quarta-feira, maio 18, 2011

Classe média não quer babá de cor

Obs: o jornalista e o geógrafo que o texto cita são: Ali Kamel (editor do jornal nacional) e Demétrio Magnoli (papagaio das elites que está sempre na mídia)

Por Rodrigo Vianna do blog http://www.rodrigovianna.com.br

Véspera do feriado da Consciência Negra. Minha mulher liga para uma agência de empregos, pedindo indicação de uma babá pra trabalhar em casa. A coordenadora da agência, muito solícita, engata de primeira: “pode ser uma pessoa “de cor”, ou a senhora tem alguma restrição? Desculpe, mas muita gente que liga pra cá não quer babá “de cor”, por isso eu tô perguntando”.

Minha mulher disse que não tinha problema com isso, não. A moça do outro lado deu uma risada sem graça. Eu não dei risada quando minha mulher contou o episódio.

Achei patético. Essa é a classe média brasileira, pensei com meus botões. A mesma classe média que escreve livros – também patéticos – para “provar” que “Não Somos Racistas”. Freud explica esse título na negativa. Já reparou nas crianças que cometem uma traquinagem? Quando o pai chega perto, sem perguntar nada, a criança já se entrega: “não fui eu”, “não fiz nada”. É o famoso processo da negação. “Não Somos racistas”… Sei.

Um dos argumentos desse povo que diz não haver racismo no Brasil chega a ser hilariante: “racismo não pode haver, porque raça não existe; é um conceito equivocado, que não se sustenta biologicamente”. Percebem a sutileza? Como não existe raça, então não pode haver racismo. Pronto, está resolvido. Com isso, evita-se a discussão sobre preconceito, sobre nossa história de Escravidão, sobre a tradição de nossas elites que sempre trataram os negros como mercadoria.

Certa vez, troquei umas mensagens com esse personagem sinistro que, na direção do jornalismo da Globo, tenta provar sua tese de que “Não Somos Racistas”. Eu escrevi pra ele, reclamando de uma reportagem sobre racismo, que fiz para o Jornal Nacional , mas que nunca foi ao ar (já contei esse episódio, numa entrevista para o Marcelo Salles, no site “Fazendo Media” http://www.fazendomedia.com/novas/entrevista120407b.htm). Travei com esse personagem sinistro da Globo, por e-mail, um pequeno debate sobre o tema do racismo. Tentei lembrar a ele as raízes históricas do racismo no Brasil… O sujeito teve o desplante de afirmar que nem na época Colonial o problema era tão sério, já que negros, muitas vezes, podiam ser proprietários de escravos… É de doer!

Negros podiam ser proprietários de escravos (em casos raríssimos), desde que escondessem sua condição de negros. Era a estratégia do branqueamento, que já foi estudada por dezenas de pesquisadores. Esse é o tipo do argumento que tenta provocar confusão: “olha, tanto faz a cor, havia negro escravo, negro proprietário de escravos…” Tenha dó.

É gente assim que tenta derrubar as quotas para negros nas universidades, argumentando que isso – sim – provocaria ”racismo”.

Felizmente, essa foi uma das poucas áreas em que governo Lula avançou, sem medo. E avançou porque o movimento social pressionou. O fato é que as quotas se consolidam (apesar da gritaria dos “jornalistas” e “geógrafos” muito bem pagos para defender as teses de nossas elites), vão virar até lei nas Universidades Federais.

Para a gloriosa classe média brasileira, restará o papel patético (desculpem a repetição , mas é o adjetivo perfeito para esse povo) de estabelecer quotas ao contrário, vetando gente “de cor” para cuidar das criancinhas brancas do Leblon e de Higienópolis.

segunda-feira, maio 16, 2011

E se falarmos de “eticamente correto”?


Por Rodolfo Vianna, do Observatório do Direito à Comunicação

Rafinha Bastos, humorista e apresentador do programa CQC, fez uma piada em um dos seus shows que logo repercutiu por toda a internet: mulher feia que é estuprada não tem que reclamar, tem que agradecer. O relato está no perfil do comediante publicado na edição de maio da revista Rolling-Stone.

Auto-denominado politicamente incorreto, Rafinha insiste na pertinência da sua piada e diz que a função do humor é provocar. Aliás, ouve-se de praticamente todas as bocas dos atuais comediantes brasileiros (e com ecos significativos no conjunto da sociedade) a necessidade de se combater o “politicamente correto” pelo humor. Mas, afinal, do que se trata esse combate?

É constituinte do humor a transgressão. Ele se estabelece por uma ruptura, um estranhamento, num “esforço inaudito de desmascarar o real”, nas palavras do historiador Elias Thomé Saliba em seu livro Raízes do riso. E existe toda uma longa tradição humorística que relaciona o riso à liberdade, à infração das normas que sufocam os sujeitos em determinados contextos históricos, à revelação do inaceitável frente ao aceitável imposto, etc.

Mas também existe a tradição que relaciona o humor ao preconceito, às generalizações e às ofensas. As piadas, por esta tradição, refletem, cristalizam, e alimentam um universo simbólico calcado na desigualdade, na relação hierárquica com o Outro pelo vetor da superioridade/inferioridade, no desprezo e na segregação.

É certo, por sua vez, que o que se denominou de “politicamente correto” também carrega certos excessos que atuam como normas sufocantes aos sujeitos, mas não se pode ignorar que o seu núcleo sólido é resultado de tensões, conflitos e lutas históricas e sociais daqueles agentes que antes eram alvos da segregação e preconceito manifestado pelo riso de outros agentes hegemônicos. E há de se ter claro também que a linguagem é um palco privilegiado onde se manifestam esses conflitos.

Sendo assim, o que se percebe atualmente no combate ao dito “politicamente correto” é uma confusão relacionada a qual caminho seguir pela transgressão: transgride rumo à tradição libertária do humor ou transgride rumo à tradição preconceituosa e segregante? Cruza-se a fronteira do “politicamente correto” rumo ao progresso ou rumo ao atraso?

Nota-se ainda que muitos humoristas atualmente, sob a premissa de ser contra o “politicamente correto”, marcham para trás: acreditando estarem avançando em direção ao caráter libertário do humor, recuam e reforçam justamente o caráter conservador e perverso do riso. Sob a bandeira do combate à hipocrisia tornam-se hipócritas.

Ironicamente, a batalha desses humoristas contra o “politicamente correto” só explicita a necessidade de sua existência. E se a expressão está desgastada e pode soar para alguns como normas impostas que os sufocam, normas estas externas e que minam sua liberdade, pensemos, então, em “eticamente correto” (que é redundante: ou algo é ético ou anti-ético). A ética, por sua vez, é constituída por valores que devem nortear a relação de um indivíduo com os outros, implica responsabilidade e tem seus princípios fundamentais – e deve permear todas as esferas da prática individual.

O riso não pode servir de álibi para uma ação eticamente condenável. E como escreveu Wittgenstein em um dos seus Aforismos, “o humor não é um estado de espírito, mas uma visão de mundo”, há de ser contra toda visão de mundo preconceituosa, que segrega e inferioriza. A história deve marchar para frente, avançar guiada pelo princípio ético da igualdade, e em hipótese alguma retroceder – nem se for de “brincadeira”.


*Rodolfo Vianna é jornalista e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

sexta-feira, maio 13, 2011

Luiza Bairros: A pobreza e a cor da pobreza

LUIZA BAIRROS, na Folha de S. Paulo, em 13.05.2011

Os negros têm a oferecer suas estratégias de resistência ao racismo, que, desde o período colonial, interpôs obstáculos à afirmação da humanidade

Em “Leite Derramado”, mais recente romance de Chico Buarque, há um personagem que, ao se referir com ironia ao radicalismo de seu avô abolicionista, afirma que ele “queria mandar todos os pretos brasileiros de volta para a África”.

Nessa visão, abolicionismo radical equivalia a se livrar dos negros. De todo modo, após 1888, as elites brasileiras irão se comportar como se os libertos, que as serviram por quase quatro séculos, não estivessem mais aqui. Mas estavam, e por sua própria conta.

No início do século 20, eram frequentes os prognósticos sobre o desaparecimento da população negra, que supostamente não sobreviveria ao século.

Ao mesmo tempo em que se criticavam as soluções de laboratório defendidas pelo ideário eugenista, em voga aqui e em muitos países, também se apostava no embranquecimento via miscigenação.

Mais tarde, ao se debruçar sobre os resultados do Censo de 1940, Guerreiro Ramos considerou “patológico” o desequilíbrio nas respostas ao quesito cor, tendentes, em sua esmagadora maioria, a sobrevalorizar a cor branca.

Na contramão dessa tendência, os dados censitários de 2010, há pouco divulgados, confirmam o que já se delineava no Censo de 2001: iniciativas de valorização da identidade, com origem nos movimentos negros e hoje em processo de institucionalização, asseguraram a maioria negra em uma população que ultrapassa 190 milhões de brasileiros.

Nesse longo percurso de afirmação, as mudanças não se limitaram a uma percepção de si mais positiva, exclusiva dos afro-brasileiros.

A consciência negra avançou em conexão íntima com a consciência social como um todo. Não se trata, portanto, da mera substituição de um segmento populacional dominante por outro, mas do reconhecimento de que os valores do pluralismo ajudam em muito a consolidar nosso processo democrático.

Contudo, ainda persistem dificuldades a serem enfrentadas.

Hoje, temos uma sólida base de dados, que mostra reiteradamente que mulheres e homens negros estão entre os brasileiros mais vulneráveis, numa proporção muito maior do que sua presença relativa na população total.

Por isso, a priorização da erradicação da pobreza extrema pelo governo da presidenta Dilma abre possibilidades inéditas de abordar rica e diversificada experiência humana, que ainda precisa ser considerada em toda a sua amplitude.

O sucesso das iniciativas de combate à pobreza extrema requer a reversão de imagens negativas, a superação de práticas discriminatórias e o redimensionamento dos valores de cultura e civilização que, afinal, contra todas as expectativas, garantiram a continuidade dos descendentes de africanos no país.

Quando o assunto é superação da pobreza extrema, é justo supor que os negros tenham algo a dizer.

Segmentos empobrecidos de outros grupos raciais também o terão, é certo. Mas os negros têm a oferecer suas estratégias de resistência ao racismo, que, desde o período colonial, interpôs obstáculos ideológicos e culturais à afirmação plena de sua humanidade -a base das desigualdades de renda e de oportunidades que ainda vivenciam.

Assim, no atendimento a direitos básicos que articulam renda, acesso a serviços e inclusão produtiva, é preciso tornar visíveis e valorizar dimensões da pessoa e do universo afro-brasileiro que desempenham papel decisivo na conquista da autonomia. Todos somos humanos, e a resistência aos processos desumanizadores do racismo é, de longe, a maior contribuição dos negros à cultura brasileira.

*LUIZA BAIRROS é ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República.

sexta-feira, maio 06, 2011

As escolas Itinerantes do MST

A possibilidade de reabertura das escolas Itinerantes dos acampamentos do MST reabre um debate caro para a educação no estado do RS. Quem conhece sabe que, para além de garantir o direito das crianças acampadas à educação, as Itinerantes representam um espaço de formação e convivência fundamental na luta pelo direito a terra. Um dos principais argumentos utilizados pelo Ministério Público e pela antiga gestão do estado para o fechamento dessas escolas era o de que elas praticavam uma “lavagem cerebral”, isto é, um trabalho pedagógico de cunho ideológico específico.

Para virar do avesso esse frágil argumento, podemos dizer que todas as escolas, sejam elas públicas, particulares de cunho religioso, comunitárias ou cooperativadas, todas praticam um trabalho ideológico específico vinculado aos seus interesses. A base curricular das Itinerantes segue os parâmetros da legislação estadual como qualquer outra, o que se agrega é uma metodologia e conteúdos que são peculiares da vida do campo e politicamente legítimos, sendo preservada a autonomia didática dos movimentos sociais.

A falsa polêmica desse debate se desnuda ao entendermos a razão do desconforto de setores da sociedade com a existência do MST e de suas escolas. A escola tradicional urbana e grande parte da mídia (precavendo-me de qualquer generalização) refletem valores hegemônicos e reproduzem como única versão de sociabilidade as relações sociais estabelecidas. Porém, a referência da prática pedagógica do MST é uma interpretação da realidade que problematiza e relativiza essas relações estabelecidas. É condição sine qua non que o processo de reabertura garanta estrutura física mínima para as Itinerantes e que os educadores sejam vinculados ao movimento e com formação para trabalhar a Educação do Campo e não no campo.

Gregório Grisa

segunda-feira, maio 02, 2011

Educação não é único fator para determinar ascensão social

Fonte: Portal Aprendiz

A expansão da economia e o aumento do acesso à educação no Brasil não foram suficientes para diminuir a polarização entre pobres e ricos. A afirmação é do secretário executivo adjunto do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais, Pablo Gentilli, que norteou o debate “Política e gestão da educação na dimensão da justiça e da diversidade social e cultural”, realizado na última semana, durante o II Congresso Ibero-americano de Política e Administração da Educação, em São Paulo (SP).

“Houve tênue diminuição da desigualdade no Brasil e este continua sendo o pior problema dos países latinos como um todo. Há relação entre educação e bem-estar social, no entanto este não é o único fator para o sujeito conseguir um bom emprego e ascender socialmente”, disse Gentilli.

Para o secretário, nos anos 90, os países na América Latina enfrentaram dificuldades relacionadas ao crescimento econômico, mas, nos últimos anos, esse quadro tem melhorado. Os sistemas educacionais também estão se desenvolvendo. “Houve impressionante avanço, principalmente com o aumento do acesso de pessoas de baixa renda e de mulheres às instituições de ensino”, afirmou.

Mesmo assim, pesquisas revelam que pessoas com mesma idade e nível educacional, morando no mesmo município, acabam recebendo salários diferentes. Gentilli explicou que, basicamente, duas questões influenciam a situação: diferenças de gênero e de cor da pele.

“Um homem branco com ensino médio completo, de 20 a 24 anos, ganha salário inicial, em média, de R$ 355. Já uma mulher negra, da mesma escolaridade e idade, recebe apenas R$ 178. Dados mostram que, se ela quiser se formar em medicina, encontrará dificuldade 80% maior que um homem branco”, apontou.

Além disso, o secretário lembrou que os negros e as mulheres têm maior probabilidade de ficarem desempregados e menos oportunidade de serem contratados.

“Claro que um nível de escolaridade maior facilita para conseguir uma situação financeira melhor. Mas, na comparação de duas pessoas em condições iguais de disputa por um emprego, o mercado premia alguns e discrimina outros. O racismo institucionalizado tem amortizado conquistas sociais”, completou o secretário.

De acordo com o professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Miguel González Arroyo, já que o racismo e o sexismo são estruturais, é necessário que o poder público pense não apenas em políticas de desenvolvimento, mas também políticas da diversidade.

“Movimentos sociais lutam não só pelo acesso à educação, mas, primeiro, para serem reconhecidos. Na medida em que há avanço em políticas da igualdade, percebe-se que é impossível não falar da diversidade. Impossível ignorar questões étnico-raciais na formulação dessas políticas públicas”, explicou.

Educar para a vida

Segundo o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, atualmente, no Brasil, há ênfase na formação voltada para o mercado de trabalho. Mas, para ele, não é apenas essa a demanda da sociedade. “Estamos prisioneiros de uma alienação, com jornadas de trabalho cada vez mais longas, que descola a realidade da perspectiva educadora”, ressaltou.

“Não se pode mais ter a concepção de que apenas as crianças e jovens devem estudar. Precisamos pensar na educação para a vida toda e não só para o trabalho, mas para atuar dentre as diversas questões complexas da sociedade. Reconhecer a educação como espaço de reconstituição da sociabilidade é essencial”, concluiu.