melhor. Considero também indispensável definir a vida como prioridade absoluta. Gostaria que a justiça criminal deixasse de ser retributiva, isto é, operadora da vingança e se orientasse para a corresponsabilização, a reparação de danos e a prevenção.
A questão do preparo policial hoje já é um tema importante. Como colocar mais policiais nas ruas com as condições de formação que hoje nós temos?
Quanto ao efetivo policial, nem sempre a quantidade faz diferença e nem sempre essa diferença é positiva. Depende da qualidade dos profissionais, da formação e do treinamento, das condições nas quais trabalha -salariais e operacionais - e das políticas de segurança que lhes cumpre aplicar. De que adianta contratar mais policiais e lhes pagar salários indignos, dar-lhes armas para que eles saiam às ruas despreparados, representando riscos para eles mesmos e para a sociedade. O ofício policial, em todas as áreas, é complexo. Precisa ser valorizado. Às vezes, menos é mais.
O estudo do IPEA aponta que a evasão escolar é uma questão importante que afeta os índices de homicídios. Mas como manter as crianças nas escolas com todos os atrativos que o mundo do crime pode oferecer aos jovens, como ganho imediato, poder e etc?
As escolas têm de conquistar o imaginário e o afeto dos estudantes, e oferecer desde cedo uma formação moral em tudo distinta do moralismo hipócrita e de doutrinas. Uma formação para a paz e o respeito ao outro, a democracia e a participação responsável, e para acima de tudo valorizar a dignidade sagrada do ser humano. Em suma, uma educação nada tediosa e por tudo fascinante para a compreensão profunda e o engajamento nos direitos humanos.

GLOBO - O senhor poderia listar ao menos cinco políticas que considera essenciais para a redução da criminalidade, especialmente, os homicídios no Brasil?

Haveria muito mais do que cinco políticas a destacar. Vou mencionar apenas as principais: reforma das polícias para que operem em ciclo completo com efetivo controle externo, em jornadas de trabalho racionais e salários dignos, depois de formação consistente, planejando e avaliando suas ações com base em uma rigorosa gestão do conhecimento, norteando seu trabalho para o fiel cumprimento de seu mandato constitucional, respeitando portanto os direitos humanos, compreendendo que a população pobre é tão destinatária de seus serviços quanto as elites, e dando absoluta prioridade à vida, o que implica o banimento total das execuções extra-judiciais. Uma segunda medida, no caso do Rio, seria utilizar em sua plenitude o potencial técnico das delegacias legais (as melhores estruturas do país) e multiplicar o número de Áreas Integradas de Segurança para que cumpram as funções para as quais foram criadas com as delegacias legais, em 1999. Os demais estados sequer dispõem desse modelo. Uma terceira medida seria priorizar o controle de armas e legalizar as drogas. Uma quarta tornar o projeto das UPPs uma verdadeira política pública de policiamento comunitário, em vez de ocupação militar, articulada a programas preventivos que valorizem os jovens, reduzam a evasão escolar e estimulem a criatividade cultural nas favelas e periferias.
Outra medida seria destinar 40% dos policiais civis à investigação dos homicídios a partir do tempo zero, deixando que os 60% restantes continuem a cuidar do passivo (as centenas de milhares de inquéritos inconclusos que dificilmente terão êxito mas impedem que se melhore o trabalho para o futuro). Isso significa separar o passado do futuro. Esses 40% se dedicarão exclusivamente a crimes letais intencionais (homicídios dolosos e roubos seguidos de morte ou crimes de milicianos). Trabalharão em duplas e cuidarão de um caso por vez durante um tempo limitado (um mês ou dois), no qual se tenha boas razões para supor que a investigação terá sucesso. Todo crime desse tipo contará com a proteção da cena de sua ocorrência pela PM e será periciado por peritos em unidades móveis. Como cerca de 50% dos homicídios do estado do Rio, por exemplo, acontecem nas áreas de 10% das delegacias distritais ou das AISPs, e se concentram nas noites de sexta e sábado, deduz-se que meia-dúzia de unidades periciais móveis bem equipadas, com três equipes de quatro peritos em turnos de 8 horas, serão suficientes. A delegacia de homicídios do Rio vem fazendo um grande trabalho. Faria ainda melhor se o plano que sugiro fosse implementado sob seu comando.



segunda-feira, maio 06, 2013

Joaquim Barbosa desmascara mídia brasileira


João Brant, via Direito à Comunicação Em discurso no evento de comemoração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, realizado pela Unesco, na Costa Rica, no dia 3 de maio, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, afirmou que a mídia brasileira é afetada pela ausência de pluralismo. Ressaltando que neste ponto falava como acadêmico, e não como presidente do STF, ele avaliou que esta característica pode ser percebida especialmente pela ausência de negros nos meios de comunicação e pela pouca diversidade política e ideológica da mídia. A apresentação do presidente do STF se deu em quatro partes voltadas a apresentar uma perspectiva multifacetada sobre liberdade de imprensa. Na abertura, reafirmou o compromisso da corte e do País com a liberdade de expressão e de imprensa, e ressaltou que uma imprensa livre, aberta e economicamente sólida é o melhor antídoto contra arbitrariedades. Barbosa lembrou a ausência de censura pública no Brasil desde a redemocratização em 1985. Na segunda parte, o ministro apresentou como o tema é tratado na Constituição de 1988, que pela primeira vez reservou um capítulo específico para a comunicação. Segundo Barbosa, no sistema legal brasileiro nenhum direito fundamental deve ser tratado como absoluto, mas sempre interpretado em completa harmonia com outros direitos, como privacidade, imagem pessoal e, citando textualmente o texto constitucional, “o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”. Nesse sentido, ressaltou o ministro, o sistema legal brasileiro relaciona a liberdade de expressão com a responsabilidade legal correspondente. “A lei se aplica a todos e deve ser obedecida. A liberdade de imprensa não opera como uma folha em branco ou como um sinal verde para violar as regras da sociedade”, afirmou Barbosa. Na terceira parte de seu discurso, Joaquim Barbosa apresentou dois casos em que o Supremo Tribunal Federal teve que lidar com a liberdade de expressão e de imprensa. No primeiro, lembrou a a análise que o STF teve de fazer sobre a publicação de obras racistas contra judeus por parte de Siegfried Ellwanger. Neste caso, a corte avaliou que a proteção dos direitos do povo judeu deveria prevalecer em relação ao direito de publicar casos discriminatórios. Em seguida, falou sobre a lei de imprensa, que foi derrubada pelo Supremo por ser considerada em desacordo com a Constituição e extremamente opressora aos direitos de liberdade de expressão e de imprensa. Antes de encerrar, porém, Barbosa fez questão de ressaltar que não estaria sendo sincero se não destacasse os problemas que via na mídia brasileira. Falando da ausência de diversidade racial, o ministro lembrou que embora pretos e mulatos correspondam à metade da população, é muito rara sua presença nos estúdios de televisão e nas posições de poder e liderança na maioria das emissoras. “Eles raramente são chamados para expressar suas posições e sua expertise, e de forma geral são tratados de forma estereotipada”, afirmou o ministro. Avaliando a ausência de diversidade político-ideológica, Barbosa lembrou que há apenas três jornais de circulação nacional, “todos eles com tendência ao pensamento de direita”. Para ele, a ausência de pluralismo é uma ameaça ao direito das minorias. Barbosa finalizou suas observações sobre os problemas do sistema de comunicação destacando o problema da violência contra jornalistas. “Só neste ano foram assassinados quatro profissionais, todos eles trabalhando para pequenos veículos. Os casos de assassinatos são quase todos ligados a denúncias de corrupção ou de tráfico de drogas em âmbito local, e representam grave violação de direitos humanos”. Em resposta a questionamentos do público, Barbosa lembrou um dos motivos da impunidade nos crimes contra a liberdade de imprensa é a disfuncionalidade do sistema judicial brasileira, que tem quatro níveis e “infinitas possibilidades de apelo”. Além disto, a justiça brasileira tem, na perspectivas de Barbosa, sistemas de proteção aos poderosos, que influenciam diretamente os juízes. “A justiça condena pobres e pretos, gente sem conexão. As pessoas são tratadas de forma diferente de acordo com seu status, cor de pele ou poder econômico”, concluiu Barbosa.

sexta-feira, maio 03, 2013

Intolerância religiosa


por Drauzio Varella para Folha

Sou ateu e mereço o mesmo respeito que tenho pelos religiosos.

"Os religiosos  não entendem como
se pode discordar de sua cosmovisão"
A humanidade inteira segue uma religião ou crê em algum ser ou fenômeno transcendental que dê sentido à existência. Os que não sentem necessidade de teorias para explicar a que viemos e para onde iremos são tão poucos que parecem extraterrestres.

Dono de um cérebro com capacidade de processamento de dados incomparável na escala animal, ao que tudo indica só o homem faz conjecturas sobre o destino depois da morte. A possibilidade de que a última batida do coração decrete o fim do espetáculo é aterradora. Do medo e do inconformismo gerado por ela, nasce a tendência a acreditar que somos eternos, caso único entre os seres vivos.

Todos os povos que deixaram registros manifestaram a crença de que sobreviveriam à decomposição de seus corpos. Para atender esse desejo, o imaginário humano criou uma infinidade de deuses e paraísos celestiais. Jamais faltaram, entretanto, mulheres e homens avessos a interferências mágicas em assuntos terrenos. Perseguidos e assassinados no passado, para eles a vida eterna não faz sentido.

Não se trata de opção ideológica: o ateu não acredita simplesmente porque não consegue. O mesmo mecanismo intelectual que leva alguém a crer leva outro a desacreditar.

Os religiosos que têm dificuldade para entender como alguém pode discordar de sua cosmovisão devem pensar que eles também são ateus quando confrontados com crenças alheias.

Que sentido tem para um protestante a reverência que o hindu faz diante da estátua de uma vaca dourada? Ou a oração do muçulmano voltado para Meca? Ou o espírita que afirma ser a reencarnação de Alexandre, o Grande? Para hindus, muçulmanos e espíritas esse cristão não seria ateu?

Na realidade, a religião do próximo não passa de um amontoado de falsidades e superstições. Não é o que pensa o evangélico na encruzilhada quando vê as velas e o galo preto? Ou o judeu quando encontra um católico ajoelhado aos pés da virgem imaculada que teria dado à luz ao filho do Senhor? Ou o politeísta ao ouvir que não há milhares, mas um único Deus?

Quantas tragédias foram desencadeadas pela intolerância dos que não admitem princípios religiosos diferentes dos seus? Quantos acusados de hereges ou infiéis perderam a vida?

O ateu desperta a ira dos fanáticos, porque aceitá-lo como ser pensante obriga-os a questionar suas próprias convicções. Não é outra a razão que os fez apropriar-se indevidamente das melhores qualidades humanas e atribuir as demais às tentações do Diabo. Generosidade, solidariedade, compaixão e amor ao próximo constituem reserva de mercado dos tementes a Deus, embora em nome Dele sejam cometidas as piores atrocidades.

Os pastores milagreiros da TV que tomam dinheiro dos pobres são tolerados porque o fazem em nome de Cristo. O menino que explode com a bomba no supermercado desperta admiração entre seus pares porque obedeceria aos desígnios do Profeta. Fossem ateus, seriam considerados mensageiros de Satanás.

Ajudamos um estranho caído na rua, damos gorjetas em restaurantes aos quais nunca voltaremos e fazemos doações para crianças desconhecidas, não para agradar a Deus, mas porque cooperação mútua e altruísmo recíproco fazem parte do repertório comportamental não apenas do homem, mas de gorilas, hienas, leoas, formigas e muitos outros, como demonstraram os etologistas.

O fervor religioso é uma arma assustadora, sempre disposta a disparar contra os que pensam de modo diverso. Em vez de unir, ele divide a sociedade - quando não semeia o ódio que leva às perseguições e aos massacres.

Para o crente, os ateus são desprezíveis, desprovidos de princípios morais, materialistas, incapazes de um gesto de compaixão, preconceito que explica por que tantos fingem crer no que julgam absurdo.

Fui educado para respeitar as crenças de todos, por mais bizarras que a mim pareçam. Se a religião ajuda uma pessoa a enfrentar suas contradições existenciais, seja bem-vinda, desde que não a torne intolerante, autoritária ou violenta.

Quanto aos religiosos, leitor, não os considero iluminados nem crédulos, superiores ou inferiores, os anos me ensinaram a julgar os homens por suas ações, não pelas convicções que apregoam.