domingo, maio 24, 2015

Triangulação fantasiosa

A oposição ao PT, que ganhou força nas redes e nas ruas, por inúmeras razões coerentes e fundadas é distinta do antipetismo, cujas bases são presunções insensatas, preconceito de classe e devaneios anti-esquerdistas.

Trato aqui apenas do antipetismo, há uma triangulação naturalizada no debate político atual alimentada pelo antipestismo: esquerda, corrupção e autoritarismo. A esquerda, o “vermelho”, “os comunistas” são defensores de ditaduras, querem coibir a liberdade de expressão, e são os grandes protagonistas da corrupção. É a nova versão do mantra: “comunistas comem criancinhas” em que muitos ainda acreditam, principalmente em igrejas evangélicas charlatãs.

O antipetismo é a união da alienação com o ódio político, uma crença ingênua de que eliminando um partido ou o tirando do poder os problemas de corrupção e de gestão teriam fim. Que ótimo se fosse assim, mas não é. A derrocada política do PT e moral de alguns de seus filiados se deve, em grande medida, ao seu afastamento das bandeiras e condutas da esquerda. Foi a adaptação do PT às práticas e regras de um sistema historicamente controlado pela direita que o fez corrupto e não o contrário.

Vítor Teixeira
Quem controla a sociedade brasileira desde a colonização? A ordem política do nosso capitalismo tardio de economia dependente é comandada por quais seguimentos da sociedade? Por oligarquias agrárias, industriais, comerciais, midiáticas e financeiras, todas elas com traços essenciais do pensamento de direita em seu repertório político e cultural. Tanto é que mesmo com a chegada do PT ao governo tal hierarquia econômica não se alterou, nem no âmbito político, ou Joaquim Levy, Kátia Abreu e Gilberto Kassab, todos em ministérios estratégicos, são de esquerda?

Portanto, a triangulação falsa, feita em abundância na internet, entre esquerda, ditaduras e corrupção, criada com base na experiência de um partido (PT) ou de parte dele, é uma fábula do contrário. Isto é, em função de uma interpretação invertida do que representa hoje o PT se atribui a esquerda (mosaico de pensamento heterogêneo) práticas e condutas que sempre foram marcas da direita. O capitalismo é um modo de produção que divide a sociedade em classes, não foi o PT que inventou tal separação, as celeumas fulcrais dessa sociedade, como a corrupção e as desigualdades, são responsabilidade de quem é hegemônico no sistema capitalista desde sua gestação, ou seja, as classes dirigentes historicamente de direita e conservadoras.

Engendrar uma oposição séria e programática ao PT e ao seu saturado projeto de coalizão é necessário. O socialismo é uma eterna reinvenção, comparar experiências de outros países com outras culturas, geografias, climas, sistemas e histórias, a fim de buscar receituários é uma grosseria sociológica e perda de tempo. O Ecosocialismo é projeto de humanização e combate as desigualdades, preconceitos e injustiças sociais. Não há receita, é uma construção processual, histórica, tensionada, orgânica e espiral.

Conjugar liberdades (individuais e coletivas) com equidade social é o desafio do horizonte, por isso o socialismo é um projeto antagônico ao capitalismo defendido pelos liberais, há de se inventar uma organização social que supere a que vivemos; tão problemática, excludente e nociva para a imensa maioria da humanidade.

Sem a participação e contribuição dos povos originários e das camadas populares qualquer projeto societário, por mais bem intencionado que seja, morre de inanição, se torna obra de gabinete. Nosso desafio é fazer o encontro, traçar uma alternativa popular para o Brasil.

Gregório Grisa

sábado, maio 23, 2015

Quimeras de direita e desafios de esquerda

Vamos pensar...

Os cortes anunciados pelo governo de R$ 69,9 bilhões, que afetam todas as áreas e programas, inclusive a saúde e educação; o pacote de ajuste enviado ao Congresso que mexe no seguro desemprego, abono salarial e outros direitos; e os aumentos regulares dos juros através da elevação da taxa Selic configuram o estofo claro de um projeto econômico neoliberal, quem já leu um almanaque simples de economia ou ciência política sabe disso. 

Pintura de Tony Taylor - Líderes Mundiais 

Essas medidas constituem o núcleo do programa de governo apresentado por Aécio Neves na campanha, curiosamente o senador agora critica as medidas, puro oportunismo político. 

A fórmula clássica sugerida pelo FMI para sair da crise esta sendo adotada por Dilma, daí o elogio de Lagarde, presidente do fundo, ao governo do PT, a economista inclusive afirmou que fará propaganda do Brasil para investidores internacionais, incentivando esses a confiar e vir lucrar com nossas taxas de juros e especular com nossa moeda.

As receitas do FMI, bem como as do Banco Mundial, têm como base ideológica o Consenso de Washington (busca no Google) e a Escola de Chicago, de quem o ministro Levy é filho.  O Consenso e a Escola são defensores de medidas de ajuste macroeconômico, medidas de austeridade fiscal, de vertente liberal ou neoliberal na sua mais pura acepção. O PSDB durante a gestão FHC adotou essa cartilha disciplinadamente, as escandalosas privatizações do período foram os maiores sintomas dessa obediência. As concessões de estradas, portos, aeroportos e de infra-estrutura que Dilma fez e fará segue a mesma lógica, ainda que de forma mais branda. 

Medidas de austeridade e o receituário desses “órgãos internacionais” (controlados pelos EUA) não deram certo em lugar nenhum do mundo. O sul da Europa, a América Latina e África são exemplos disso, já os países escandinavos são exemplos ao revés, pois suas gestões públicas se baseiam em princípios opostos aos sugeridos pelo FMI. 

Se formos para o universo do nosso Legislativo, vivemos tempos de ascensão de uma farta pauta conservadora: terceirização, redução da maioridade penal, revogação do Estatuto do desarmamento, tentativa de votação de um homofóbico Estatuto da Família e outros retrocessos.  Tão trágico quanto é a reforma política gestada no Congresso, o Distritão (pesquise) é uma anti-reforma, traz perdas graves à democracia e irá envergonhar o Brasil diante do mundo em caso de aprovação do modelo que o presidente da Câmara e seu partido desejam.

Diante desse quadro, em que do ponto de vista do pensamento econômico a direita liberal está sendo plenamente atendida pelo governo em suas ações, e do ponto de vista dos valores e costumes a direita conservadora está plenamente atendida pela composição do congresso e pelos grandes meios de comunicação, há quem acredite que temos um governo “comunista”, que o PT e seus aliados, como o PcdoB, pretendem implantar um regime “comunista”. Como alguém pode pensar isso? Que grau de miopia política tem de se ter para não perceber tantas evidências contrárias?

Essas pessoas misticamente acreditam no nome fantasia dos partidos, como se acreditassem em fadas, como quem acredita em propaganda de comida saudável do Mcdonalds. Elas se tornam fundamentalistas, odeiam as pessoas do PT ou do PcdoB por aquilo que elas não são, enxergam fantasmas comunistas, exaltam experiências de outros países em comparações esdrúxulas com a realidade brasileira, relacionando-os com esses partidos. 

Sei que a direita esclarecida não sofre dessas alucinações que parcela dessa extrema direita sofre, que há uma parcela lúcida da classe dominante que sabe das suas vantagens obtidas através dos governos recentes, empresários e banqueiros doadores de campanha são bons exemplos. Mas boa parte da elite do nosso país carece de formação política básica, instrução que cursos superiores das carreiras liberais tradicionais e de mercado não oferecem. Tal formação iria inclusive qualificar o debate sobre ser de esquerda e ser de direita, e iria prevenir que muitos jovens se exponham bradando teses absurdas, opiniões desprovidas de lógica, se organizando em grupos de promoção do ódio, de mentira e de calúnia. Contrastar a realidade dos fatos com alguns livros clássicos da sociologia iria proteger as pessoas da insensatez, da reprodução de chavões simplórios, de preconceitos anti-esquerdistas difundidos, enfim, protegeria da alienação.

A esquerda, que pensa outros preceitos econômicos, outras pautas valorativas e de costumes está longe do poder político, é sub-representada no parlamento e não representada na mídia. Tanto é que a crise do PT passa por ter se distanciado dos princípios básicos da esquerda, por ter aderido, junto aos aliados, a práticas políticas fisiológicas, corruptas e atrasadas. Tenho repetido, o PT não representa mais a esquerda, mas o antipetismo, sentimento difuso e sem embasamento que produz ódio e violência, representa um ataque a esquerda em geral, pois seus promotores imaginam atacá-la atacando o PT, ente objeto de fantasia anti-esquerdista. 

Muitas pessoas dentro dos partidos citados podem ser de esquerda, mas as agremiações e suas práticas não são. Vivemos um momento de transição, de reconfiguração de forças políticas. As esquerdas devem buscar uma unidade orgânica, está perdendo a disputa pela compreensão da realidade, A esquerda tem de apresentar alternativas ao projeto de desenvolvimento que vigora, alternativas criativas e ousadas para superar as crises cíclicas do capitalismo. Alternativas coletivas que fujam do corolário neoconservador e liberal apresentado como científico e inevitável. Com isso os que fantasiam e temem grandes transformações na sociedade propostos pela esquerda terão motivos para seus delírios e devaneios. 

Gregório Grisa

sexta-feira, maio 08, 2015

Menores infratores ou bancada da bala, quem são os irrecuperáveis?

Jovens menores de idade que cometam algum delito, relacionado ao tráfico como são os mais comuns, teriam grandes chances de reabilitação caso o Estatuto da Criança e do Adolescente fosse realmente aplicado em todas suas dimensões: cultural, educacional, profissional e socioeconômica.

Se o conjunto de bens materiais e culturais necessários para o exercício da cidadania que é negado a esses jovens passasse a fazer parte das suas vidas, a probabilidade de recuperação desses seres em formação seria altíssima. "Regenerar" esses adolescentes é uma tarefa pedagógica factível caso as condições para tal sejam desenvolvidas pelo Estado.

Of Rage and Redemption: Oswaldo Guayasamín
Por outro lado, quando falamos dos deputados da chamada "bancada da bala", aqueles que propõe a redução da maioridade penal e a revisão do estatuto do desarmamento, temos uma situação diferente da dos jovens em termos da possibilidade de "regeneração". Deputados que tratam mulheres como objetos apresentam um impeditivo ético à recuperação bem mais difícil de superar que o impeditivo social dos jovens infratores.Vejam as falas dos deputados Alberto Fraga (DEM-DF) e Jair Bolsonaro (PP-RJ): "quem bate como homem tem que apanhar como homem", "não te estupro porque tu não mereces" agredindo em plenário Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Maria do Rosário (PT-RS) respectivamente.

Os deputados da bancada da bala acreditam que ampliar o acesso as armas e encarcerar crianças em "escolas do crime" (cadeias) são as medidas mais eficazes para combater o crime no Brasil. Reparem o disparate, a agressão à lógica que produz esse tacanho raciocínio, usar da violência para dar fim a violência, estúpido.
Esses deputados são sujeitos já formados, adultos cujos valores já estão cristalizados em suas personalidades. Esses valores são alicerçados em três matrizes principais: o machismo/patriarcado, o racismo/preconceito e o moralismo/elitismo. Com essas raízes em suas crenças, tais deputados pautam suas práticas no que há de mais conservador e anti-democrático em nossa sociedade: ter na lógica militarizada e belicista a resolução unilateral de problemas sociais complexos e dinâmicos.

Para além do fundamentalismo homofóbico da bancada evangélica e da ganância antiecológica da bancada ruralista, os deputados da bancada da bala carregam essas características e agregam o ingrediente que os marca, a postura fascista. Diante desse diagnóstico, me dou a liberdade de dizer que as chances de humanização, recuperação, regeneração desses deputados são muito menores do que as chances de reabilitação dos jovens infratores.

Em função da solidez de valores deletério que caracterizam a bancada da bala, das condutas observadas nas práticas de tais deputados, é possível dizer que se tratam de casos perdidos. Esses sujeitos constituem o que de pior a humanidade conseguiu produzir até hoje, detêm a postura e os pensamentos mais atrasados e perigosos para uma sociedade que deseja qualificar a democracia, exercitar cidadania e respeitar direitos humanos.

Ao propor que jovens menores de idade sejam presos, esses deputados pretendem impedir qualquer chance de regeneração e humanização desses sujeitos, pretendem negar mais um dos inúmeros direitos já negadas aos adolescentes. Freud teria gostado de analisar as personalidades da bancada da bala, seus afãs inconscientes de punir e negar o direito de reabilitação. Penso que no fundo os irrecuperáveis são aqueles que desrespeitam as mulheres e sentem prazer em ver sangue de jovens, na maioria negros, mortos entre si ou pelos aparelhos repressivos, haja vista o lema que adotam, "bandido bom é bandido morto".

Gregório Grisa

terça-feira, maio 05, 2015

Encruzilhada dos petistas

O PT tem mais de um milhão e meio de filiados (1.590.304). Em termos estatísticos (quantidade literal de pessoas) é o partido brasileiro com maior número de filiados progressistas, honrados, utópicos, trabalhadores, esclarecidos e honestos. Veja bem, em quantidade. Esses filiados vivem uma grande encruzilhada política. Estar em um partido com história, mas que vive seu fim. Esse fim não se deve a esses filiados, mas ao distanciamento que a máquina (zona em que oportunistas acenderam) e a cúpula partidária desenvolveu desses filiados, da "base".


Os analfabetos políticos das panelas e camisas da seleção não entendem isso, eles generalizam, rotulam e distorcem. Eles não fazem panelaço contra a maioria de indiciados na Lava-Jato do PP e do PMDB, contra a Operação Zelotes, contra a sonegação do HSBC, nem contra o governador do PSDB que mandou dar tiro e colocar cachorros em professores, por exemplo.
Os inúmeros filiados sérios do PT pagam por um crime que não cometeram, boa parte deles insistem em uma defesa romântica do partido, quase folclórica. Todavia, aqueles que nutrem esperança por uma saída de esquerda para o Brasil, já entenderam que o PT, no conjunto da complexa obra, representa mais os interesses do grande capital do que dos trabalhadores, infelizmente.
A política econômica e os ajustes estão aí para provar empiricamente isso. A questão é que entre entender e tomar uma atitude que saia da zona de conforto há uma distância. Uma tendência (grupo interno) importante do PT deixou o partido há algumas semanas, alternativas de esquerda estão se organizando no país, partidos e movimentos vão se consolidando ampliando as opções.
Defender que esses filiados deixem o PT, como estou fazendo, não significa aceitar calado o exclusivo e orquestrado ataque que a sigla sofre das elites da comunicação e setores do judiciário. O antipetismo é um movimento contra toda e qualquer esquerda por isso deve ser combatido ideologicamente, mas isso não significa defender o PT, essa simples distinção é importante.
Muitas bandeiras do PT são importantes para a democracia, a maioria, o problema é que as mais avançadas não passam de retórica progressista, tais bandeiras estão sendo rasgadas na prática pelas alianças políticas e métodos adotados. As bandeiras de cunho moral e de reforma política esbarram no pacote de ajuste encaminhado ao congresso e na política estrutural de juros elevados que daria inveja a qualquer filiado do PDSB, inclusive aquele que se manifesta batendo panela em altos prédios sem o menor senso do ridículo.

Gregório Grisa

Colunista, vá dormir!

Texto escrito em resposta as afirmações feitas pelo articulista da Veja no artigo "Professores, acordem!"

Alexandre Silva Virginio (1)

O  colunista  da  revista  Veja,  Gustavo  Ioschpe,  manifestou  sua  visão  de quem  são  os responsáveis pelas mazelas da educação nacional: os professores. Vale -se, para tanto, de um conjunto  de  ilações  que,  em realidade,  culpabiliza  a  vítima,  ainda  que  sua intenção  seja combater  o que ele  chama  de  ‘vitimização  dos  professores’.  Para  ele, a  luta  por melhores salários  dos  professores  é  ilegítima  pois  que  o  que  oferecem  à sociedade é  um  ensino responsável por nossos inexpressivos indicadores educacionais. Mesmo os 10% do PIB para a educação, segundo Gustavo, não resultará em qualquer melhoria. Para ele, segundo seu artigo, a  educação  de qualidade depende  das  competências,  habilidades  e  destrezas  do professor. 





Somente depois de comprovar seus predicados como educador poderiam os professores, aliás, muito ‘gananciosos’ destaca o colunista, reivindicar ‘um contracheque mais gordo’. Seus argumentos, em verdade,  encontram paralelo no governador do Paraná, Beto Richa, que culpou os professores pela violência policial. 

O que esta perspectiva revela,  ademais,  é uma total  ignorância  em relação aos  fatores  intervenientes  nos processos educacionais. Responsabilizar unicamente os professores pelo sucesso escolar da nação é desconhecer que a qualidade  da  educação,  além  de professores bem  formados,  motivados  e dignamente remunerados requer atentar para as condições  institucionais e para a  natureza dos contextos sociais  que  atende.  Demanda,  ainda  que  não unicamente,  escolas  com  espaços  adequados, equipadas,  equipes  de  apoio atuantes  e  um  projeto  eco-político-pedagógico  discutido  e apropriado pela comunidade escolar. Não obstante, parece que o economista esquece que não universalizamos o acesso à educação básica. Ainda temos, por exemplo, mais de 8 milhões de crianças de 0 à 3 anos sem acesso à educação infantil. 

O que dizer então da demanda referente ao ensino médio. De acordo com os dados mais recentes, são quase 2 milhões de jovens entre 15 e 17 anos que não estudam. Então colocar estes  jovens na escola não demanda recursos? 
Isto  sugere,  para  aqueles  com  um  mínimo  de  bom  senso,  que  as políticas  d e  educação requerem  recursos muito mais substantivos do que os atuais.

Além disso, as interpretações do referido autor revela total inobservância  do que as ciências sociais, especialmente a sociologia da educação, tem aportado à compreensão dos fenômenos educacionais.  Como  não reconhecer  os  efeitos da  pobreza,  do  desemprego,  das  doenças,  da falta  de  saneamento  básico, das  crises  da  família,  da  insolvência  de  recursos  financeiros  no cotidiano das famílias e que repercutem nas disposições e no conteúdo do capital cultural que a  criança  leva  para  a  escola?  Já  não  é  novidade  a violência  simbólica que  a  escola  pratica quando,  através  de  um  arbitrário cultural,  assume elementos  da  cultura  dominante  atrás  da imagem da cultura universal. Indo além, muito das dificuldades das relações entre professores e  alunos  decorrem das  lentas  mutações  da  modernidade. Dentre  elas,  destaque-se as exigências colocadas às escolas pela diversidade cultural, pelo utilitarismo do mercado, pela relativização dos valores ou pelo significado das novas tecnologias, sem esquecer é claro, das implicações pouco educacionais da grande  mídia.

Ao  associar  a  qualidade  da  educação  ao  desempenho  dos  professores  o articulista  deveria reconhecer  que  mais  de  80%  dos  mesmos  são formados em  universidades  privadas  e  cuja qualidade  do  que oferecem  deveria  ser objeto  de  um  olhar  mais  atento  da  sociedade. Aliás, estudos  da  Fundação Getúlio  Vargas  tem  destacado  o  caráter  insípido  e abstrato, portanto distante  das  realidades  escolares,  dos  currículos  de formação  dos professores.  

Não  bastasse isto,  a  questão  salarial  não  pode ser negligenciada.  De  um lado,  porque  não  conseguimos atrair  os  jovens para a  profissão, desaguando  na  atual  carência  de  professores  em  todas as áreas. Por outro lado, como esperar dos atuais professores melhor desempenho e um diálogo qualificado com a comunidade escolar se não dispõem de tempo, nem de recursos, para sua qualificação e/ou aprofundamento de sua relação com o mundo da cultura?

Não considerar as variáveis acima destacadas é, em nosso juízo, reforçar a injustiça cometida contra aqueles que já vem, por décadas, sendo injustiçados. Em síntese, restringir a conquista da  qualidade  da  educação  ao  trabalho  das instituições  escolares,  é  não  reconhecer  que  o currículo  escolar  está condicionado  pelas  diferenças  psicoculturais  e  pelas desigualdades socioeconômicas.  

A  cabeça  do  colunista  atende  a  lógica  de transferir  unicamente  para o indivíduo  a  responsabilidade  por  sua trajetória social  e  profissional esquecendo,  mais  ou menos conscientemente, as implicações que o sistema social tem sobre as mesmas. Em suma, trata-se  de visão  obtusa,  muito própria  dos  que  exaltam  o  valor  da  educação   para o desenvolvimento  da nação,  à  semelhança  de  Gustavo,  mas  que  insistem em  ver  o sistema educacional como  imaculado de influências sociais. Pior de tudo é que tal perspectiva pode servir  para  legitimar  a  ‘violência’  dos  já indignos salários  ou,  até  mes mo,  os  atuais  atos  de violência  praticados contra  os educadores  da  nação.  Diante  desta  possibilidade,  o  colunista 
faria melhor se fosse dormir ao invés de escrever.

(1) Doutor  em  Sociologia/UFRGS;  Professor  do  Depto.  de  Sociologia/UFRGS; Colaborador  externo  do Grupo de Investigação de Pedagogia Social e Educação Ambiental da Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Santiago de Compostela  –  Galicia/Espanha e da Ong Povoacão: Educação Cidadã.

Contato email: alexvirginio@uol.com.br