sábado, maio 23, 2015

Quimeras de direita e desafios de esquerda

Vamos pensar...

Os cortes anunciados pelo governo de R$ 69,9 bilhões, que afetam todas as áreas e programas, inclusive a saúde e educação; o pacote de ajuste enviado ao Congresso que mexe no seguro desemprego, abono salarial e outros direitos; e os aumentos regulares dos juros através da elevação da taxa Selic configuram o estofo claro de um projeto econômico neoliberal, quem já leu um almanaque simples de economia ou ciência política sabe disso. 

Pintura de Tony Taylor - Líderes Mundiais 

Essas medidas constituem o núcleo do programa de governo apresentado por Aécio Neves na campanha, curiosamente o senador agora critica as medidas, puro oportunismo político. 

A fórmula clássica sugerida pelo FMI para sair da crise esta sendo adotada por Dilma, daí o elogio de Lagarde, presidente do fundo, ao governo do PT, a economista inclusive afirmou que fará propaganda do Brasil para investidores internacionais, incentivando esses a confiar e vir lucrar com nossas taxas de juros e especular com nossa moeda.

As receitas do FMI, bem como as do Banco Mundial, têm como base ideológica o Consenso de Washington (busca no Google) e a Escola de Chicago, de quem o ministro Levy é filho.  O Consenso e a Escola são defensores de medidas de ajuste macroeconômico, medidas de austeridade fiscal, de vertente liberal ou neoliberal na sua mais pura acepção. O PSDB durante a gestão FHC adotou essa cartilha disciplinadamente, as escandalosas privatizações do período foram os maiores sintomas dessa obediência. As concessões de estradas, portos, aeroportos e de infra-estrutura que Dilma fez e fará segue a mesma lógica, ainda que de forma mais branda. 

Medidas de austeridade e o receituário desses “órgãos internacionais” (controlados pelos EUA) não deram certo em lugar nenhum do mundo. O sul da Europa, a América Latina e África são exemplos disso, já os países escandinavos são exemplos ao revés, pois suas gestões públicas se baseiam em princípios opostos aos sugeridos pelo FMI. 

Se formos para o universo do nosso Legislativo, vivemos tempos de ascensão de uma farta pauta conservadora: terceirização, redução da maioridade penal, revogação do Estatuto do desarmamento, tentativa de votação de um homofóbico Estatuto da Família e outros retrocessos.  Tão trágico quanto é a reforma política gestada no Congresso, o Distritão (pesquise) é uma anti-reforma, traz perdas graves à democracia e irá envergonhar o Brasil diante do mundo em caso de aprovação do modelo que o presidente da Câmara e seu partido desejam.

Diante desse quadro, em que do ponto de vista do pensamento econômico a direita liberal está sendo plenamente atendida pelo governo em suas ações, e do ponto de vista dos valores e costumes a direita conservadora está plenamente atendida pela composição do congresso e pelos grandes meios de comunicação, há quem acredite que temos um governo “comunista”, que o PT e seus aliados, como o PcdoB, pretendem implantar um regime “comunista”. Como alguém pode pensar isso? Que grau de miopia política tem de se ter para não perceber tantas evidências contrárias?

Essas pessoas misticamente acreditam no nome fantasia dos partidos, como se acreditassem em fadas, como quem acredita em propaganda de comida saudável do Mcdonalds. Elas se tornam fundamentalistas, odeiam as pessoas do PT ou do PcdoB por aquilo que elas não são, enxergam fantasmas comunistas, exaltam experiências de outros países em comparações esdrúxulas com a realidade brasileira, relacionando-os com esses partidos. 

Sei que a direita esclarecida não sofre dessas alucinações que parcela dessa extrema direita sofre, que há uma parcela lúcida da classe dominante que sabe das suas vantagens obtidas através dos governos recentes, empresários e banqueiros doadores de campanha são bons exemplos. Mas boa parte da elite do nosso país carece de formação política básica, instrução que cursos superiores das carreiras liberais tradicionais e de mercado não oferecem. Tal formação iria inclusive qualificar o debate sobre ser de esquerda e ser de direita, e iria prevenir que muitos jovens se exponham bradando teses absurdas, opiniões desprovidas de lógica, se organizando em grupos de promoção do ódio, de mentira e de calúnia. Contrastar a realidade dos fatos com alguns livros clássicos da sociologia iria proteger as pessoas da insensatez, da reprodução de chavões simplórios, de preconceitos anti-esquerdistas difundidos, enfim, protegeria da alienação.

A esquerda, que pensa outros preceitos econômicos, outras pautas valorativas e de costumes está longe do poder político, é sub-representada no parlamento e não representada na mídia. Tanto é que a crise do PT passa por ter se distanciado dos princípios básicos da esquerda, por ter aderido, junto aos aliados, a práticas políticas fisiológicas, corruptas e atrasadas. Tenho repetido, o PT não representa mais a esquerda, mas o antipetismo, sentimento difuso e sem embasamento que produz ódio e violência, representa um ataque a esquerda em geral, pois seus promotores imaginam atacá-la atacando o PT, ente objeto de fantasia anti-esquerdista. 

Muitas pessoas dentro dos partidos citados podem ser de esquerda, mas as agremiações e suas práticas não são. Vivemos um momento de transição, de reconfiguração de forças políticas. As esquerdas devem buscar uma unidade orgânica, está perdendo a disputa pela compreensão da realidade, A esquerda tem de apresentar alternativas ao projeto de desenvolvimento que vigora, alternativas criativas e ousadas para superar as crises cíclicas do capitalismo. Alternativas coletivas que fujam do corolário neoconservador e liberal apresentado como científico e inevitável. Com isso os que fantasiam e temem grandes transformações na sociedade propostos pela esquerda terão motivos para seus delírios e devaneios. 

Gregório Grisa

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