quinta-feira, outubro 30, 2014

Políticos que temem a participação



Argumentos da parte conservadora da Câmara Federal para revogar o Decreto presidencial 8243 que criava o Plano Nacional de Participação Social.  

a) ele retira autonomia do congresso em regulamentar a questão;
b) deixa na mão do executivo a indicação para a participação nesses conselhos o que acarretaria em "aparelhamento".

O Psol apresentou projeto similar, cuja principal mudança é atribuir aos próprios conselhos a indicação das representações populares.

Com isso o projeto parte do legislativo e não atribui ao executivo a indicação dos participantes. Todos que foram contra ontem, aprovarão agora? Duvido. A maioria da Câmara não simpatiza com nenhum mecanismo de participação, mesmo modesto como esse, já que a maioria dos Conselhos são consultivos e não deliberativos.

Vivemos em uma democracia de baixa intensidade, no conceito de Boaventura Santos, em uma democracia representativa bastante debilitada inclusive para representar. 

O Congresso que aí está e o que vai assumir em 1° de janeiro só existe porque os canais de participação são exíguos, porque a democracia participativa não consegue sair de experiências pontuais e se tornar mais abrangente e expressiva. A direita e o pseudocentro representado pelo PMDB não suportam a ideia de povo, movimentos sociais e organizações populares pautando o conteúdo das leis, das prioridades e políticas públicas. Não suportam porque sua reprodução no poder depende dessa não participação e da despolitização.

Não há chance para um reforma política séria nessa conjuntura. Nos últimos dias vi muitas confusões feitas entre democracia e eleições, como se a escolha pelo voto fosse o ápice da democracia, esse deveria ser o início da democracia e não seu fim. A democracia liberal que temos é a democracia da demagogia, do faz de conta, do discurso vazio.

O que mais me espanta é o grito que muitos fazem diante de medida tão modesta como a desse decreto, a reação do congresso tão orgulhosa em bloquear uma participação tão frágil, imaginem se a pauta for mudanças mais robustas e estruturais? Essas não vão passar pela classe política aí colocada. 

segunda-feira, outubro 27, 2014

Os críticos pra onde vão?




Participei ativamente do debate eleitoral. Por razões já bastante esmiuçadas defendi um voto crítico em Dilma, reeleita para dirigir o país. Fiz essa defesa racional e pragmática em função das reais chances de retrocesso histórico e político representado pela candidatura do Psdb. 

Porém, terminadas as eleições, cabe dizer que as ressalvas contidas em todas postagens e compartilhamentos que fiz em relação aos limites estruturantes dos governos petistas seguem vivas e saem do pleito fortalecidas.

A diferença de votos foi muito pequena, há saturações evidentes tanto no projeto de coalizão petista quanto na oposição conservadora que se apresentou como alternativa no segundo turno. Para a maioria das pessoas que não acompanham política é difícil compreender que existe uma oposição de esquerda ao governo Dilma, que faz a crítica fundada em princípios socialistas, que deseja mais Estado, e que não poderia permitir o êxito da direita apoiada na alienação e no ódio que a candidatura Aécio significava.

Com isso quero dizer que meu espectro político e ideológico está a esquerda do PT e suas gestões, e para que eu faça o exercício da reflexão e da crítica livre não é necessário que eu tenha filiação partidária. Reivindico essa liberdade de análise não pautado em um sentimento anárquico como muitos, mas sustentando pelo amplo pensamento de esquerda historicamente construído. 

O governo Dilma que termina agora não avançou em inúmeras demandas, e o governo futuro terá um congresso nacional mais conservador e retrógrado, o que impedirá passos progressistas. Posso listar temas que pouco avançaram e que se apresentam como desafios seminais para o futuro: 

 - reforma agrária, 
 - reforma tributária, 
 - reforma política fundamentada e avançada, 
 - debate com a sociedade de pautas como o aborto e os direitos dos homossexuais,
 - descriminalização das drogas;
 - a desmilitarização da polícia, 
 - a democratização dos meios de comunicação, 
 - a demarcação de terras e garantias de direitos dos povos indígenas e quilombolas,
 - as garantias de melhor remuneração para os trabalhadores em educação em todo país, 
 - uma auditoria séria da dívida pública e a revisão do montante do orçamento dirigido a ela,
 - o aperfeiçoamento das políticas de ciência e tecnologia com a ampliação de investimentos na área, 
 - a taxação real das grandes fortunas prevista na constituição
 - revisão do pacto federativo para que em muitas áreas como segurança pública e educação a União possa investir e criar políticas, e:
 - criação de mecanismos de controle do mercado financeiro nacional para que esse não siga capturando o Estado através do pagamento da dívida, o que estrangula a capacidade de investimento público em áreas essenciais. 

Dava para listar mais questões, mas fico por aqui. 

Os governos petistas não tiveram como prioridade a politização da sociedade brasileira, esse diagnóstico se mostrou preciso nas eleições. Sindicatos, associações de trabalhadores e movimentos sociais perderam a capacidade de formação política na medida que foram cooptados, em grande escala, por uma lógica política tradicional de benefícios para lideranças. Com isso, essas entidades correm o risco de servirem mais de escudo político do governo petista do que de ferramentas de lutas dos trabalhadores. 

Essa relação é complexa em governos de coalizão com amplos setores do patronato e da direita conservadora, por isso precisa ser revista. Ver ventilado nos jornais o nome de Kátia Abreu, líder da bancada ruralista, para o ministério da agricultura, e a formação da equipe econômica são questões de arrepiar os cabelos, retrocessos reais. 

Não faço esse breve texto com o intuito de me despir da pecha pejorativa de petista, "petralha", lulista ou dilmista que muitos me atribuíram em comentários, esse é um olhar míope e descontextualizado, mas que realmente não dou importância. 

Faço o texto como continuidade do exercício de crítica que seguirei fazendo em relação aos governos petistas e para esclarecer que o período eleitoral exige uma linguagem, um conteúdo e uma postura específicas quando se opta, eleitoralmente, por um governo com maior sensibilidade social em detrimento de outro que tradicionalmente é austero com aqueles que mais precisam.

Não tenho dúvida que as grandes transformações no Brasil serão fruto das mobilizações, das ruas, da capacidade de organização dos trabalhadores, camponeses, das periferias e da união das classes populares. Penso que o segundo turno eleitoral foi uma oportunidade para que setores progressistas dialogassem em torno das guinadas possíveis e necessárias a serem feitas dentro da institucionalidade, essas guinadas, ficou claro diante do golpismo midiático e da articulação das forças atrasadas, devem ser para esquerda. 

Gregório Grisa

sexta-feira, outubro 17, 2014

Corrupção e alternância no poder: falsas pautas que guiam o eleitorado.

Gravura de Vítor Teixeira intitulada "Devorado pela própria ignorância" em alusão a reeleição do PSDB em São Paulo

Conversando com amigos, conhecidos e lendo o forte debate na internet sobre as eleições, está claro pra mim que duas pautas emplacaram com força no imaginário do eleitor. Essas pautas estão servindo para as pessoas definirem seu voto e, mais do que isso, reproduzirem um sentimento de "mudança" fundado em mistificações. 

Quais são as duas pautas? A da corrupção descontrolada e a do desgaste do governo que levaria a necessidade de alternância no poder. Óbvio que a oposição, no caso do segundo turno no RS e no país, de direita, irá usa a exaustão essas pautas que colaram. 

Mas a oposição sozinha não conseguiria dar a capilaridade que o discurso "da corrupção e da alternância" ganhou sem os grandes meios de comunicação monopolizados. As poucas famílias donas dos meios de comunicação veem em Aécio grande oportunidade de fortalecer seu controle da mídia nacional e de alavancar mais seus lucros através da captura ainda maior de dinheiro público para suas corporações privadas de informação. 

Guilherme Boulos tratou didaticamente disso no texto Massacre Midiático. Outra pessoa que refletiu sobre o papel da mídia no inculcamento de que o Brasil está em um mar de corrupção foi a psicanalista Maria Rita Kehl, na sua declaração de voto, nesse link: Voto contra o Retrocesso. Com a sugestão desses dois textos abdico de detalhar de que lado a informação que consumimos está.

Casos de corrupção aconteceram, acontecem e acontecerão no Brasil, e terão envolvidos de todos os partidos tradicionais que estão na disputa nesse frágil e nefasto formato eleitoral que temos. O PSDB e DEM são os partidos com maior número de cassações de parlamentares no Brasil por corrupção segundo Dossiê do Movimento Nacional de Combate a Corrupção Eleitoral, feito com base em dados do TSE, o PMDB esta presente em quase todos os escândalos que ocorrem, porque governa com todos, basta ter poder que está presente. 

O PT tem o mensalão julgado pelo STF, o caso da Petrobrás que hora ocupa as páginas dos jornais em abundância, se tudo for verdade, envolve PT, PP, PMDB e sim o PSDB, através de seu ex-presidente nacional, segundo o principal delator do caso. Há mensalão tucano em julgamento, mensalão do DEM, escândalo do metrô de SP, caixa dois para campanha em todos partidos da ordem, posso amanhecer falando de casos aqui. 

Qual a diferença do tempo que vivemos hoje? As coisas estão aí, as investigações e os julgamentos ocorrem com mais intensidade hoje do que no passado, e isso se deve a um conjunto amplo de aperfeiçoamento dos órgãos do Estado e não só aos governos do PT, mas também.

Todavia, como a pauta é apresentada? Mistificada, por isso você "não aguenta mais tanta sujeira nesse país", essa frase virou refrão do senso comum, parece que agora está pior porque a campanha eleitoral, feita por Aécio com apoio da grande mídia, se utiliza do mantra repetido e faz com que a corrupção que é sistêmica, e que tem sido mais combatida, apareça como obra exclusiva do partido que ocupa o governo. 

E pior, a corrupção quando assim apresentada passa a ser a pauta definidora da eleição, há aqui uma dupla falsificação da realidade.
Primeiro a corrupção é apresenta intencionalmente distorcida enquanto elemento político.
Em segundo lugar, ela ganha relevância falsa diante de todas outras variáveis que deveriam ser levadas em conta na escolha do projeto de país, na escolha do voto.  

"Vou votar no Aécio porque é muita roubalheira esse país e o PT está há muito tempo no poder, tem que variar um pouco". Essa assertiva guia muitas pessoas ao votar. Triste, mas é. Como um dos partidos mais corruptos do país, no caso o PSDB junto ao DEM como vimos acima, pode resolver "a roubalheira" ao retornar ao governo? A corrupção pode ser um tema nas eleições, mas não deve ser o único, acho até que as avaliações deveriam se perguntar, para além da corrupção que existe na máquina pública de todas esferas, o que foi feito nos últimos anos sobre essa e várias outras questões e o que diferencia os projetos em questão? Aí começaríamos a qualificar o voto. 

Outro mantra de senso comum que ganha relevo quando usado massivamente pela oposição de direita é o da alternância de poder. Herdeiros ideológicos dos EUA, a direita é bastante esperta ao relacionar democracia com alternância de governo. Esse conceito é básico da democracia liberal, e tem no bipartidarismo norte americanos a expressão mais caricata. Não vou ser ainda mais chato diferenciando do ponto de vista da ciência política a democracia liberal burguesa de uma democracia real, participativa e de alta intensidade como cunhou Boaventura de Souza Santos, democracia que honre sua etimologia. Trarei um parágrafo interessante escrito pelo cineasta Jorge Furtado em seu blog, que desconstrói o mantra "alternância no poder é bom”.

"Falso. O sentido da democracia não é a alternância no poder e sim a escolha, pela maioria, da melhor proposta de governo, levando-se em conta o conhecimento que o eleitor tem dos candidatos e seus grupo políticos, o que dizem pretender fazer e, principalmente, o que fizeram quando exerceram o poder. Ninguém pode defender seriamente a ideia de que seria boa a alternância entre a recessão e o desenvolvimento, entre o desemprego e a geração de empregos, entre o arrocho salarial e o aumento do poder aquisitivo da população, entre a distribuição e a concentração da riqueza. Se a alternância no poder fosse um valor em si não precisaria haver eleição e muito menos deveria haver a possibilidade de reeleição."

Interessante que a direita no Brasil, principalmente a paulista, não usa esse argumento para seu estado governado há 35 anos pelo mesmo grupo político, nem usa isso para as reeleições de Merkel na Alemanha. Mas no caso brasileiro, 12 anos de PT é muito, assim como as vitórias pelo voto de Ivo Morales na Bolívia e Rafael Correa no Equador são encaradas como quase ditaduras, puro lacerdismo.  A Bolívia cresceu economicamente, o Equador fez auditoria da dívida pública e recuperou capacidade de investimento, a Alemanha tem baixo grau de desemprego, esses fatores melhoram a vida das pessoas e elas optam por reeleger os projetos que promoveram isso, simples.

Prefiro fazer o debate político alargado, o governo petista não é o dos meus sonhos, não avançou em muitas demandas que considero importantes, não fez rupturas com setores da sociedade com quem se aliou para governar e que agora estão prestes a derrotá-lo. Porém, se pensarmos em todos indicadores sociais das diversas áreas que melhoraram quando comparados aos governos tucanos, pouca margem de dúvida fica de que Aécio só pode representar retrocesso. Aécio já anunciou como ministro da fazenda Armínio Fraga, que foi presidente do Banco Central em momentos terríveis para os trabalhadores e para os mais pobres, momentos de inflação alta, taxa de juros escandalosa que só enchia cofre de especulador e de desemprego acima dos 12%. Aécio quer com as mesmas receitas e o mesmo cozinheiro fazer outra comida? Como? Impossível. 

Os dados são cristalinos, o número de pessoas tendo acesso ao ensino superior, o aumento real do salário mínimo, as possibilidades de cursos técnicos, a expansão dos concursos públicos, o combate a miséria e a fome tem resultados mundialmente reconhecidos. Gostaríamos de estar muito além desse patamar, mas no fim de século passado as pessoas morriam de fome, muitas. E o principal para dignidade de uma pessoa? Emprego. O Brasil vive nesse instante seu menor índice de desemprego da história, 5%, é claro que é preciso qualificar o emprego e o salário, mas esse dado já seria razão de escolha fácil de voto nesse segundo turno, muito mais que a corrupção ou a alternância.

Poderia listar programas, medidas, ações, investimentos e avanços mil aqui, principalmente porque vivo na universidade mudanças históricas em todos aspectos, mas há algo mais eficaz do que isso. Nos fazermos as seguintes perguntas: Meus familiares tem emprego? Eu tenho acesso a coisas melhores, comida, roupas e bens? Meus amigos estão com condições mais seguras de vida? Eles tem oportunidade de estudar na universidade ou em um curso técnico? Consigo guardar mais dinheiro? Consigo viajar mais hoje? Os jovens podem ter experiências de estudo fora do país? Como estou sendo atendido em lugares públicos, era pior ou melhor? Essas comparações junto de uma avaliação de que valores humanos as candidaturas disponíveis representam são as ferramentas não mistificadas para escolher em quem votar, caso contrário, quando se parte de uma base frágil, superficial, incompleta, insegura e rasa, o resultado da escolha só pode ser parecido com sua origem, e então cairemos ao invés de seguirmos levantando, mesmo que aos poucos. 

Gregório Grisa


Obs: esse texto se refere estritamente ao segundo turno eleitoral, não há aqui nenhuma complacência com a estrutura desigual da sociedade e com o modelo político vigente que faz com que apenas essas duas opções de candidaturas financiadas pelos grandes grupos econômicos cheguem ao segundo turno. Até por isso não optei por nenhuma delas no primeiro turno. 

quarta-feira, outubro 15, 2014

Educação superior e as eleições



É consenso que um diploma de curso superior é fator determinante na ocupação de posições sociais prestigiadas. Portadores de tal grau de escolaridade usufruem de oportunidades de emprego e possibilidades de incremento da qualidade de vida significativamente maiores do que aqueles que não concluíram uma graduação ou curso técnico superior.

Constitucionalmente é responsabilidade do Estado garantir o ensino universitário e a formação de quadros profissionais necessários ao desenvolvimento, em países marcados por desigualdades socioeconômicas isso é fundamental. Como esse é um vetor importante no segundo turno, vale a pena fazer algumas comparações.

A União é responsável prioritariamente pela educação superior, os estados pelo nível médio, e municípios pelo ensino fundamental. Alguns estados participam da oferta de ensino superior com suas universidades estaduais, no nosso caso a Uergs foi criada em 2001, na gestão de Olívio Dutra. Essa instituição em 2010 tinha um orçamento de R$ 25 milhões, e em 2014 seu orçamento saltou para R$ 75 milhões. A Uergs tinha 116 professores em 2010, hoje tem 269, teve um aumento de 47% de alunos, concursos públicos foram feitos e se elaborou um plano de carreira atrativo. Isso é um avanço expressivo registrado nos últimos quatro anos.

No cenário nacional, desde 2003 foram criadas 16 novas universidades federais. Nos oito anos de governos do PSDB duas tiveram lei de criação promulgadas em 2002, mas saíram do papel somente mais tarde. Nesses doze últimos anos, foram criados o Prouni, o Reuni, o Enem e o Sisu, siglas que significam muitas coisas na vida dos jovens. Sem falar na conquista das cotas nas instituições federais e da brutal expansão dos Institutos Federais que vem ampliando a interiorização do acesso ao ensino superior no país. O financiamento e a titulação da pós-graduação deram um salto exponencial na última década, o investimento em bolsas de mestrado e doutorado, de intercâmbios e fomentos para pesquisa nunca foram tão expressivos. 

Esses elementos estruturais mostram que o Estado brasileiro ganhou robustez na oferta de educação superior, direito esse que nem sempre foi atendido a contento no Brasil. Por fim, se as diferenças extraídas dessas simples comparações são relevantes para o leitor, a escolha entre os projetos que se apresentam no RS e no Brasil fica facilitada. 

Há muito que se avançar, mas não há espaço para retrocessos. 

Gregório Grisa

quinta-feira, outubro 09, 2014

A Realidade dos Números da Administração Pública Federal e as Eleições

No intuito de dar continuidades as reflexões necessárias nessas eleições, acho que essa contribuição é fundamental para não cairmos em armadilhas discursivas que se apoiam na desinformação. Para conhecer os dados da administração pública federal e fazer comparações, vale a leitura da postagem abaixo. 
No texto em que falei sobre meu voto no segundo turno do Rs, acessível aqui, destaquei as diferentes concepções sobre o papel do Estado na sociedade, e esse post do professor Rogério Neiva em seu blog, que reproduzo, trata exatamente da diferença de quem pretende diminuir o Estado e de quem quer maior participação das esferas públicas.
Vale muito a leitura. Segue.

Neste momento próximo às eleições, nos quais muitos debates afloram e inverdades são veiculadas como verdades, as teses defensoras do Estado Mínimo procuram reforçar a defesa da necessidade de “enxugamento da máquina pública”, propagando discursos que tem de forma implícita ou explícita algumas idéias como:
  •  o servidor público consiste naquela figura indolente que busca estabilidade e tranqüilidade, ao invés de ser um trabalhador voltado ao atendimento das necessidades e demandas da população e garantia do funcionamento da Administração Pública;
  •  a Administração Pública está inchada há muitos “cabides de emprego” e cargos ocupados por não concursados;
  •  a solução para economia é cortar gastos com funcionalismo e reduzir Ministérios, ainda que sem defender explicitamente o desligamento de servidores;
  •  a Administração Pública Federal está aparelhada e ocupada por pessoas não concursadas;
  • e por aí vão outras ideias que repercutem os mesmo valores e modelo de gestão pública…
 Estes são apenas exemplos de colocações sem qualquer análise responsável ou fundada na realidade dos números.
Aqueles que buscam uma carreira pública por meio da aprovação em concurso ou os que já são servidores públicos, bem como os que não acreditam no Estado Mínimo e acreditam no fortalecimento do Estado e na visão de Estado do Bem Estar Social, devem estar atentos aos dados reais, procurando distinguir os comprometidos com o fortalecimento do Estado e valorização do serviço público dos comprometidos com o Estado Mínimo e, ao mesmo tempo, descomprometidos com a valorização dos servidores.
Para contribuir com a reflexão e esclarecer a realidade, fiz alguns levantamentos a partir do último Boletim Estatístico do MPOG e constatei dados interessantes.
Evitei tecer juízo de valor, para que cada um faça o seu.
Assim, vai abaixo algumas planilhas e tabelas, bem como constatações decorrentes dos números, sem juízo de valor ou adjetivação:
 Planilhas, números e constatações:
1- Ocupação de Cargos Públicos por Servidores Ativos:
servidores
- quando FHC assumiu havia 951.585 servidores e quando terminou os 08 anos de mandato este contingente era de 809.975, representando uma redução de 15%, o que confirma a tese de que reduziu postos de trabalho na Administração Pública;
- quando Lula assumiu havia os 809.975 servidores (deixados por FHC) e quando terminou os 08 anos de mandato este contingente era de 970.605, representando um aumento de 13%, o que confirma a tese de que ampliou os postos de trabalho na Administração Pública;
- quando Dilma assumiu havia os 970.605 servidores (deixados por Lula) e no final de 2013 este contingente era de 1.017.221, representando um aumento de 3%, o que significa que houve ampliação dos postos de trabalho na Administração Pública, porém em intensidade menor que Lula;
2- Concursos Públicos Realizados/Cargos Ocupados mediante Concurso Público: 
Dados MPOG-2014-02
- nos 08 anos de FHC foram ocupados 51.613 cargos mediante concurso público, sendo que nos 08 anos de Lula foram 155.533 e em 03 anos de Dilma foram 78.458. Portanto, o Governo Lula ocupou mais de 201% a mais cargos mediante concurso do que o Governo FHC, e o Governo Dilma, em 03 anos, ocupou mediante concurso público 52% a mais de cargos que o Governo FHC em 08 anos;
 3- A Realidade dos Cargos de Confiança: 
Dados MPOG-2014-03
Dados MPOG-2014-04
- de 1997 a 2002 o Governo FHC aumentou os cargos de direção e assessoramento em 4%. Nos 08 anos de Governo Lula este aumento foi de 19% e nos 03 anos de Governo Dilma o aumento de cargos de direção e assessoramento foi de 4%;
- ao final do Governo FHC os cargos de direção e assessoramento representavam 2,27% do total de cargos, sendo que no final do Governo Lula este percentual era 2,25% e no final de 2013 (3º ano de Governo Dilma) este percentual era de 2,23%;
- atualmente os cargos de direção e assessoramento correspondem a 22.729, o que consiste em 2,23% do total de cargos;
dos cargos de direção e assessoramento atuais, 74% são ocupados por servidores concursados e 26% por não concursados. Ou seja, a maioria dos cargos de livre nomeação e exoneração são ocupados por servidores públicos concursados (presumindo que 74% se enquadra no conceito de maioria);
os cargos públicos ocupados por não concursados correspondem a 0,60% do total de cargos públicos ocupados por servidores ativos (é isto mesmo, menos de 1%!).
Boa reflexão!

quarta-feira, outubro 08, 2014

Meu voto no segundo turno para governador do RS

Tarso Genro em conversa com o sociólogo português Boaventura de Souza Santos

Ciente do alcance limitado dos posts nas redes sociais, e de que nós, cada vez mais, vivemos em nossa "time line" uma reprodução aproximada do nosso pensamento, vou fazer algumas considerações do porquê apoio um voto crítico em Tarso Genro no segundo turno do Rio Grande do sul. Quero apresentar questões estruturais, programáticas e de base para qualificarmos o debate político e não nos apegarmos em provocações baratas, desesperos de campanha e em avaliações superficiais.

A escolha de governantes e de parlamentares não pode ser feita como um voto no "paredão do BBB" por empatias, estéticas e temperamentos. De ressaca eleitoral, porque os resultados do primeiro turno mostram que muitos transformam eleições em "reality show", é que os convido a pensar sobre o segundo turno gaúcho. 

O raciocínio que farei tem dois movimentos, o de justificar a opção por Tarso pelo que foi feito nos últimos quatro anos e o movimento de questionar a opção que se apresenta na candidatura de Sartori.

De antemão, cabe dizer que mantenho todas as críticas que fiz durante os últimos anos, aos limites do governo Tarso, em especial no que tange minha área de trabalho, a educação. Analisei longamente esses limites aqui, por exemplo, portanto, o texto que segue não exclui as ressalvas feitas e reiteradas sobre o governo Tarso, que poderia ter sido significativamente mais frutífero. 

Primeira diferença que vale destaque é de fundo político e ideológico. Tarso Genro representa um projeto que não defende a diminuição do Estado, isto é, as políticas sociais, a oferta de serviços e o atendimento às necessidades básicas são prioridades quando colocados na balança com a necessidade de ajuste fiscal, de "arrumar a casa", de conter gastos para "tirar o estado do vermelho" ou coisas do tipo. Por isso, Tarso não compreende ser um problema ter o estado endividado, desde que garanta mais investimentos e fortalecimento do que é público. Essa é uma visão social democrata, porque não ataca as razões do endividamento do estado, mas, ao menos, não é uma visão neoliberal e privatista. 

Iniciando o primeiro movimento que anunciei no terceiro parágrafo do texto, vamos as comparações e aos feitos reais. No governo Tarso Genro os servidores do estado de todas as áreas tiveram reajustes salarias maiores que nos governos Rigotto e Yeda. A Universidade Estadual do RS, onde me formei, foi esquecida por Rigotto e quase aniquilada por Yeda. Em 2010 a universidade tinha um orçamento de 25 milhões, e em 2014 seu orçamento saltou para 75 milhões. A UERGS tinha 116 professores em 2010, hoje tem 269, teve um aumento de 47% de alunos e foi feito concurso público atrativo e elaborou-se um plano de carreira de cargos e salários. Isso é um avanço expressivo. 

Com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do RS (Fapergs) ocorreu revitalização parecida, hoje os editais de fomento contemplam recursos infinitamente maiores que os de períodos anteriores. Parcerias com o Ministério da Educação e com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, impulsionaram as bolsas de pós-graduação e os investimentos, isso nunca tinha sido feito.

Por entender que o Estado deve ter relevância, o governo Tarso Genro promoveu concursos em quase todas as áreas da administração pública, coisa que não ocorria há bastante tempo. No magistério, área que Tarso não conseguiu lidar da melhor forma, como consta no texto com link mencionado acima, mesmo assim houve concursos e progressões funcionais há décadas atrasadas. Também se acelerou os pagamentos de Requisição de Pequeno Valor (RPV) e Precatórios frutos da famosa Lei Britto, lei que existe porque o ex-governo Antônio Britto, do PMDB de Sartori, suspendeu na época os reajustes salariais definidos por lei estadual para o funcionalismo.

Na gestão de Tarso foram atualizadas as regras do  Fundo Operação Empresa do Estado do Rio Grande do Sul (Fundopem/RS), que passou a levar em conta critérios para avaliação dos projetos como: a inserção da atividade da empresa solicitante dos benefícios na Política Industrial, o número de empregos, qualidade dos salários, o índice de desenvolvimento do município local do investimento e o impacto ambiental. Isso vem garantindo financiamento de um mínimo de 45% a 100% do ICMS incremental para cooperativas ou centrais de cooperativas de produtores rurais se instalarem.

O Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (IPERGS) digitalizou seus processos burocráticos, o que tem dado maior agilidades nos procedimento relacionados a saúde de média e alta complexidade para os beneficiários, vivi e tive na família casos que mostram isso. Há muito que se avançar, mas é esse foi um passo importante. Em 2013 em meio as demandas das manifestações, o governo Tarso propôs e implementou o Passe Livre Estudantil na região metropolitana, o que atinge um número significativo de jovens.

Segundo o Tribunal de Contas (TCU-RS), em 2013 foi a primeira vez que se garantiu 12% da receita líquida de impostos e transferências na saúde. Na história do Rio Grande do Sul nunca havia sido cumprida essa prerrogativa prevista no artigo 198 da Constituição Federal, nos governos anteriores o investimento não passava de 6% em saúde.

Do ponto de vista da economia, destaco dois aspectos, o salário mínimo regional e o PIB do estado estarem bem acima do da união e da inflação, apesar dos limites orçamentários do RS. A agricultura familiar ganhou novamente atenção nesse último governo, nos anteriores foi esquecida, Tarso, ainda que modestamente, enfrentou a máfia dos pedágios que se instaurou em governos do PMDB de Sartori, essa foi outra ação positiva no fortalecimento do Estado. 

O segundo movimento que justifica meu apoio crítico a Tarso Genro, é a falácia que compõe a candidatura alternativa. Mais uma vez o PMDB se apresenta ao RS sem dizer o que representa, com Rigotto foi o "coraçãozinho" paz e amor e agora é o "gringo que faz e meu partido é o RS". Ambas são construções de marketing muito bem sucedidas. Vale dizer que o PMDB gaúcho é multifacetado, há desde os lulistas até os tucanos, em grande medida a parte conservadora do PMDB cumpre no RS o papel que a direita do PSDB cumpre no país. 

Mas a realidade não se restringe a isso, para entendê-la precisamos voltar mais no tempo. Quem é Sartori que diz representar o novo na política?   

"Na verdade, Sartori é um antigo quadro dirigente do PMDB gaúcho, já governou o Estado várias vezes e é responsável por escolhas que se revelaram desastrosas para o Rio Grande do Sul, como a renegociação da dívida realizada pelo governo Antônio Britto, as privatizações de empresas públicas, planos de demissão voluntaria de servidores públicos e o modelo de pedágios adotado por este mesmo governo. Sartori também esteve no governo com Pedro Simon e Germano Rigotto e é co-responsável, entre outras coisas, pela gestão de José Otávio Germano (PP) na Secretaria de Segurança Pública."  Passagem de texto do blog Rs Urgente, do jornalista Marco Weissheimer.

Sartori repetidamente fala em ajustar as contas, em parar de endividar o estado, se apresenta como "bom gestor", mas não diz como fará tudo isso e manterá os investimentos que vem sendo feito do setor público, ainda que modestos. A apresentação do "gringo bonachão" que se da bem com todo mundo, que dialoga, que é amigável, pode ser boa para síndico de prédio ou para associação em clube esportivo. Infelizmente vejo muitas pessoas comentando que isso teria feito Sartori ter muitos votos, bom, me desculpem, mas quem votou por essa razão, se pauta por critérios medíocres para escolher seu candidato.

Nesse recente texto comentei o que significa esse discurso de "votar na pessoa e não no partido", analfabetismo político. Portanto, se aceita que a alienação produza esse voto, mas quem analisa um pouco mais tem de optar por projetos e não por carisma ou simpatia. Se fosse por isso realmente Tarso sairia perdendo, mas a questão não é essa, não queremos uma amigo afável que irá se aliar com a direita para governar, pois essa é prática política comum do PMDB, queremos estadistas que representem projetos minimamente progressistas.

Sartori afirma que endividamento não se resolve com mais endividamento, isso significa que vai cortar em algum lugar, que os investimentos irão estagnar, porque nos moldes orçamentários atuais ou se endivida mais, ou se faz uma auditoria da dívida, coisa que o PMDB nunca fará, em função dos macro interesses que a sigla defende e representa. Sartori fala em "governar para todos, alavancar as vocações regionais, apoiar as empresas e trabalhadores", isso não se faz com cortes, puro discurso generalista e vago.

Outro discurso vazio é o da moralidade, símbolo do protestantismo capitalista, se apresentar como indivíduo humilde, verdadeiro, "gringo trabalhador" é tática eleitoreira, o indivíduo não é espelho do projeto coletivo que representa, o PMDB estadual tem um projeto que já governou diretamente duas vezes com Britto e Rigotto, e indiretamente como apoiador e base de sustentação do último governo Yeda, de triste lembrança.

Por fim, o PMDB representa um projeto político mais privatista e neoliberal do que o de Tarso aqui no RS, isso significa retrocesso, o governo Britto foi o pior da história do estado e o governo Rigotto não registrou nenhum avanço, arrochou salários e cortou investimentos, vivi isso na UERGS com toda força, com a nomeação autoritária de reitor e a paralisação de vestibulares. 

Muitos erros foram cometidos nos últimos anos pela gestão de Tarso Genro, principalmente no que se refere ao relacionamento do governo com amplos setores da sociedade, certa prepotência foi diagnosticada em avaliações e posturas. Isso tem um preço alto do ponto de vista eleitoral, mas esses são temas para depois da eleição.

Nesse segundo turno, pensando na vida do funcionalismo público, e na vida das pessoas que mais precisam e não em projetos pessoas de ascensão política, ou em interesses particulares, não tenho dúvida que Tarso Genro é a melhor alternativa.  

Gregório Grisa












sexta-feira, outubro 03, 2014

O engodo do "voto na pessoa"



Ouço muita gente dizendo com orgulho "não voto em partido, voto na pessoa".

Desanimo, pra mim é como escutar, "os negros é que são racistas", "feminismo é exagero". 

Comparação esdrúxula a minha? É que se trata do mesmo sintoma, não compreensão de elementos estruturais da realidade e foco de modo míope no singular. 

Ingenuamente, muitos acham que um parlamentar ou gestor sozinho, por ser "de bom coração" ou sincero, irá colocar em prática suas bem intencionadas propostas. 

Isso não existe, os partidos tem estatutos, tem caciques, tem tendências ideológicas gerais, tem alianças e isso está acima da ação do indivíduo.

Um voto seu em alguém "legal" de um partido qualquer que não representa teu pensamento, vai eleger, talvez, o cara legal, mas com certeza vai eleger outros do partido dele, a eleição proporcional é assim. 

Votar em alguém cujo partido você não sabe se é de direita ou de esquerda, não sabe o que a sigla pensa sobre a questão econômica, a questão dos costumes, do papel do Estado, é o mesmo que votar no escuro, aleatoriamente. 

O voto "na pessoa" é fruto da despolitização que os formatos eleitorais da nossa democracia representativa tem produzido. 

O prudente e coerente é o contrário, votar em projetos, em partidos, em tendências ideológicas,  e dentro desse leque, em um candidato que represente suas escolhas. 

Me entristece ver as pessoas dizendo que políticos são todos iguais, que política é sinônimo de sujeira, mas me indigna ainda mais o orgulho com que muitos dizem isso, achando ser descolados, espertos e infalíveis. 

O pior analfabeto é o analfabeto político disse Bertolt Brecht, que atualidade.

"Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais."

Gregório Grisa