terça-feira, abril 30, 2013

O mundo ainda é cruel com as mulheres


As mulheres conquistaram nos últimos 70 anos mais direitos e espaços do que nos últimos 300, administram suas vidas privadas de um modo mais soberano.Além disso, têm a liberdade sexual como marca dos nossos tempos, embora ainda não tão aceita como a masculina.  Entretanto, nas relações amorosas as mulheres ainda são penalizadas em alguns aspectos. 
Vou ser genérico, me referir a aparentes maiorias, pautado nas minhas impressões, que podem estar perto ou longe da realidade, ciente de que as exceções existem em todos os casos. O conteúdo do texto é de indagações e opinativo, não científico.
São recorrentes nas redes sociais, nas conversas de bar e nos divãs familiares as constatações de que as mulheres estão com dificuldades para conseguir namorados, companheiros para dividir a vida. Os homens ainda estariam em uma situação privilegiada, tanto por haver bastante demanda feminina, quanto por se sentirem melhor em relacionamentos abertos e esporádicos, isto é, não aparentam necessidade de namorar.
Não sei até que ponto isso procede estatisticamente, mas creio que há coisas aí que fazem sentido. Importante dizer de antemão que não estou afirmando, em absoluto, que todas as mulheres estão desesperadas ou buscando se relacionar e nem que todas estão com dificuldade para encontrar parceiros duradouros.
Os homens, em um primeiro momento, querem uma mulher bonita de rosto e de corpo, como sugere o padrão. Mas também buscam uma mulher inteligente, delicada, informada, socialmente envolvida e etc. Lógico que as mulheres também querem homens com essas características, todavia, diante das diferentes condições de gênero e distintas aspirações para namorar, elas estão mais sujeitas a investir em casos furados do que eles. Será?
Hoje, apesar de uma maior autonomia feminina, elas ainda querem se apaixonar, namorar e casar.  Inclusive porque já há maturidade suficiente, em várias relações, para ser livre e estar em um “relacionamento sério” com alguém. 

Homens demoram mais para decidir se relacionar? Mulheres gostam de se apresentar em um relacionamento mais que os homens? Mulheres passam por frustações amorosas (de ser deixada ou deixar alguém) mais que homens? Será? Ou elas falam mais disso entre amigas/os do que eles, e por isso se tem essa sensação? Vamos supor que as respostas para essas perguntas sejam positivas.
Os papéis estão dispostos em uma sociedade desigual em termos de gênero, para que elas consigam um homem “bem sucedido”, elas têm de estar bem de corpo, bem de mente, serem interessantes e confiáveis, mas, surpreendam-se, não necessariamente precisam ser “bem sucedidas”. O homem “bem sucedido” na nossa sociedade não tem metade das qualidades exigidas de uma mulher para um relacionamento e teme mulheres independentes.
É claro que estou criticando esse perfil de “bem sucedido” que, em geral, é sinônimo de ser rico, por vezes conservador, um tanto alienado socialmente e especialista em algum tipo de negócio. O grande problema é que um cara bacana, seja lá o que isso signifique pra cada mulher, também exige aquelas características (bonita, gostosa, inteligente e politizada) para se relacionar, o machismo vivíssimo tem responsabilidade sobre essa lógica. O homem muito bacana tem, quase sempre, os mesmo critérios de exigência para se relacionar que um homem detestável, isso infelizmente é um tanto padronizado.
Caso esse cara bacana não encontre seu perfil de mulher preferido, ele não namora e segue se divertindo. Caso as mulheres não encontrem seu perfil desejado de homem, em muitos casos, namoram pessoas com outro perfil, por inúmeras razões como pressão social, baixa autoestima e idade. Ratificando que esse é um exercício de generalização.
A "necessidade" feminina de ter alguém para mostrar às amigas e para família é construída historicamente, a mulher ainda nasce em um mundo machista em que a "felicidade" é relacionada a casar e ter filhos, em que a mulher solteirona é tida como infeliz e derrotada. Diferente do homem solteiro que é encarado como “moderno”. É claro que ter alguém para dividir a vida é ótimo e significa ser feliz, mas não a qualquer preço.
Mulheres podem querer se tornar "interessantes", infelizmente, para acatar exigências de uma sociedade com relações de gênero desiguais, essa é a vida real. Isto é, tentar se adaptar a um conjunto de critérios sociais e padrões estéticos. Porém, quanto mais as mulheres conseguirem identificar o que é construído socialmente e fruto do machismo, elas poderão ter mais paciência para escolher suas relações, saberão quais características combinam com elas e quais representariam forçar a barra.
Cuidar do corpo, cuidar da mente, ler, aprender sobre diversos assuntos, viajar, ser polida/o, educada/o são atitudes que não devem ser tomadas para conseguir um namorado/a, pelo contrário, é no processo eterno de desenvolver essas atitudes para si que pode se conhecer alguém que vale a pena ficar junto.
Ser interessante é algo amplo, depende para quem, por isso é importante se tornar interessante para si. Os homens também querem namorar e casar, só estão confortáveis em um universo que exige adequação das mulheres e não deles. Um universo em que seus amigos lhe cobram a solteirice, mesmo quando eles namoram, e em que elas são cobradas para ter alguém, para casar. 
Vivemos em uma sociedade em que a fulana é mulher do ciclano e não o contrário, em que a lógica da mulher como propriedade, ainda que problematizada, persiste, haja vista, os dados da violência doméstica crescente contra a mulher, em geral, agressões protagonizadas pelos seus companheiros[1].
Namorar envolve elementos que transcendem uma “boa aparência”, essa é a riqueza e a complexidade de se relacionar. Há de se representar para o outro um acréscimo, ser visto/a como alguém necessário para a vida do outro, o que é bem diferente da vida exigir que é necessário ter alguém só por ter. Creio que não é adequado pensar em “conseguir” alguém, mas sim pensar em se encontrar com alguém, conhecer, conviver pouco, conviver mais, avaliar esse convívio e diagnosticar se a relação representa soma.
“Falar é fácil”, eu sei, mas o faço em tom de “pensar sobre”, já que esse tema é infinito, complexo e guarda as surpresas mais interessantes e inimagináveis.

Gregório Grisa



[1] O número de mulheres mortas por violência doméstica em 2012 no RS é 100% maior do que no ano anterior. E dobrou o Número de Homicídios de Mulheres no Brasil nos Últimos 30 Anos. http://www.editoramagister.com/doutrina_24101286_DOBRA_O_NUMERO_DE_HOMICIDIOS_DE_MULHERES_NO_BRASIL_NOS_ULTIMOS_30_ANOS.aspx

segunda-feira, abril 29, 2013

Operação Concutare e suas prisões.

Prisões cinematográficas da Polícia Federal e investigações longas cujos recursos para obtenção de provas são múltiplos podem até não resultar na prisão dos políticos/corruptos do alto escalão porque eles terão recursos de defesa, privilégios no processo e afins. Porém, essas ações não são deflagradas sem diagnósticos precisos e sem elementos concretos que provam a regularidade  dos atos ilícitos. Os presos conhecidos até então na Operação Concutare, secretário estadual, municipal e ex-secretário estadual do Meio Ambiente, Carlos Fernando Niedersberg (PCdoB), Luiz Fernando Záchia (PMDB) e Berfran Rosado (PPS) respectivamente, têm seus nomes na lama, uns já o tinham, só se afundaram mais. 
As prisões ocorridas hoje são pedagógicas no mínimo em três sentidos.

1- Provar que o desespero pelo poder é sinônimo, em muitos casos, de ganância pessoal. A vocação de Záchia pela corrupção ativa ou passiva, pelo tráfico de influência, pelo descaso diante da coisa pública e da legalidade é conhecida desde o escândalo do Detran, ainda não julgado, quando ele era Chefe da Casa Civil do Governo Yeda (PSDB). Corrupção no PMDB é lugar comum, coisa que inclusive membros honestos do partido tem ciência que existe apesar de nenhum envolvimento. Berfan Rosado é corrupto de um partido fisiológico composto por grande quantidade de corruptos, mais tempo menos tempo isso será provado. 

2- Mostrar que empresários dos grandes empreendimentos da capital e do litoral norte têm pleno trânsito dentro dos órgão governamentais. Pagam, literalmente, desde a confecção quanto a agilização de licenças ambientais, fraudes que desrespeitam  não só os trâmites legais como a vida e a natureza. Tudo em busca do desenfreado lucro, mesmas empreiteiras e mesmos empresários colocam o capital acima de qualquer princípio republicano e nossa estrutura estatal e seus gestores são cúmplices nesse nefasto processo. 

3- Marcar mais um capítulo da falência do PcdoB, partido que preserva sua seriedade em meia duzia de quadros históricos mas que não tem mais identidade ética nem programática. O PcdoB quer poder a qualquer custo. Você que é do PcboB e se acha uma pessoa séria, saiba, seu partido é composto também por mercenários, oportunistas e corruptos assim como os outros partidos inseridos na lógica da governabilidade.  As provas sobre indivíduos apareceram e aparecerão, mas casos no Ministério dos Esportes, no processo do Código Florestal e na emblemática e curiosa aliança com Berfran Rosado (PPS) quando da candidatura da deputada Manuela d'Ávila à prefeitura de POA em 2008 indicam a derrocada como coletivo. 

Diante da complexidade da máquina pública, das sutilezas nas relações entre gestores públicos, funcionários e empresários a corrupção se torna tão complexa quanto. Infelizmente ela é mais comum do que imaginamos, a criatividade para o lucro infinito e ilegal é a mais vigorosa dos nossos tempos. Entretanto, cada fato como o de hoje mantem alguma esperança em um certa probidade dos processos públicos independente dos efeitos concretos que investigações densas como essa podem produzir. 

Gregório Grisa

sábado, abril 20, 2013

Redução da maioridade penal para que e para quem?


Publicado em 18/04/2013 no Correio do Povo

Gregório Grisa

Voltou à tona o tema da redução da maioridade penal. Em geral, isso ocorre quando um acontecimento violento promovido por alguém menor de idade tem como vítima um membro da classe média, tendo em vista que jovens morrem nas periferias das grandes cidades cotidianamente no Brasil sem que se erija na opinião pública uma demagógica campanha.

A família que perdeu um ente querido, no seu legítimo direito, exige das autoridades responsáveis medida cabível, como qualquer um de nós faria. Momentos como esse produzem reações passionais, o que é normal, mas para analisar o fenômeno cabe se ater menos à emoção, e racionalmente a redução da maioridade penal no Brasil não tem sentido, além de ser inconstitucional. Explico.

Segundo o Ministério da Justiça, a reincidência criminal no falido Sistema Prisional brasileiro é de 60%. No sistema de internação de adolescentes, por mais problemático que seja, a reincidência é de 30% e em casos melhor administrados o índice chega a 13%. Diante disso, encaminhar um menor para os presídios comuns é profissionalizá-lo na criminalidade. E que camada da sociedade realmente seria presa? Importante dizer que o tempo de internação de menores atualmente pode ser maior que três anos caso se comprove periculosidade e/ou transtornos psicológicos.

Somente 8% dos homicídios são esclarecidos, o que representa uma incapacidade dos órgãos policiais e do Judiciário. O que coíbe crime não é o tamanho da pena, mas sim a segurança da punição, o que não existe. Um Estado que não garante um conjunto complexo e volumoso de políticas públicas para crianças e adolescentes, não cumpre satisfatoriamente o ECA e a lei n 12.594, que cria o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, não pode cogitar resolver a criminalidade atacando efeitos e não as causas.

pedagogo, doutorando em Educação da Ufrgs

terça-feira, abril 16, 2013

“Redução da maioridade penal só vai gerar mais crime e violência”


Fonte: http://revistaforum.com.br/

Advogado Ariel de Castro Alves explica que autor do crime que matou Victor Hugo Deppman pode ficar preso mais do que 3 anos em internação psiquiátrica

Por Adriana Delorenzo

O assassinato do estudante Victor Hugo Deppman, de 19 anos, durante um assalto em frente à sua casa no bairro de Belém, zona leste de São Paulo, reabriu o debate sobre a redução da maioridade penal. O assaltante era um jovem de 17 anos que acaba de completar 18. Com isso, a lei prevê três anos de internação, que pode ser ampliada caso se comprove a periculosidade do autor do crime devido a transtornos psiquiátricos. Foi o que aconteceu com Champinha, condenado pelo assassinato brutal de Felipe Silva Caffé,19 anos, e de Liana Bei Friedenbach, 16 anos, em 2003. Para falar sobre o assunto, a Fórum entrevistou o advogado Ariel de Castro Alves,especialista em Políticas de Segurança Pública pela PUC- SP e ex- conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Para ele, “reduzir a idade penal seria como reconhecer a incapacidade do Estado brasileiro em garantir oportunidades e atendimento adequado à juventude. Seria como um atestado de falência do sistema de proteção social do País”. Confira abaixo a entrevista na íntegra.

O futuro do Brasil não pode ser condenado à cadeia, diz Ariel

Revista Fórum – Por que o debate sobre a redução da maioridade penal sempre vem à tona após crimes contra jovens de classe média como o assassinato de Victor Deppman?

Ariel de Castro Alves - Os familiares das vítimas têm todo o direito de se manifestar e provavelmente se eu estivesse no lugar deles, após ter perdido um ente querido, também pediria a redução da idade penal ou até pena de morte. Mas temos que diferenciar a emoção da razão. Racionalmente entendo que esta não é a solução para a questão da criminalidade infanto-juvenil no País.

Às vezes também parece que só a vida de jovens de classe média ou alta tem valor na sociedade brasileira. Milhares de jovens são assassinados todos os dias nas periferias e poucos tratam do assunto ou se revoltam e exigem soluções para os casos. Existe muito oportunismo e demagogia nessas discussões.

Há 17 anos venho me posicionando a atuando contra a redução da idade penal. Entendo que se trata de medida ilusória já que o que inibe o criminoso não é o tamanho da pena e sim a certeza de punição. No Brasil existe a certeza de impunidade já que apenas 8% dos homicídios são esclarecidos. Precisamos de reestruturação das polícias brasileiras e melhoria na atuação e estruturação do Judiciário.

As propostas de redução da idade penal também são inconstitucionais, só poderiam prosperar através de uma nova Assembléia Nacional Constituinte. Além disso a reincidência no Sistema Prisional brasileiro, conforme dados oficiais do Ministério da Justiça, é de 60%. No sistema de internação de adolescentes, por mais crítico que seja, estima-se a reincidência em 30%. A Fundação Casa de São Paulo tem apresentado índices de 13%, mas não levam em conta os jovens que completam 18 e vão para as cadeias pela prática de novos crimes.

Essa medida é enganosa, só vai gerar mais crimes e violência. Teremos criminosos profissionais, formados nas cadeias, dentro de um Sistema Prisional arcaico e falido, cada vez mais precoces.

Revista Fórum – De acordo com a legislação atual, quanto tempo o adolescente que atirou em Victor pode ficar preso?

Ariel de Castro Alves - O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece até 3 anos de internação (privação de liberdade). Se o autor do crime sofrer transtornos psiquiátricos e ficar demonstrada a sua periculosidade através de laudos e relatórios após os 3 anos, a lei que criou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, que entrou em vigor em abril de 2012, prevê a ampliação do tempo por prazo indeterminado, transformando a internação socioeducativa em internação psiquiátrica.

Revista Fórum – O governador Geraldo Alckmin anunciou que seu partido (PSDB) vai enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei para tornar o Estatuto da Criança e do Adolescente mais rígido, com penas maiores para menores. O que o sr. acha disso? Deve-se punir com mais rigor?

Ariel de Castro Alves - Ele já anunciou essa proposta em 2003 e 2012, após momentos de clamor social diante de crimes graves e rebeliões na Fundação Casa, mas ele mesmo não deu sequência. Vejo certo oportunismo e demagogia nesta atitude.

A questão da ampliação do tempo de internação é passível de discussão, cabe ao Congresso Nacional criar uma Comissão Especial e tratar do tema com vários especialistas. Toda lei pode ser atualizada ou reavaliada, o Estatuto da Criança e do Adolescente neste item também pode ser, se o congresso e os especialistas assim entenderem. O que não podemos é ter legislações com base na emoção e sim pela razão. O clamor popular após esses casos gravíssimos não contribui com o processo legislativo e abre espaços para oportunismos. Porém, se o tempo de internação ao invés de até 3 anos, fosse de 6 anos, possivelmente a Fundação Casa teria 18 mil internos, ao invés dos 9 mil que tem hoje, tendo mais superlotação e sendo necessários mais investimentos do Estado.

Já a proposta do governador de transferir os jovens da Fundação Casa para presídios é totalmente inadequada. O Sistema Prisional Paulista está com a superlotação acima dos 100%. Além disso a reincidência passa dos 60% e muitas prisões são dominadas por facções criminosas. Já a Fundação Casa tem anunciado a reincidência em torno de 13%. Colocar os jovens num sistema prisional falido e superlotado só vai aumentar a criminalidade no Estado.

Ao invés de transferir os maiores de 18 para presídios, é pertinente que existam unidades de internação específicas aos jovens com idades entre 18 anos até completarem os 21 anos. É uma obrigação do Estado já prevista na lei. Eles não podem ser transferidos  para presídios comuns, já que a medida socioeducativa deve ser cumprida em unidade de internação e não em presídios comuns. Apesar dos jovens já terem 18 anos de idade, eles cometeram o ato infracional quando tinham menos de 18 anos e podem cumprir até 3 anos de internação, ou até completarem os 21 anos.

Revista Fórum – Quais medidas seriam efetivas para conter a violência que atinge níveis absurdos em São Paulo, com altos índices de homicídios por arma de fogo principalmente nas periferias?

Ariel de Castro Alves - O Estatuto da Criança e do Adolescente gerou muitos avanços nos últimos anos com relação ao atendimento às crianças, mas, ainda, no atendimento aos adolescentes deixa muito a desejar, principalmente nas áreas de educação, saúde e profissionalização. A prevenção, através de políticas sociais, custa muito menos que a repressão. O futuro do Brasil não pode ser condenado à cadeia.

São necessários programas de inclusão e oportunidades visando à emancipação social dos jovens. Sempre digo que só com conselhos e atendimentos esporádicos não temos como convencer o jovem a deixar o envolvimento com o crime. Temos que ter programas capazes de criar um novo projeto de vida para os adolescentes, que envolvam suas famílias. Programas com subsídio financeiro, que ofereçam bolsa-formação, oportunidades de estágios, aprendizagem, cursos técnicos, empregos, com ações dos órgãos públicos e também da iniciativa privada.

Quando o Estado exclui, o crime inclui. Se o jovem procura trabalho no comércio e não consegue, vaga na escola ou num curso profissionalizante e não consegue, na boca de fumo ele vai ser incluído. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem o caráter mais preventivo do que repressivo. Se o ECA fosse realmente cumprido sequer teríamos adolescentes cometendo crimes. É exatamente pela falta de cumprimento do Estatuto e pelo alijamento  de muitas crianças e adolescentes dos seus direitos fundamentais previstos no ECA é que temos adolescentes envolvidos com a criminalidade.

A ausência de políticas públicas, programas e serviços de atendimento, conforme prevê a lei, e a fragilidade do sistema de proteção social do País favorecem o atual quadro de violência que envolve adolescentes como vítimas e protagonistas. Isso só será revertido quando realmente for cumprido o princípio Constitucional da Prioridade Absoluta com relação às crianças e adolescentes, o que atualmente ainda é uma utopia. Quem nunca teve sua vida valorizada, não vai valorizar a vida do próximo. O que esperar de crianças e adolescentes que nunca tiveram acesso à saúde, educação, assistência social, entre outros direitos. Muitas vezes não tiveram sequer uma família efetivamente. E sempre viveram submetidos a uma rotina de negligência e violência. A negligência, a exclusão e a violência só podem gerar pessoas violentas.

Em abril de 2012, entrou em vigor a Lei que criou  o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, o cumprimento desta lei também resultaria num atendimento mais adequado aos adolescentes infratores no País, com ações qualificadas por parte dos municípios, dos estados e do governo federal. Mas, ainda, o poder público tem se omitido no cumprimento desta lei, mantendo unidades de internação ou programas de atendimento em meio aberto totalmente inadequado.

segunda-feira, abril 15, 2013

Verbete do dito

Um dito traz consigo outros gritos
todo provérbio guarda seus mistérios
do ditado nasce o editado
a incompletude da frase feita.

Em boca fechada não entra amor
as aparências encantam
sei que quem desdenha quer mostrar
que nada como um dia só para o outro;

Santo de casa faz milagre
é só chorar sobre o peito derramado
pra ver que cada cabeça, uma defesa
e que aqui se faz, aqui se afaga.

Gregório Grisa

quarta-feira, abril 10, 2013

Baixa habilidade cognitiva está relacionada a maior grau de preconceito.


O estudo a que se refere o texto abaixo está no link: http://pss.sagepub.com/content/23/2/187.full
A pesquisa aponta que a baixa habilidade cognitiva está relacionada a maior grau de preconceito sustentado através de Ideologias de direita/conservadoras e a pouco contato com grupos diferentes ou estrangeiros.
"Não é nova a idéia de que o conservadorismo e o preconceito estão ligados umbilicalmente. Vários estudos já realizados chegaram a essa conclusão. A novidade é que o posicionamento conservador e o preconceito podem estar ligados à baixa inteligência.
Um estudo feito por pesquisadores de uma universidade de Ontario, no Canadá, chegou a conclusões bastante interessantes: adultos de baixo QI ou com dificuldades cognitivas tendem a ter atitudes conservadoras e preconceituosas (racismo, homofobia, machismo etc).
O estudo foi dirigido pelos pesquisadores Gordon Hodson e Michael A. Busseri, do departamento de Psicologia da Universidade Brock, de Ontario, e foi publicado pela revista Psychological Science.
Os dados levam a crer que as pessoas menos inteligentes se sentem atraídas por ideologias conservadoras porque estas exigem menos esforço intelectual, pois oferecem estruturas ordenadas e hierarquizadas, onde o indivíduo pode se sentir mais confortável.
É bom deixar claro que inteligência nada tem a ver com escolaridade. Há vários exemplos históricos (como a Comuna de Paris ou a Revolução Russa) em que as classes mais baixas e com menos escolaridade se mostraram as únicas capazes de pensar de maneira progressista.
Hodson afirma que “menor capacidade cognitiva pode levar a várias formas simples de representar o mundo e uma delas pode ser incorporada em uma ideologia de direita, onde ‘pessoas que eu não conheço são ameaças’ e ‘o mundo é um lugar perigoso ‘…”.
A grande contribuição dessa pesquisa pode ser a criação de novas formas de combater o racismo e outras formas de preconceito. “Pode haver limites cognitivos na capacidade de assumir a perspectiva dos outros, particularmente estrangeiros”, entende Hodson, já que a crença corrente é que o preconceito tem origens emocionais, não cognitivas."
Fonte: livrepensamento.com

segunda-feira, abril 08, 2013

Maluquices


Por Luis Fernando Verissimo 
ZH 08/04/2013

O filme “Borat” era um pseudo-documentário mostrando a ida de um maluco do Casaquistão aos Estados Unidos para fazer uma reportagem sobre a vida americana. O personagem “Borat” era fictício, mas todas as pessoas com quem ele interagia e, muitas vezes, escandalizava, na América, eram reais.

Quem se lembra do filme lembra que o único lugar em que ninguém estranha ou repele a maluquice de “Borat” é a assembleia de uma igreja pentecostal, onde estão em curso exorcismos de grupo e curas pelo toque de mãos, e fiéis pulam e correm de um lado para o outro para se livrar dos maus espíritos — porque lá a maluquice de “Borat” não destoa da maluquice ambiente. “Borat” finalmente encontra uma loucura igual à sua. Ou maior, porque não é simulada.

O anarquista Borat teria que se esforçar para igualar, em matéria de irracionalidade e desafios ao bom senso as crenças e os ritos de qualquer religião, não apenas das pentecostais. É curioso como as pessoas condenam o lamentável Marco Feliciano por coisas como a sua interpretação literal da Bíblia e sua evocação de Satanás, mas não estendem a crítica a outros, de outras religiões, que têm a mesma adesão aos dogmas da sua igreja que o lamentável tem aos da sua.

Um católico convicto e praticante também deve suspender conscientemente a razão para aceitar os princípios metafísicos da sua religião, e também acreditar na Bíblia como verdade absoluta e na ação de Satanás no mundo.

Eu sei, eu sei. A grita é contra o fato de o Feliciano, com todos os seus preconceitos e fobias, acabar presidindo uma comissão de direitos humanos. Mas aí não estamos mais tratando dos mistérios da fé, e sim dos mistérios do processo legislativo.

Ninguém me perguntou, mas apoio qualquer movimento e assino qualquer manifesto contra o obscurantismo e o sono da razão, desde que a maluquice condenada seja a de todas as religiões, e de todos os seus deuses e demônios.

No filme, os pastores da tal igreja pentecostal tratam a loucura de “Borat” como uma manifestação de Satanás, e têm os passes e as palavras prontos para curá-lo. Depois o “Borat” — ainda mais louco do que antes, mas quem está ligando? — se abandona à convulsão geral, e também sai pulando...


sábado, abril 06, 2013

SAUDAÇÃO AOS GREGOS


Por Marcos Rolim em seu site.


A sociedade que temos, assim como todas as demais, é uma criação histórica. Nossas regras de convivência, as instituições, o mercado e as leis, o poder e a resistência ao poder, tudo isto é construção humana.
A democracia – esta ideia radical segundo a qual é possível um espaço público onde as questões que interessam a todos sejam objeto de debate – foi inventada pelos gregos quando eles perceberam que a ordem social não era criada pelos deuses.  Neste momento, acabaram com o destino e inauguraram a liberdade política.

Nas últimas semanas, Porto Alegre foi invadida por jovens gregos saídos sabe-se lá de onde. Aos milhares, eles se reuniram no espaço público para protestar contra o aumento das tarifas do transporte coletivo. E cantaram e pularam e encheram as ruas de palavras de ordem e de alegria. No começo, houve quem, esgueirando-se em meio aos gregos, atentasse contra o patrimônio público. Persas infiltrados, talvez; herdeiros atormentados de Xerxes ávidos por uma revanche de Salamina, quem pode saber? O importante é que os gregos venceram e encantaram Porto Alegre. Na manifestação da última quinta-feira, foram novamente milhares de jovens, desta vez debaixo de chuva. Por onde passavam, eram aplaudidos. Das janelas dos edifícios e das paradas de ônibus, todos os saudavam. Os gregos haviam voltado para as ruas e os trabalhadores perceberam que aquela luta era também a sua luta. 

Desde as manifestações em favor do impeachment de Collor, há mais de 20 anos, não se via tantos jovens mobilizados em torno de uma reivindicação política. O que se viu em Porto Alegre não cabe, entretanto, nos formatos do passado. À frente destes jovens não há uma organização tradicional, nem lideranças como antes. O movimento que eles montaram se convoca pelo facebook e os que protestam se reúnem como as ondas e as primaveras. As bandeiras de partidos que aparecem aqui e ali não traduzem ou representam o movimento. Há, disseminada entre os jovens, a convicção de que ninguém fala em seu nome. O ativismo que eles desempenham é autoral e se reconhece em sua diversidade. Os protestos, de qualquer maneira, possuem um significado histórico. O movimento estudantil foi retomado e há um protagonismo que emerge das ruas. Ele está nas faces iluminadas de meninos e meninas que sonham com a justiça e que estão dispostos a mudar as coisas.

As coisas, sabemos, são muito fortes. Ainda mais fortes quando se acredita que não podem ser mudadas. Os conservadores de todos os perfis se dedicam a desqualificar os que lutam, porque querem que as pessoas tenham um destino. Para eles, o destino é a ordem. Não a ordem democrática, fundada no dissenso, mas a ordem da caserna, do “sim senhor”, do “isto sempre foi assim”, definida pelo deus mercado.  Por isso, para eles, tudo o que desafia o mesmo é “baderna”. O que nossos gregos fizeram foi mostrar que as coisas podem ser mudadas. Fizeram mais: mostraram que a política é completamente outra quando as praças estão repletas de sonhos e que a justiça é diferente diante de um povo de cabeça erguida.

sexta-feira, abril 05, 2013

Ciência e Religião

Deveríamos também fazer essa distinção entre Política e Religião, não se trata de ser contra a liberdade religiosa de qualquer cidadão, mas do fato de separar esferas da sociedade que a história já demonstrou que não podem ser confundidas. 

"O discurso científico oficial, desde o Iluminismo e mais ainda hoje, não tolera nenhuma menção à religião. O papel da religião em ciência transformou-se profundamente, de ator a uma memória proibida, quase embaraçosa. 
Será que essa separação entre ciência e religião é realmente necessária? Sem dúvida. O discurso científico deve ser livre de qualquer conotação teológica. Invocar religião para cobrir falhas no nosso conhecimento é , a meu ver, uma atitude anti-científica. Se existem falhas no nosso conhecimento (e sem dúvidas existem), devemos preenche-las com mais ciência e não com especulação teológica. Em outras palavras, não é o "Deus tapa buracos", invocado toda vez que atingimos o limite das explicações científicas, que faz com que a religião tenha um papel dentro do contexto científico." 

Marcelo Gleiser em " A Dança do universo", na página 187. 

Os indignados de Porto Alegre


Por Juremir Machado em seu blog.

Tinha um personagem de tevê com este bordão: “Perguntar não ofende!” Será? É a primeira pergunta. E se tivéssemos mais de aplaudir do que criticar esses jovens que tomaram as ruas de Porto Alegre em protesto contra o aumento das passagens de ônibus? E se eles estiveram quebrando o clichê de que a juventude é despolitizada? E se eles tinham razão? E se o argumento de que eram manipulados por partidos extremistas for equivalente aos usados pela direita quando outros jovens se manifestavam contra a repressão durante o período ditatorial? E se esses jovem são, como os da Espanha, da Grécia e dos Estados Unidos, os indignados de Porto Alegre? E aí?

E se a violência explícita que praticaram, sempre condenável, sem entrar no mérito de quem começou, foi a consequência perversa de outra violência pouca condenada, mas talvez mais grave, a violência implícita de um aumento nas passagens que não convenceu ninguém, pareceu abusivo e contrariou indicação do Ministério Público de Contas de que a tarifa deveria baixar? E se tudo isso foi a demonstração cabal de que os jovens não aguentam mais decisões de gabinete que parecem atender mais os interesses de empresas do que as necessidades do povo?

E se o aumento da passagem de ônibus devesse voltar a ser decidido pela Câmara de Vereadores? E se as empresas de ônibus mostrassem quanto lucram por ano, mas não em porcentagem? Um milhão? Dois milhões? Dez milhões? E se esses jovens, empurrados pela adrenalina da psicologia das massas, caíram na armadilha da violência justamente para se deslegitimarem? E se eles aprenderem rápido a evitar qualquer provocação qual poderá ser a reação de quem possa desejar que uma decisão tomada seja engolida, assimilada e esquecida? E se, por ter o Tribunal de Contas do Estado considerado inadequada a metodologia do cálculo que vinha sendo usada, as empresas fossem obrigadas a devolver o que ganharam inadequadamente? Ou a inadequação não é retroativa?

E se esses jovem representam a coragem e a politização que os adultos “sensatos” não têm mais? E se esses jovens são nossos últimos heróis? E se esses jovens estiveram clamando por transparência com perguntas cruelmente juvenis contra um pragmatismo senil: por que as empresas precisavam mesmo desse aumento? O que o justificava? A justificativa era convincente? E se esses jovens estiveram defendendo de peito aberto o interesse também dos mais velhos, as isenções para os idosos que já deram sangue e suor no trabalho e vivem com magras aposentadorias? Não teria sido esse aumento uma astúcia para derrubar o que as empresas gananciosas mais detestam e enxovalham: pessoas, jovens ou velhas, podendo andar de ônibus sem pagar ou pagando menos? E se tudo isso tiver sido uma estratégia para transformar os isentos em vilões das pobres empresas de ônibus da capital gaúcha? E se, no outono, estivermos vivendo a primavera de Porto Alegre? A liminar da Justiça que restabeleceu a tarifa de R$ 2.85 dá muitas respostas.

Os indignados podem comemorar.

terça-feira, abril 02, 2013

O primeiro embate


Por VLADIMIR SAFATLE 

Os embates em torno da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara talvez sejam o primeiro capítulo de um novo eixo na política brasileira.
A maneira aguerrida com que o deputado Marco Feliciano e seus correligionários ocupam espaço em uma comissão criada exatamente para nos defender de pessoas como eles mostra a importância que dão para a possibilidade de bloquear os debates a respeito da modernização dos costumes na sociedade brasileira. Pois, tal como seus congêneres norte-americanos, apoiados pelo mesmo círculo de igrejas pentecostais, eles apostam na transformação dos conflitos sobre costumes na pauta política central. Uma aposta assumida como missão.
Durante os últimos anos, o conservadorismo nacional organizou-se politicamente sob a égide do consórcio PSDB-DEM. Havia, no entanto, um problema de base. O eleitor tucano orgânico é alguém conservador na economia, conservador na política, mas que gosta de se ver como liberal nos costumes. Quando o consórcio tentou absorver a pauta do conservadorismo dos costumes (por meio das campanhas de José Serra), a quantidade de curtos-circuitos foi tão grande que o projeto foi abortado. Mesmo lideranças como FHC se mostraram desconfortáveis nesse cenário.
Porém ficava claro, desde então, que havia espaço para uma agremiação triplamente conservadora na política brasileira. Ela teria como alicerce os setores mais reacionários das igrejas, com suas bases populares, podendo se aliar aos interesses do agronegócio, contrariados pelo discurso ecológico das "elites liberais". Tal agremiação irá se formar, cedo ou tarde.
Nesse sentido, o conflito em torno dos direitos dos homossexuais deixou, há muito, de ser algo de interesse restrito. Ele se tornou a ponta de lança de uma profunda discussão a respeito do modelo de sociedade que queremos.
A luta dos homossexuais por respeito e reconhecimento institucional pleno é, atualmente, o setor mais avançado da defesa por uma sociedade radicalmente igualitária e livre da colonização teológica de suas estruturas sociais. Por isso, ela tem a capacidade de recolocar em cena as clivagens que sempre foram o motor dos embates políticos.
A história tem um peculiar jogo por meio do qual ela encarna os processos de transformação global em lutas que, aparentemente, visam apenas a defesa de interesses particulares.
Ao exigir respeito e reconhecimento, os homossexuais fazem mais do que defender seus interesses. Eles confrontam a sociedade com seu núcleo duro de desigualdade e exclusão. Por isso, sua luta pode ter um forte poder indutor de transformações globais.

segunda-feira, abril 01, 2013

A revolta da sala de jantar


Apesar da resistência de uma classe média urbana acostumada às vantagens da era serviçal, a chaga da exploração do trabalho das domésticas finalmente está sendo reduzida no Brasil

30 de março de 2013 |Por RICARDO ANTUNES*

Quando a classe trabalhadora inglesa, a partir do século XVIII, começou a lutar pelos diretos do trabalho, como redução da jornada (que atingia 18 horas por dia), salários dignos, intervalos para refeições, descanso semanal, férias, licença maternidade, etc, as crianças e adolescentes trabalhavam diuturnamente, sem intervalos, ao sabor dos proprietários. Pude constatar, no acervo do museu da maquinaria industrial inglesa, chamado Quarry Bank Mill, em Manchester, os caixotes minúsculos onde dormiam as crianças-operárias exploradas pela Revolução Industrial nascente, no gélido frio do norte da Inglaterra. 

Em plena expansão do mundo maquínico e sua lógica produtivista, o legítimo ingresso das mulheres nas fábricas teve como “contrapartida” patronal a redução do salário da totalidade dos assalariados, homens, mulheres e crianças. E, a cada avanço em seus direitos, a grita patronal aumentava. Era como se o capitalismo fosse acabar, e ele mal estava começando... 

Se a história é singular em suas distintas épocas, há algo de similar ocorrendo no Brasil do século 21, após a ampliação dos direitos das trabalhadoras domésticas. Nossa origem escravista e patriarcal, concebida a partir da casa grande e da senzala, soube amoldar-se ao avanço das cidades. A modernização conservadora deu longevidade ao servilismo da casa grande para as famílias citadinas. As classes dominantes sempre exigiram as vantagens do urbanismo com as benesses do servilismo, com um séquito de cozinheiras, faxineiras, motoristas, babás, governantas e, mais recentemente, personal trainers para manter a forma, valets nos restaurantes para estacionar os carros, etc. 

Como o assalariamento industrial excluiu a força de trabalho negra das fábricas (preterida em favor dos imigrantes brancos), formou-se um bolsão excedente de trabalho ex-escravo que encontrou acolhida no trabalho doméstico. E, como um prolongamento da família senhorial, manteve-se as vantagens da era serviçal. Agora, os “de cima”, para recordar Florestan Fernandes, estão novamente alvoroçados com a ampliação de direitos dos “de baixo”. Algo lhes incomoda neste avanço plebeu. 

Com as classes médias o quiproquó é maior: os seus estratos mais tradicionais e conservadores agem quase como um espelhamento deformado das classes proprietárias e vociferam a “revolta da sala de jantar”: não será estranho se começarem a defender o direito das trabalhadoras domésticas não terem os direitos ampliados. E sua bandeira principal já está indicada: são contrárias à ampliação dos direitos das trabalhadoras domésticas para lhes evitar o desemprego. 
Nos núcleos mais intelectualizados e democráticos das classes médias, há o sentimento de que uma chaga está sendo reduzida. Percebem a justeza destes direitos sociais validos para o conjunto da classe trabalhadora, ainda que sua conquista altere significativamente seu modo de vida. Mais próxima (ou menos distante) do cenário dos países do Norte, tende a recorrer cada vez mais ao trabalho doméstico diarista em substituição ao mensalista.

E isso aproxima setores da classe média ao home office, com suas conhecidas vantagens (flexibilidade do uso do tempo e sem perder horas no trânsito para o emprego) e múltiplas desvantagens (como a proximidade com a terceirização e a informalidade, o fim da separação entre espaço público e privado e o risco de perda de controle do tempo, entre outras). E pode incentivar especialmente as mulheres ainda mais em busca de trabalho em meio período, o que, se possibilita maior proximidade com os filhos, pode ampliar ainda mais a desigual divisão sexual do trabalho na esfera reprodutiva. 

Para as trabalhadoras domésticas, entretanto, a ampliação e igualdade de direitos tem o significado de uma primeira abolição. O risco de maior desemprego é claramente falacioso: primeiro porque faz tempo que elas procuram melhores qualificações para migrar para novos empregos, especialmente no comércio e serviços. É por isso que a redução da oferta de trabalhadoras domésticas vem se reduzindo a cada ano. Ao contrário, portanto, do propalado “desemprego inevitável”, a ampliação de direitos poderá até mesmo ampliar a oferta de trabalho. Uma parcela destas trabalhadoras pensará duas vezes se compensa recorrer ao call center e telemarketing, onde a burla e a informalidade também não são exceções. 

Combater a informalidade que atinge mais de 70% desse contingente (dos quais mais de 90% são mulheres e mais de 60% negras) será uma bandeira decisiva dos sindicatos das trabalhadoras domésticas que devem avançar sua organização e aumentar sua força buscando a regulamentação efetiva dos direitos. E esta sim, será uma consequência importante da ampliação de direitos, que tanto incomoda aos conservadores. 

*RICARDO ANTUNES É PROFESSOR TITULAR DE SOCIOLOGIA DO TRABALHO NA UNICAMP E AUTOR, ENTRE OUTROS, DE OS SENTIDOS DO TRABALHO (ALMEDINA, COIMBRA). SEU NOVO LIVRO, RIQUEZA E MISÉRIA DO TRABALHO NO BRASIL, VOL. II (BOITEMPO), ESTÁ NO PRELO