quinta-feira, janeiro 29, 2015

Explosão da desigualdade no Brasil e no mundo




Na semana passada um estudo divulgado pela ONG britânica Oxfam chamou a atenção para uma questão cada vez mais grave, a partir do ano que vem os recursos acumulados pelo 1% mais rico ultrapassarão a riqueza do resto da população. Isso é ainda mais grave considerando que a concentração de riqueza entre os 99% restantes. Essa parcela detém hoje 52% dos recursos, porém, destes, 46% estão nas mãos de cerca de um quinto da população. A maior parte fica na verdade com apenas 5,5% das riquezas mundiais.

Se a escala da desigualdade global é revoltante, o mesmo se aplica ao Brasil e à América Latina. Segundo estudos divulgados nesta última segunda-feira pela Cepal (Comissão Econômica para América Latina e o Caribe), a pobreza atinge 28% da população latino-americana, 167 milhões, sendo que destes, 71 milhões se encontram em pobreza extrema ou indigência. O documento Panorama Social da América Latina mostra que a situação da pobreza na região se manteve estável entre 2012 e 2013. No entanto, a extrema pobreza aumentou de 11,3% em 2012 para 11,7% em 2013. As projeções apontam que em 2014 se registraria um novo aumento, até 12%, chegando aos 71 milhões em condição de extrema pobreza.

No caso do Brasil, os dados da Cepal revelam o aumento da quantidade de brasileiros que vivem em situação de extrema pobreza, com uma elevação de 5,4% para 5,9% entre 2012 e 2013. Esse índice vinha mantendo uma constância de queda nos últimos anos, para se ter uma ideia, em 2005 estava em 10,7%, segundo critérios da Cepal.

Uma questão que chama atenção é que a situação se manteve estagnada em relação ao índice de pobreza, mas com aumento em relação à situação de indigência, isso mesmo numa situação econômica um pouco mais estável, o que esperar então de um momento de crise, com duros cortes no orçamento e previsão de redução do crescimento.

Se aumenta a pobreza aumenta a concentração de riqueza, infelizmente, não existem políticas efetivas para combater toda essa desigualdade. Pelo contrário, no caso brasileiro, o modelo econômico adotado pelo governo Dilma e aclamado pela chamada grande mídia e pelo grande capital, só vai causar mais pobreza e desigualdade.

A iniquidade brasileira é algo gritante, um estudo publicado em dezembro de 2013 pela Receita Federal trouxe à tona dados alarmantes sobre a concentração de renda no Brasil. Um resumo publicado pelo site Brasil Debate sobre o estudo, os dados são de 2012, aponta que apenas 0,21% detinham 40,81% de toda a riqueza brasileira. Os 50% mais pobres apenas 2% da riqueza nacional, 36,99% ficavam com 10,60% e 13,01% com 87,40%. Destes últimos, apenas 0,9% das pessoas detinham 59,90% do total.

O modelo tributário no Brasil favorece a concentração existente. Para se ter uma ideia, no Brasil a alíquota máxima do imposto de renda é de 27,5%. Na Suécia é de 56,7%, na Alemanha de 45,0% e nos Estados Unidos de 39,6%. Também são bem menores no Brasil os impostos sobre herança e sobre ganhos de capital, do que nos países mais desenvolvidos.

Segundo esse mesmo estudo da Receita Federal, em 2012, 49,73% da arrecadação adveio dos bens e serviços, 17,84% da renda, 3,85% da propriedade, 26,53% da folha de salários e 2,04% de outros meios. Como o ganho dos mais ricos está centrado em rendimentos obtidos do capital, e como vemos, a estrutura tributária está centrada no consumo, podemos verificar que quem paga a conta não é quem está no topo da pirâmide.

As comparações internacionais mais uma vez tornam a situação brasileira ainda mais alarmante. Num estudo do economista Fábio Avila Castro (Imposto de renda da pessoa física: comparações internacionais, medidas de progressividade e redistribuição. 2014.115f. Dissertação Mestrado- Departamento de Economia, Universidade de Brasília, Brasília, 2014) é possível constatar essas discrepâncias. 

No caso de impostos sobre herança, por exemplo, no Reino Unido a alíquota é de 40,00%; na França 32,50%; nos Estados Unidos 29,00%; na Alemanha 28,50%; na Suíça 25,00%; no Japão 24,00%, no Chile 13,00%; já no Brasil o tributo é de 3,86%. Já em relação às alíquotas máximas de dividendos de alguns países, na Dinamarca é de 42,00%, na França de 38,50%, no Canadá de 31,70%, na Alemanha é de 26,40%, na Bélgica é de 25,0%, nos Estados Unidos de 21,20% e na Turquia 17,50%. Já no Brasil, os dividendos são isentos de imposto de renda, a alíquota é 0,00%.

Muito se fala da elevada carga tributária brasileira, que aliás, sem querer se estender em comparações, também é menor do que a praticada nos países mais desenvolvidos, mas pouco se fala de que no Brasil os ricos pagam poucos impostos e mesmo com taxas abaixo da média internacional praticam uma fortíssima evasão fiscal. Dados divulgados pelo Sindicato dos auditores da receita federal apontam que em 2014 a sonegação de impostos no Brasil ultrapassou a marca de 500 bilhões de reais.

Entre outras medidas possíveis e necessárias para enfrentar o problema da desigualdade está a taxação das grandes fortunas. Um Projeto de Lei Complementar, o PLP 277/2008 de autoria da bancada do PSOL na Câmara dos Deputados, que regulamenta o inciso VII do art. 153 da Constituição Federal - Imposto sobre Grandes Fortunas, já passou por todas as comissões da Câmara e está pronto para ir a plenário.

Sem mudança no sistema tributário brasileiro, não haverá combate efetivo à desigualdade. É óbvio que essa política tem de vir acompanhada de outras medidas, como o aumento do gastos públicos com setores fundamentais como saúde e educação, o combate à sonegação fiscal e o enfrentamento do problema da dívida, que consome quase metade do orçamento da União.

A desigualdade deve ser compreendida como ela é, como uma grave violação dos direitos humanos, como uma violência que submete milhões de pessoas às condições mais indigentes de vida. Não podemos aceitar que o abismo entre os mais ricos e o conjunto da população continue crescendo em ritmo acelerado, o combate à desigualdade é uma tarefa central, tanto no Brasil como no mundo.

Mandato Ivan Valente - PSOL- SP

Acesse o documento Carga Tributária no Brasil - Receita Federal - 2012

http://www.receita.fazenda.gov.br/…/estatisticas/CTB2012.pdf

terça-feira, janeiro 27, 2015

A crise hídrica no Brasil: visão de um geógrafo amador


Por Fábio Borges

Assim como Josué de Castro na década de 1950 denunciava em "Geografia da Fome" e "Geopolítica da Fome" que o problema da fome no Brasil e no mundo era político (enquanto o capitalismo e seus governos responsabilizavam o crescimento demográfico) o problema da falta d´água é também político, e esconde as novas (velhas) formas do imperialismo que ainda nos determina, mesmo num contexto republicano e de "soberania" nacional. O Brasil nunca deixou de ser um exportador de commodities, por exemplo.

E, desde a introdução do neoliberalismo no Brasil, esse setor da economia (agricultura, pecuária e extrativismo mineral e vegetal) tem aumentado sua participação na produção do PIB, como tem aumentado o processo de reconcentração das terras nas mãos dos fazendeiros do agronegócio, e que passaram a mecanizar a atividade econômica ligada ao setor primário, a exemplo dos pivôs centrais que tomaram conta de toda a região do Planalto Central do Brasil, domínios do cerrado, e que podem ser observados quando se sobrevoa o entorno do Distrito Federal, por exemplo.

Quase todas as bacias hidrográficas brasileiras nascem no Planalto Central e, há anos, os pequenos produtores rurais à jus ante das cabeceiras dos rios que alimentam essas bacias denunciam a diminuição da água de superfície e dos lençóis freáticos. O aumento da produção do primeiro setor, quase exclusivamente voltado para atender as demandas internacionais, tem grande responsabilidade na escassez de água, embora os meios de comunicação oficiais - como forma de fazer terrorismo e dominar pelo medo - responsabilizem o consumo residencial pela crise em curso.

Ontem, um certo jornal, denunciava que são cerca de 200 mil dos quase 700 mil moradores, os responsáveis pela crise, pois lançam seus rejeitos na represa Billings, em São Paulo. Com isso, escamoteiam que muitos dos que hoje ali vivem, e sem as mínimas condições de saneamento, foram de outros lugares expulsos, seja pela especulação imobiliária, seja pelo estado e seus urbanistas. 

Recentemente a realização da Copa produziu efeito semelhante em relação às vidas de mais de 250 mil brasileiros, retirando-os de seus antigos domicílios. Muitos daqueles moradores do entorno da Billings ou da Guarapiranga viviam onde hoje está a avenida Água Espraiada ou onde está a nova sede da Rede Globo de televisão. Foram expulsos para periferias cada vez mais longe, coincidindo com mananciais tipo a Guarapiranga ou a Billings. Há uma tese de doutoramento sobre essa questão, e que faz corrosiva crítica ao urbanismo, defendida no final da década de 1990, pelo geógrafo Sérgio Martins, intitulada "Nos confins da metrópole: o urbano às margens da represa de Guarapiranga". A leitura recomendo.

De outro lado, há que se considerar que a matriz energética brasileira e mundial, altamente poluente, precisa ser radicalmente substituída. As hidroelétricas, para além dos fortes impactos sociais e culturais nas vidas das pessoas, cada vez menos produzirão energia. Basta considerar o aumento do assoreamento dos leitos causados pelo tipo de desmatamento e pela ocupação humana das margens de lagos como a Guarapiranga. Muitas hidroelétricas foram criadas durante a ditadura militar. Onde antes se tinha lagos com profundidade de até 40 metros, em alguns casos, quarenta anos depois, o que se encontra são espelhos d´água que não nos alcançam os joelhos.

O medo é uma forma de dominação. E querem nos dominar através daí, impondo-nos o medo de ficarmos sem água. Aumentarão impostos. Continuarão a exportar gêneros agrícolas e pecuários, e junto trilhões de litros d´água, mesmo que isso mate indígenas, camponeses, e as gentes das periferias dos grandes centros urbanos.
É absurdo se os responsáveis pelo entendimento da realidade social e econômica brasileira, ou pelas políticas públicas, continuarem coniventes com esse discurso imperialista e alienador. O que liberta é a verdade, disse Jesus, disse Lênin.

sexta-feira, janeiro 09, 2015

Atrasos de bolsas da Capes expõe descaso com a educação



Estamos vivendo a prova real de que os pesquisadores de pós-graduação com bolsa de estudos são também trabalhadores. Assim como os professores bolsistas de cursos de formação e especializações à distância. As contas de aluguel, luz, gás, condomínio, internet, telefone, televisão não se sensibilizam caso esses profissionais fiquem mais de 2, 3 ou 4 meses sem receber nada. As contas vencem, cobram juros, cortam serviços.

Hoje no Brasil milhares de pós-graduandos, que não tem direito a décimo terceiro, a férias, a plano de saúde, a seguro desemprego e a previdência, estão entrando no cheque especial, no limite dos cartões de crédito, fazendo empréstimos para honrar suas despesas, para vestir e comer. Isso ocorre no exterior também, na Inglaterra bolsistas da Capes receberam ajuda da universidade local para se alimentar e pagar transporte.


Porque chegamos a esse cenário? Em função de problemas burocráticos na realocação de recursos do Ministério da Educação para a Capes e FNDE. Esses problemas ocorreram antes da virada do ano porque o orçamento da pasta da educação se adapta ao corte orçamentário de 7 bilhões de reais para 2015, equivalente a 31% do ajuste total feito pelo governo, ministério mais afetado.

Com isso, só podemos interpretar a pecha presidencial "Brasil: pátria educadora" como uma pobre peça retórica que tenta apaziguar no discurso a dureza anti-popular das medidas reais que marcarão o próximo período. 


O trabalho feito por professores bolsistas e pós-graduandos sustentam o sistema científico brasileiro e o processo de formação de pessoal. Muitos pagam viagens, materiais, estadas com seu dinheiro para receber ressarcimento meses depois e não podem contar com sua bolsa regularmente, pois essa fica refém de percalços burocráticos e manobras orçamentárias. Precarização do trabalho na sua plenitude. 


Tal desrespeito é uma evidência e não um discurso, no mundo real o que vale são as ações concretas e essas indicam descaso. Já na política, as intenções e a retórica podem convencer ou iludir, mas não pagam contas e não garantem direitos fundamentais. A austeridade vem afundando os países do norte, mas aqui tentam nos convencer de que essa é a única saída. Quem paga por isso são os professores, pesquisadores e estudantes. 

Gregório Grisa