segunda-feira, outubro 29, 2012

Somos

Sou mesmo é de chinelo,
comendo amendoim
to bem mesmo
de barba mal feita
correndo no capim

Te vejo mesmo é dormindo
e hipnotizada a olhar pra o nada
nos mostramos mesmo
é na curiosidade mórbida
e na emoção apressada

Sou mesmo é no banho
ou contando carneirinhos
me mostro mesmo é
com o tempo
do conhecer devagarinho


Gregório Grisa


sexta-feira, outubro 26, 2012

Sangue da Terra

Esse acontecido com os guaranis kaiowás, indígenas no Mato Grosso do Sul, ocorreu bem na semana que estava lendo um texto do Boaventura de Souza Santos em que, por ventura, ele narra uma história de índios colombianos que se mataram coletivamente no século XVII contra a colonização espanhola e que, recentemente, ameaçaram fazê-lo novamente porque empresas multinacionais queriam extrair petróleo de suas terras de origem. Esses índios, os u'was, acreditam que o petróleo é o sangue da terra e a terra é a mãe deles, então preferiam morrer à ver secarem as veias da mãe. 
O capitalismo chega a estágios tal de crueldade e desumanidade que fica simples compreender duas coisas básicas: 

1 - o grau elevado de indiferença e anestesia que o consumo e o individualismo produzem em boa parte das pessoas;
2 - o porque as pessoas que criticam o sistema, os inquietos e indignados do mundo, seja socialista, comunista, anarquista, humanista, pacifista ou nenhum "ista", são sujeitos mais felizes, mais confortáveis com suas dignidades e consciência. 

Tá! Eu sei que é arriscado dizer isso, mas eu sinto isso e quero me perder no mundo das generalizações. Me desculpem as pessoas que buscam lucro a vida inteira, ter luxo, ter bens. Os empreendedores, os empresários e executivos, os amantes do dinheiro, da ostentação, do business. Não consigo ver nem sentir felicidade em vocês.
Mas eles usufruem das melhores coisas da vida e tem tudo que querem, como não são felizes? Pense nas pessoas próximas a esse perfil que você conhece, que substância tem a vida feliz delas?  
Creio que a vida necessita de um sentido maior e com todo respeito não vejo na posse e no lucro exagerado um sentido digno. Não porque essas pessoas sejam más e desinteressantes, mas porque esse sentido produz toda desigualdade e tristezas sociais e ambientais conhecidas. 
Convivo com pessoas sonhadoras, socialistas, comunistas, democratas e humanistas, que por vezes passam algum tipo de dificuldade material na vida, mas que me passam a sensação de que amam a vida por seus compromissos com os outros e são sustancialmente felizes por isso. Se mostram envolvidos não em projetos pessoais, de carreira, de negócios, mas em projetos coletivos de transformar a realidade tão dura  e desrespeitosa para as maiorias. 
Há humanidades e lealdades que não se compram, há afetos que afetam mais que a obtenção de um bem, há consciências que teimam e não se deixam seduzir por vaidades. Não se trata aqui de não viver os prazeres da vida moderna, de não usufruir dos bens que proporcionam qualidade de vida, mas de ter horizonte maior que isso e de não se contentar só com seu bem-estar. 
Em poucos lugares me senti tão bem como junto de pessoas que nem conhecia, mas que davam aulas para crianças em acampamentos de chão batido e lutavam pela terra. Assim como quando converso com cotistas negros que são os primeiros membros de sua família a fazer ensino superior.  
Prefiro o transbordar das intenções ao transbordar da conta bancária, sou mais da indignação do que da acomodação, viver é um constante se testar, uma infinita busca por coerência. Oscar Niemeyer costuma dizer que vai morrer comunista, muitos o farão, porque o mundo não os deixa outra escolha, e diz isso sem querer saber se você que ta lendo sabe o que significa mesmo ser comunista ou não. Talvez agente saiba só aquilo que nos vendem e como compramos esteriótipos facilmente hoje. 
Há compromissos éticos fundamentais que a ignorância e a ganância não permitem que muitas pessoas desenvolvam. É incompatível com o modo que vivemos o respeito para com a poética de uma tribo que entende o petróleo como o sangue da terra, porque temos que consumi-lo e alguém tem de lucrar com ele. É incompatível com o capitalismo o desenvolvimento de relações mais humanas porque ele depende e se alimenta do sofrimento e da alienação de parte significativa das pessoas. Trata-se de um sistema que engessa o viver, pois não conseguimos estar fora dele hoje, mas não engessa meu pensar e imaginar que é e seguirá sendo anti-capitalista. 

quarta-feira, outubro 24, 2012

OS INFELIZES CÁLCULOS DA FELICIDADE


O homem da história é chamado Julio Novesfora. Noutras falas o mestre Novesfora. Homem bastante matemático, vivendo na quantidade exata  morando sempre no acertado lugar. O mundo, para ele, estava posto em equação de infinito grau. Qualquer situação lhe algebrava o pensamento. Integrais, derivadas, matrizes para tudo existia a devida fórmula. A maior parte das vezes mesmo ele nem incomodava os neurônios:
- É conta que se faz sem cabeça.
Doseava o coração em aplicações regradas, reduzida a paixão ao seu equivalente numérico. Amores, mulheres, filhos tudo isso era hipótese nula. O sentimento, dizia ele, não tem logaritmo. Por isso, nem se justifica a sua equação. Desde menino se abstivera de afetos  Do ponto de vista da álgebra  dizia, a ternura é um absurdo. Como o zero negativo. Vocês vejam, dizia ele aos alunos a erva não se enerva, mesmo sabendo-se acabada em ruminagem de boi. E a cobra morde sem ódio. É só o justo praticar da dentadura injetável dela. Na natureza não se concebe sentimento. Assim, a vida prosseguia e Julio Novesfora era nela um aguarda-factos. Certa vez, porém, o mestre se apaixonou por uma aluna, menina de incorreta idade, toda a gente advertia essa menina é mais que nova, não dá para si.
- Faça as contas mestre.
Mas o mestre já perdera o calculo. Desvalessem os razoáveis conselhos. Ainda mais grave ele perdia o matemático tino. Já nem sabia o abecedário dos números. Seu pensamento perdia as limpezas da lógica. Dizia coisas sem pés. Parecia, naquele caso, se confirmar o lema quanto mais sexo menos nexo. Agora, a razão vinha tarde de mais. O mestre já tinha traçado a hipotenusa à menina. Em folgas e folguedos, Julio Novesfora se afastava dos rigores da geometria. O oito deitado é um infinito. E, assim, o professor ataratonto, relembrava:
- A paixão é o mundo a dividir por zero.
Não questionassem era aquela a sua paixão. Aquilo era um amor idimensional, desses para os quais nem tanto há mar, nem tanto há guerra. Chamaram um seu tio, único familiar que parecia merecer-lhe as autoritárias confianças. O tio lhe aplicou muita sabedoria, doutrinas de por facto e roubar argumento. Mas o matemático resistia:
- Se reparar, tio, é a primeira vez que estou a viver.
Corolariamente, é natural que cometa erros.
- Mas, sobrinho, você sempre foi de calculo. Faça agora contas à sua vida.
- Essa conta tio, não se faz de cabeça. Faz-se de coração.
O professor demonstrava seu axioma, a irresolúvel paixão pela desidosa menina. Tinha experimentado a fruta nessa altura que o Verão ainda está trabalhando nos açucares da polpa. E de tão regalado, arregalava os olhos. Estava com a cabeça lotada daquela arrebitada menina. O tio ainda desfilou avisos não vislumbrava ele o perigo de um desfecho desilusionista? Não sabia ele que toda a mulher saborosa é dissaborosa? Que o amor é falso como um tecto. Cautela, sobrinho, olho por olho, dente prudente. Novesfora, porém, se renitentava, inoxidável  E o tio foi dali para a sua vida. Os namoros prosseguiram. O mestre levava a menina para a margem do mar onde os coqueiros se vergavam, rumorosos, dando um fingimento de frescura.
- Para bem amar não há como ao pé do mar, ditava ele.
A menina só respondia coisas simples, singelices. Que ela gostava do Verão. 
- Do Inverno gosto é para chorar. As lágrimas, no frio, me saem grossas, cheiinhas de água.
A menina falava e o mestre Novesfora ia passeando as mãos pelo corpo dela, mais aplicado que cego lendo braille.
- Vai falando, não pare ­ pedia ele enquanto divertia os dedos pelas secretas humidades da menina. Gostava dessa fingida distração dela, seus atos lhe pareciam menos pecaminosos. Os transeuntes passavam, deitando culpas no velho professor. Aquilo é idade para nenhumas-vergonhas? Outros faziam graça:
- Sexagenário ou sexogenário?
O mestre se desimportava. Recolhia a lição do embondeiro que é grande mas não dá sombra nenhuma. Vontade de festejar deve eclodir antes de acabar o baile. Tanto tempo decorrera em sua vida e tão pouco tempo tivera para viver. Tudo estando ao alcance da felicidade porque motivo se usufruem tão poucas alegrias? Mas o sapo não sonha com charco se alaga nele. E agora que ele tinha a mão na moça é que iria parar? Uma noite, estando ela em seu leito, estranhos receios invadiram o professor essa menina vai fugir, desaparecida como o arco-íris nas traeiras da chuva. Afinal, os outros bem tinham razão chega sempre o momento em que o amendoim se separa da casca. Novesfora nem chegou de entrar no sono, tal lhe doeram as suspeitas do desfecho. Passaram-se os dias. Até que, certa vez, sob a sombra de um coqueiro, se escutaram os acordes de um lamentochão. O professor carpia as já previsíveis mágoas? Foram a ver, munidos de consolos. Encontraram não o professor mas a menina derramada em pranto, mais triste que cego sentado em miradouro. Se aproximaram, lhe tocaram o ombro. O que passara, então? Onde estava o mestre?
- Ele foi, partiu com outra.
Resposta espantável afinal, o professor é que se fora, no embora, sem remédio. E partira como? Se ainda ontem ele aplicava a ventosa naquele lugar? A ditosa namorada respondeu que ele se fora com outra, extranumerária. E que esta seria ainda muito mais nova, estreável como uma manhã de Domingo. Provado o doce do fruto do verde se quer é o sabor da flor. Enquanto a lagrimosa encharcava réstias de palavras os presentes se foram afastando. Se descuidavam do caso, deixando a menina sob a sombra do coqueiro, solitária e sozinha, no cenário de sua imprevista tristeza. Era Inverno, estação preferida por suas lágrimas.

Mia Couto in: Estórias Abensonhadas 

terça-feira, outubro 23, 2012

Da recepção

São doze doses
que adoçam a vida;
oxigênio respira
pelas gêmeas narinas
o cheiro tenro
do tempero.

A pele cede
arrepia enruga
tato barato, rápido;
atrito que soa
canção do chão
som bom, São João.

A íris vê o arco
visão do colorido
a terra, casa do lírio,
tem sede e tom escuro
prata do anel
reflete, Saturno.

Sentidos são vias
os elementos vida
encharcam o peito,
fenômenos naturais
além gramaticais, vão
sem sujeitos na oração!

Gregório Grisa (Título de Aline Lopes)

quarta-feira, outubro 17, 2012

A lei das cotas

Publicado no Correio do Povo de 19/10/2012

A Lei nº 12.711, que criou as Cotas nas universidades federais, regulamentada pelo Decreto nº 7.824, publicado no dia 15 de outubro último no Diário Oficial da União, inaugura nova fase no ensino superior público brasileiro. É uma lei que pretende universalizar uma política afirmativa que tem caráter específico. O desafio será gigantesco.
A lei busca atacar diversos problemas: diferença de qualidade de ensino, racismo, desigualdade econômica, de uma só vez. Para se tornar lei nacional, teve de ganhar esse formato mais abrangente, mas ela carrega aspectos anacrônicos que cada universidade terá de ter criatividade e capacidade de gestão para resolver ao seu modo.
As cotas raciais, por si só, demanda histórica do movimento negro, irão desaparecer nas federais em quatro anos, por outro lado, valorizam-se os estudantes do ensino médio das escolas públicas, que são 88% dos matriculados no país. O critério de renda abre um precedente significativo para fraudes e triplica o trabalho institucional na seleção, mas ataca a exclusão histórica desses jovens do ensino superior. Atender esse critério de renda nas universidades federais do sul do Brasil, isto é, preencher todas as vagas, será difícil no começo, tendo em vista que esse ainda não é o perfil de estudante que se credencia a entrar na UFRGS, por exemplo.
Esse tema, dito controverso, é dos mais didáticos para desconstruirmos alguns falsos juízos que temos sobre justiça, mérito, direitos e oportunidades. Ele expõe o quão fácil naturalizamos desigualdades, tendo em vista a aceitação, por décadas, da escandalosa desigualdade social e étnica do ensino superior brasileiro. As cotas viraram lei e consenso nos três poderes por um tensionamento histórico dos movimentos sociais e um significativo amadurecimento político e humano da sociedade civil.

Gregório Grisa - membro do Grupo Inovação e Avaliação na universidade da UFRGS.

terça-feira, outubro 09, 2012

O porquê do ódio a Chávez


Ele cumpriu a promessa de governar para as maiorias e mostrou que a História não tinha terminado. Por isso (não por seus erros) as oligarquias da Venezuela e de todo o continente latino-americano o detestam… e usam dos meios de comunicação dia e noite para atacá-lo
08/10/2012

Ignacio Ramonet
(ex-diretor do jornal Le Monde Diplomatique)
Jean-Luc Melenchon
(candidato da esquerda nas eleições presidenciais da França)

(Tradução: Daniela Frabasile)

Hugo Chávez é, sem dúvida, o chefe de Estado mais difamado no mundo. Com a aproximação das eleições presidenciais de 7 de outubro, essas difamações tornaram-se cada vez mais infames, em muitos países. Testemunhavam o desespero dos adversários da revolução bolivariana frente à perspectiva de uma nova vitória eleitoral de Chávez.
Um líder político deve ser valorizado por seus atos, não por rumores veiculados contra ele. Os candidatos fazem promessas para ser eleitos: poucos são aqueles que, uma vez no poder, cumprem tais promessas. Desde o início, a proposta eleitoral de Chávez foi muito clara: trabalhar em benefício dos pobres, ou seja – naquele momento – a maioria dos venezuelanos. E cumpriu sua palavra.
Por isso, este é o momento de recordar o que estava verdadeiramente em jogo nesta eleição. A Venezuela é um país muito rico, pelos fabulosos tesouros de seu subsolo, em particular o petróleo. Mas quase toda essa riqueza estava nas mãos da elite política e das empresas transnacionais. Até 1999, o povo só recebia migalhas. Os governos que se alternavam, social-democratas ou democrata-cristãos, corruptos e submetidos aos mercados, privatizavam indiscriminadamente. Mais da metade dos venezuelanos vivia abaixo da linha de pobreza (70,8% em 1996).
Chávez fez a vontade política prevalecer. Domesticou os mercados, deteve a ofensiva neoliberal e posteriormente, graças ao envolvimento popular, fez o Estado se reapropriar dos setores estratégicos da economia. Recuperou a soberania nacional. E com ela, avançou na redistribuição da riqueza, a favor dos serviços públicos e dos esquecidos. Políticas sociais, investimento público, nacionalizações, reforma agrária, quase pleno-emprego, salário mínimo, imperativos ecológicos, acesso à moradia, direito à saúde, à educação, à aposentadoria… Chávez também se dedicou à construção de um Estado moderno. Colocou em marcha uma ambiciosa política de planejamento do uso do território: estradas, ferrovias, portos, represas, gasodutos, oleodutos.
Na política externa, apostou na integração latino-americana e privilegiou os eixos Sul-Sul, ao mesmo tempo que impunha aos Estados Unidos uma relação baseada no respeito mútuo… O impulso da Venezuela desencadeou uma verdadeira onda de revoluções progressistas na América Latina, convertendo este continente em um exemplo de resistência das esquerdas frente aos estragos causados pelo neoliberalismo.
Tal furacão de mudanças inverteu as estruturas tradicionais do poder e trouxe a refundação de uma sociedade que até então havia sido hierárquica, vertical e elitista. Isso só podia desencadear o ódio das classes dominantes, convencidas de serem donas legítimas do país. São essas classes burguesas que, com seus amigos protetores e Washington, vivem financiando as grandes campanhas de difamação contra Chávez. Até chegaram a organizar – junto com os grandes meios de comunicação lhes que pertencem – um golpe de Estado, em 11 de abril de 2002.
Estas campanhas continuam hoje em dia e certos setores políticos e midiáticos encarregam-se de fazer coro com elas. Assumindo – lamentavelmente – a repetição de pontos de vista como se demonstrasse que estão corretos, as mentes simples acabam acreditando que Hugo Chávez estaria implantando um “regime ditatorial no qual não há liberdade de expressão”.
Mas os fatos são teimosos. Alguém viu um “regime ditatorial” estender os limites da democracia em vez de restringi-los? E conceder o direito de voto a milhões de pessoas até então excluídas? As eleições na Venezuela só aconteciam a cada quatro anos, Chávez organizou mais de uma por ano (14, em treze anos), em condições de legalidade democrática, reconhecidas pela ONU, pela União Europeia, pela OEA, pelo Centro Carter, etc. Chávez demonstrou que é possível construir o socialismo em liberdade e democracia. E ainda converte esse caráter democrático em uma condição para o processo de transformação social. Chávez provou seu respeito à vontade do povo, abandonando uma reforma constitucional rejeitada pelos eleitores em um referendo em 2007. Não é por acaso que a Fundação para o Avanço Democrático [Foundation for Democratic Advancement] (FDA), do Canadá, em um estudo publicado em 2011, colocou a Venezuela em primeiro lugar na lista dos paí­ses que respeitam a justiça eleitoral.
O governo de Hugo Chávez dedica 43,2% do orçamento a políticas sociais. Resultado: a taxa de mortalidade infantil caiu pela metade. O analfabetismo foi erradicado. O número de professores, multiplicado por cinco (de 65 mil a 350 mil). O país apresenta o maior corficiente de Gini (que mede a desigualdade) da América Latina. Em um informe em janeiro de 2012, a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal, uma agência da ONU) estabelece que a Venezuela é o país sul-americano que alcançou (junto com o Equador), entre 1996 e 2010, a maior redução da taxa de pobreza. Finalmente, o instituto estadunidense de pesquisa Gallup coloca o país de Hugo Chávez como a sexta nação “mais feliz do mundo”.
O mais escandaloso, na atual campanha difamatória, é a pretenção de que a liberdade de expressão esteja restrita na Venezuela. A verdade é que o setor privado, contrário a Chávez, controla amplamente os meios de comunicação. Qualquer um pode comprovar isso. De 111 canais de televisão, 61 são privados, 37 comunitários e 13 públicos. Com a particularidade de que a parte da audiência dos canais públicos não passa de 5,4%, enquanto a dos canais privados supera 61%… O mesmo cenário repete-se nos meios radiofônicos. E 80% da imprensa escrita está nas mãos da oposição, sendo que os jornais diários mais influentes – El Universal e El Nacional – são abertamente contrários ao governo.
Nada é perfeito, naturalmente, na Venezuela bolivariana – e onde existe um regime perfeito? Mas nada justifica essas campanhas de mentiras e ódio. A nova Venezuela é a ponta da lança da onda democrática que, na América Latina, varreu os regimes oligárquicos de nove países, logo depois da queda do Muro de Berlim, quando alguns previram o “fim da história” e o “choque de civilizações” como únicos horizontes para a humanidade.
A Venezuela bolivariana é uma fonte de inspiração da qual nos nutrimos, sem fechar os olhos e sem inocência. Com orgulho, no entanto, de estar do lado bom da barricada e de rerservar nossos ataques ao poder imperial dos Estados Unidos, seus aliados do Oriente Médio, tão firmemente protegidos, e qualquer situação onde reinem o dinheiro e os privilégios. Por que Chávez desperta tanto rancor em seus adversários? Sem dúvida, porque, assim como fez Bolívar, soube emancipar seu povo da resignação. E abrir o apetite pelo impossível. 
O povo venezuelano deu o troco, mais de 80% do eleitorado votou.  Um fato inédito na história do país e das eleições em países latino-americanos.  E 55% deles deram mais seis anos ao presidente Chávez.
Fonte: Brasil de Fato

segunda-feira, outubro 08, 2012

Brevemente sobre as eleições:

Em Alegrete não há representação política de esquerda. A composição da câmara de vereadores se deu, em geral, do voto fruto do clientelismo e do assistencialismo rústicos, além dos votos dos currais eleitorais da administração e os votos da pseudoirreverência tradicionalista.

Em Porto Alegre se elegeram dois vereadores de esquerda, Pedro Ruas e a amiga Fernanda Melchionna que receberam significativa votação e reconhecimento. Crescimento do Psol no país é o único elemento positivo das eleições, momento esse que considero apenas mais um no processo de luta social e que não muda substancialmente a realidade (como muitos creem) haja vista, seus resultados.

Os dois projetos hegemônicos vencedores nas prefeituras estão no rumo do país, do desenvolvimentismo, do crescimento econômico combinado a especulação financeira, mas gozam de estruturas políticas e financeiras privilegiadas. Esses fenômenos produzem uma anestesia e comoção na população que, por conseguinte, transforma isso em voto.

Em Alegrete não existia projeto a altura da gestão atual, só o de retrocesso da direita oligárquica. Em Porto Alegre existia representação de esquerda ainda sem alcance eleitoral e as outras candidaturas eram da base do governo estadual e federal e pouco mudariam em relação a gestão Fortunati que infelizmente se reelegeu, tendo em vista que reuni todo conservadorismo e proselitismo da cidade em sua aliança.

As eleições de ontem confirmam, de modo categórico, que o processo eleitoral no Brasil é um negócio econômico promíscuo, que cultiva interesses pessoais imediatos, tanto dos candidatos quanto dos eleitores. Esse processo decorre majoritariamente pautado pelas trocas de favores e busca de cargos e não caminha na busca da melhoria da qualificação política, teórica e ética das representações políticas. A "festa da democracia" é a festa de poucos que compram e convencem a maioria que esse é o único momento de participação política, e mais que isso, convencem que ser político é lembrar do aniversário das pessoas e arrumar um favor pra família ou para o bairro.

terça-feira, outubro 02, 2012

Aos educadores da vida

Toda profissão que envolva educação teria de ter como prioridade, prática e teórica, o lúdico, a imaginação, a esperança e a poesia. O ato de trabalhar deveria ser produto e produtor da criatividade, as experiências pedagógicas não deveriam descartar a intuição. Porém, o positivismo nos herdou uma noção de ciência em que a seriedade vence o humor, em que a objetividade é mais importante que as descobertas processuais e que a imparcialidade é possível. Ilusões!
A ética utilitarista que norteia a lógica contemporânea faz com que o trabalho docente seja de gestão, de produção, de adequação institucional e enquadramento metodológico. Como esse trabalho pode ser prazeroso? Como desenvolver conhecimento crendo que só há uma via para isso, no caso a razão pura e condicionada? Somos corpos eróticos, imagéticos e ansiosos. Os prazos da escola e da academia são os mesmo para sujeitos com tempos distintos. 
Quando vivemos em uma sociedade em que a aposentadoria é tida como redenção, é o momento de pararmos para pensar no tipo de trabalho que estamos fazendo. Quando se trabalha forçado, para um chefe, para ter dinheiro, para se manter ou para acumular sem sentido e não há nenhum prazer no que se faz, há algo errado.
Imagine que lógica absurda sofrer uma vida toda para chegar à "salvação" da aposentadoria no fim da trajetória e considerar isso o encontro com a felicidade. Uma sociabilidade sadia em um mundo diferente teria a aposentadoria como uma mudança de estágio quase não desejada, haja vista, que os sujeitos têm no seu fazer o sentido da sua vida. O magistério hoje é um lugar de sofrimento para muitas pessoas. 
O educador considerado bom hoje é aquele que cumpre metas, é produtivo, administra os estudantes com suas técnicas. Desafio que alguém me mostre aspectos prazerosos nesse ofício. Somos convencidos sistematicamente que nossa ferramenta, a palavra, não muda as estruturas sociais. Essa descrença desgasta, desestimula e faz com que se considere, erroneamente, educador de sucesso àquele mais colonizado e cerceador. 
A ciência dura e burocratizada quer que entendamos o mundo e suas relações de longe, quase de fora, na busca da vã neutralidade. As relações se dão na linguagem e na memória, essas dimensões são o recheio da vida e não existem sem o papel do educador e sua palavra. 
Ter a coragem de dizer, de escrever e de se rebelar são atos de coerência pedagógica, Rubem Alves diz que não devemos formar professores, mas sim acordá-los, para que percebam qual ideologia tem e/ou reproduzem e se ela está de acordo com o que querem e acreditam para a vida. Somos nossos dizeres e nos alimentamos com os dizeres alheios, é a palavra que azeita a engrenagem das relações humanas, portanto, que não se caia na falácia de que ela não muda nada porque nada se muda sem ela. 
É na e pela palavra que dou o melhor de mim, por isso, por uma questão existencial, tenho que crer que ela pode melhorar o mundo e as pessoas.

Gregório Grisa