quinta-feira, setembro 30, 2010

Degradação do Judiciário

Obs: sou crítico em relação ao formato do nosso "Estado democrático de direito", mas isso não vem ao caso agora. Trago esse texto escrito na época da nomeação de Gilmar Mendes para o STF pelo então presidente FHC, pois ele nos ajuda a entender aquele contexto e a figura deste representate do conservadorismo e da direita nacional que tanto poder tem no judiciário. Espero que o Toffoli não se transforme em uma espécie de escudo e produtor de estratagemas jurídicas na versão do PT.

DALMO DE ABREU DALLARI

Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e civilizado se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome por parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para impedir arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os direitos consagrados nos dispositivos constitucionais.

Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado da ética.

Essas considerações, que apenas reproduzem e sintetizam o que tem sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático de Direito, são necessárias e oportunas em face da notícia de que o presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica.

Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. Por isso é necessário chamar a atenção para alguns fatos graves, a fim de que o povo e a imprensa fiquem vigilantes e exijam das autoridades o cumprimento rigoroso e honesto de suas atribuições constitucionais, com a firmeza e transparência indispensáveis num sistema democrático.

Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa, estaria sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte. Além da estranha afoiteza do presidente -pois a indicação foi noticiada antes que se formalizasse a abertura da vaga-, o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país.

É oportuno lembrar que o STF dá a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas e terá papel fundamental na promoção da responsabilidade do presidente da República pela prática de ilegalidades e corrupção.

É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo especializou-se em “inventar” soluções jurídicas no interesse do governo. Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, “inventaram” uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais.

Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e deram fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e tribunais, contra atos de autoridades federais.

Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um “manicômio judiciário”.

Obviamente isso ofendeu gravemente a todos os juízes brasileiros ciosos de sua dignidade, o que ficou claramente expresso em artigo publicado no “Informe”, veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (edição 107, dezembro de 2001). Num texto sereno e objetivo, significativamente intitulado “Manicômio Judiciário” e assinado pelo presidente daquele tribunal, observa-se que “não são decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo”.

E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do dr. Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na “indústria de liminares”.

A par desse desrespeito pelas instituições jurídicas, existe mais um problema ético. Revelou a revista “Época” (22/4/ 02, pág. 40) que a chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público -do qual o mesmo dr. Gilmar Mendes é um dos proprietários- para que seus subordinados lá fizessem cursos. Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na “reputação ilibada”, exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo.

A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou “ação entre amigos”. É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática.

Dalmo de Abreu Dallari, 79, advogado, é professor emérito da Faculdade de Direito da USP.

quarta-feira, setembro 29, 2010

A vida é pra valer a vida é pra levar...

Era naquela casinha marrom de dois cômodos, a rua sem saneamento básico. Breno brigara com o mestre da obra, Dalva esperando o quinto herdeiro há seis meses, (e o Breno há 4 dias). Dalva tem sua casa e a de dona Ornela pra dar conta, tem que entrar na fila do SUS atrás da ficha da consulta pra caçula, tem que ir à escola do Jeremias, foi chamado da direção e ainda não pode faltar à aula noturna, está se alfabetizando numa classe de EJA, pois quer assinar a carteira de trabalho um dia. Em meio a essa rotina, Breno volta com a noticia da perda do emprego e com o resultado que a mesma provocou. Era melhor ele não ter vindo naquele dia, mas Dalva nem sondou a hipótese de dar queixa. Perguntada sobre sua situação, Dalva observa:
- Devo tudo que tenho à Dona Ornela, que quase sempre me paga em dia, e quando não paga, manda algo pras crianças.

OBS: escrevi e postei esse texto, nesse mesmo blog em novembro de 2006. Mudei o título.

Perfil mundial e latino-americano

A Universidade de Bergen, na Noruega, desenvolve um Programa Internacional de Estudos Comparativos sobre a Pobreza. Suas análises, como observa o cientista social Atílio A. Boron, da Argentina, têm desmoralizado o discurso oficial elaborado, nos últimos trinta anos, pelo Banco Mundial, e reproduzido incansavelmente pelos grandes meios de comunicação, autoridades governamentais, acadêmicos e intelectuais.

Hoje, habitam o planeta 6,8 bilhões de pessoas. Das quais, 1,2 bilhão são desnutridos crônicos (FAO, 2009); 2 bilhões não têm acesso a medicamentos (www.fic.nih.gov ); 884 milhões vivem sem água potável (OMS/UNICEF, 2008); 924 milhões estão sem teto ou se abrigam em moradias precárias (ONU Habitat, 2003); 1,6 bilhão não dispõem de eletricidade (ONU, Habitat, Urban Energy); 2,5 bilhões não contam com saneamento básico (OMS/UNICEF, 2008); 774 milhões de adultos são analfabetos (www.uis.unesco.org ); 18 milhões morrem, por ano, devido à pobreza, a maioria crianças com menos de 5 anos (OMS); 218 milhões de jovens, entre 5 e 17 anos, trabalham em regime de semiescravidão (OIT: La eliminación del trabajo infantil: un objetivo a nuestro alcance, 2006)

Entre 1988 e 2002, os 25% mais pobres da população tiveram sua participação na renda mundial reduzida de 1,16% para 0,92%. A parcela 10% mais rica, que antes dispunha de 64,7% da riqueza mundial, ampliou sua fortuna, passou a dispor de 71,1%. O enriquecimento de uns poucos tem, como contrapartida, o empobrecimento de muitos, alerta Boron.

Apenas este aumento de 6,4% da fortuna dos mais ricos seria suficiente para duplicar a renda de 70% da população mundial! O que significaria salvar milhares de vidas e reduzir a penúria e o sofrimento dos mais pobres. Boron enfatiza: tal benefício se obteria tão somente redistribuindo os ganhos adicionais, entre 1988 e 2002, dos 10% mais ricos da população mundial, sem tirar um centavo de suas exorbitantes fortunas. Infelizmente tal medida soa inaceitavelmente odiosa para as classes dominantes do capitalismo mundial.

Eis a conclusão de Boron a partir dos dados da universidade norueguesa: “Se não se combate a pobreza (nem se fala em erradicá-la sob o capitalismo) é porque o sistema obedece a uma lógica implacável centrada na obtenção do lucro, na concentração de riqueza e no aumento incessante da pobreza e da desigualdade econômica-social.”

Se 2/3 da humanidade vivem, segundo a ONU, abaixo da linha da pobreza (= renda mensal inferior a US$ 60), não se pode considerar o capitalismo um sistema exitoso. Como o socialismo do Leste europeu, ele também fracassou. A diferença é que fracassou para a maioria da população mundial. E entre aqueles que celebram equivocadamente sua vitória – para eles, bem entendido -, a maioria não se dá conta de que o capitalismo causa desagregação social, destruição do meio ambiente, corrupção política, crise moral e incremento de conflitos bélicos.

Na América Latina, em fins de maio a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, vinculada à ONU) alertou para a dilatação dos níveis de desigualdade social. Embora o PIB continental possa crescer cerca de 4% este ano, há muita disparidade no interior dos países. No Brasil, por exemplo, Brasília é nove vezes mais rica do que o Piauí. No Peru, a região andina de Huancavelica é sete vezes mais pobre do que a parte costeira de Moquegua, no sul.

Há “territórios vencedores e perdedores”, afirmou a secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena, na apresentação do informe. O desafio é “crescer para igualar”, e o Estado deve cumprir um papel mais ativo nesse sentido, e não deixar a tarefa para o mercado, propôs Bárcena.

As nações com maiores desigualdades são Bolívia, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Paraguai, Peru e República Dominicana, que, no biênio 2007/8, investiram, em média, apenas US$ 181 por pessoa em políticas sociais. Brasil, Argentina, Chile, Costa Rica, Panamá e Uruguai investiram, em média, US$ 1.029 naquele mesmo período. Esse bloco ostenta o maior PIB por pessoa na América Latina. A meio caminho estão Colômbia, México e Venezuela, com investimento médio de US$ 619.

O acesso à educação é um funil perverso. Entre jovens mais pobres, apenas 1 em cada 5 conclui o ensino médio. Entre os mais ricos, 4 em cada 5 o concluem.

Segundo a Cepal, para reduzir essa iniquidade, os países com menor gasto social teriam que investir entre 6% e 9% do PIB para assegurar cesta básica mensal à sua população menor de 5 anos, ao grupo com idade acima dos 65 e aos desempregados. No caso das crianças entre 5 e 14 anos, o cálculo se baseia na metade da cesta. O custo para as nações com maior gasto social oscilaria entre 1% e 1,5% do PIB e, para os países intermediários, entre 2% e 4%.

Apesar desses desafios, a Cepal reconhece um significativo aumento do gasto social global na América Latina: entre 1990 e 2008, passou de 12% para 18%. Houve também queda da pobreza regional: entre 2002 e 2008, baixou de 44% para 33%. No entanto, considera tais avanços insuficientes. O gasto social precisa aumentar ainda mais, sobretudo agora que o impacto da crise mundial provoca perda do poder aquisitivo das famílias e arrasta 9 milhões de pessoas para a pobreza.

* Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros.

segunda-feira, setembro 27, 2010

O banco do pôr do sol


Na frente da pensão “Palco” há um banco com as bases de concreto, os assentos e o encosto de madeira, verde é a cor da parte vinda de um caule qualquer e cinza a advinda da “massa”. O banco de três lugares nunca é plenamente ocupado, pelo constrangimento que é sentar-se com as coxas coladas a outras, por vezes desconhecidas. Alfredo costuma ver o movimento, na maioria das vezes ao fim de tarde, nesse banco e ao baixar essa semana para fazê-lo se surpreendeu com um senhor sentado. Trata-se de um novo hóspede, calça jeans “Pierre Cardin”, cinto e sapatos pretos, camisa cinza pra dentro da calça e uma generosa careca.
Descrição tão detalhada é bondade de quem narra, Alfredo pouco nota em primeiras impressões, o brilho da calvície talvez. Nosso jovem rodeou o banco por alguns minutos matutando um estratagema para se abancar, mas não sentou enquanto a formalidade do convite não se procedera. A conversa se deu naturalmente, ao contrário do esperado, e seus meandros introdutórios e de apresentação, muito comuns, serão furtados de sua ciência caro leitor. O necessário, a saber, é que Alceu era funcionário público, mas no fundo gostaria de ser pintor.
Bom falador o novo hóspede já havia elogiado o contraste do amarelo da pensão com o verde do banco e o colorido do jardim triangular que faz companhia a este. Do tema da literatura transitaram para a pintura e artes em geral. Alfredo, como bom curioso e ouvinte que é se portava atento quando Alceu lhe explicava algumas coisas sobre as curvas de Van Gogh, sobre as retas coloridas e, as esculturas inovadoras de Picasso e ainda os auto-retratos de Rembrandt. Percebia-se que aquele senhor dedicara algum tempo da vida para entender do que gostava e antes de subir para o banho ele ainda falou um pouco sobre suas impressões da cidade, das pessoas genericamente, todavia, com conteúdo.
Surpreso tanto com seu desconhecimento sobre arte, quanto com a facilidade de refletir sobre o mundo do seu novo colega de pensão, Alfredo pensava consigo que só pintar coisas bonitas não iria reservar na história e na cultura lugar tão especial para as pessoas que Alceu mencionara. Era preciso um estudo sobre a história da arte, poesia, filosofia e um olhar muito apurado sobre o ser humano e a sociedade para produzir obras tão significativas em seus contextos. Alfredo aprendeu que a iconografia pode ser um meio, em determinados períodos da história, pelo qual se expressam os sentimentos e as ideias políticas de um modo mais fecundo e mavioso que a própria escrita.

sexta-feira, setembro 24, 2010

Meu álbum levaram e as revistas quero que levem


O trajeto que faço de ônibus para ir a universidade é um tanto longo, dura uns 40 minutos. Hoje em dia há ar condicionado, rádio e televisão nesse meio de transporte coletivo, ontem fui de frente para uma tela de umas 20 polegadas. Na minha frente duas senhoras conversavam sobre o tema que passava na televisão, era a quinta vez que o horóscopo daquele dia era listado signo por signo. O assunto era carregado por forte crença na perspectiva apresentada pelas sugestões e elucubrações dos astros.
Fui à aula de espanhol e depois resolvi passar no museu de astronomia que é perto do meu campus, já que tinha um bom tempo até a próxima atividade. O lugar estava pouco movimentado e casualmente havia uma exposição sobre a diferença entre astrologia e astronomia, e isso não poderia me remeter a outra coisa se não ao ônibus. Falei com o curador da exposição que estava sedento por dúvidas simples como as que eu tinha. Porque as pessoas creem tanto no horóscopo? Fiz essa pergunta, timidamente, mas fiz.
Ele começou me dizendo que essa questão transcendia sua alçada, mas que ele poderia me explicar um pouco do que é a astrologia e suas diferenças em relação à astronomia. Eu queria saber essa resposta antes da explicação que viria, não gosto que as pessoas pensem que sou senso-comum, dias desses achei que minha professora pensou isso de mim, mas enfim.
O professor disse:
- bom Alfredo a astrologia, essa do horóscopo dos jornais e revistas é baseada em uma crença, superstição ou dogma, como queira, foi desenvolvida no século II d.c pelo filósofo Claudius Ptolomeu e segue exatamente a mesma até hoje, sem nenhuma atualização, apesar da descoberta de outros planetas e do fato de que o eixo de rotação terrestre não ser mais o que Ptolomeu presumia. Há duas formas de você observar o mundo, através da fé e das superstições ou através da lógica, da observação e das evidências e basicamente essa é a diferença entre a astrologia (estática) que corresponde a primeira e a astronomia (dinâmica) que equivale à segunda forma.
Nessa exposição podemos ver que a luz das estrelas mais próximas foi gerada na época dos dinossauros, que exitem no mínimo 100 milhões de galáxias como a nossa pequena Via láctea, entre outras coisas. Pensei comigo, primeira coisa que vou fazer é jogar fora aquelas revistas que guardo com a parte do signo de libra grifada, e o baralho de tarô como já menti para os meus amigos que foi presente de uma moça vou ter que mantê-lo e se indagado sobre minha crença nele irei salientar seu valor estético na decoração do quarto. Entenderam minha timidez ao perguntar sobre o assunto?

quarta-feira, setembro 22, 2010

Bons clássicos


Louvor do esquecimento

Bom é o esquecimento.
Senão como é que
O filho deixaria a mãe que o amamentou?
Que lhe deu a força dos membros e
O retém para os experimentar.

Ou como havia o discípulo de abandonar o mestre
Que lhe deu o saber?
Quando o saber está dado
O discípulo tem de se pôr a caminho.

Na velha casa
Entram os novos moradores.
Se os que a construíram ainda lá estivessem
A casa seria pequena de mais.

O fogão aquece. O oleiro que o fez
Já ninguém o conhece. O lavrador
Não reconhece a broa de pão.

Como se levantaria, sem o esquecimento
Da noite que apaga os rastos, o homem de manhã?
Como é que o que foi espancado seis vezes
Se ergueria do chão à sétima
Pra lavrar o pedregal, pra voar
Ao céu perigoso?

A fraqueza da memória dá
Fortaleza aos homens.

Bertold Brecht, in 'Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas'

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"Toda a emoção verdadeira é mentira na inteligência, pois se não dá nela. Toda a emoção verdadeira tem portanto uma expressão falsa. Exprimir-se é dizer o que se não sente."

Fernando Pessoa em
"Caracterização Individual dos Heterônimos".

terça-feira, setembro 21, 2010

Explicação da Eternidade

devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim.

José Luís Peixoto, in "A Casa, A Escuridão"

sexta-feira, setembro 17, 2010

Para além do mesmo

A poesia é pequena
não na sua excelência,
mas na eficiência,
pois seu destino
depende um tanto
da sua pouca aparência

E esta não é, no caso
antônimo de essência
e sim o quão aparece
no cotidiano tristeza;

Não há costume que valha
nem valor que se preze
se não sonhar no abstrato
se não rimar com o universo

Os valores que temos
e os costumes também
não consideram o que lemos
nem a poesia que vem.

quarta-feira, setembro 15, 2010

Eleições

Aula magna do departamento de humanidades da universidade. A rouquidão não iria incomodar Alfredo, já que a audição seria o sentido a usar. Ainda com sono, não acostumado a atividades diurnas, o rapaz se dirigia ao salão de atos e tinha como companhia passos de pessoas de várias áreas do conhecimento, haja vista o tema da palestra, “Literatura e eleições”. Era um período de efervescência política e nosso estudante de letras não acumulava informação e simpatia pelo processo corrente.

Barba branca e rala, calça de veludo, camisa polo e sandálias era a estirpe do despojado professor responsável pela aula. Durante a interessante fala a plateia se manteve atenciosa, os vínculos entre escritores clássicos e o cotidiano contemporâneo, a poesia e as relações políticas forjaram de sapiência àquela hora e meia.

- Walter Benjamin, um dos maiores críticos literários da história, no livro Passagens faz constantes referências a Baudelaire (poeta francês) e o tem como o pai da poesia moderna, aquele que melhor compreendeu as mudanças radicais da sensibilidade humana advindas com as grandes metrópoles e a revolução industrial.

Falas como essas do palestrante provocaram significativa curiosidade epistemológica em Alfredo, que apesar de ter dificuldade de relacionar aquilo com as chatas eleições se mostrava acessível. Se levantando para sair, já na parte das perguntas, Alfredo avista sua professora favorita que já com o microfone fazia uma indagação ao professor, a pergunta parecia uma dúvida que Alfredo tinha, mas que seu cérebro ainda não conseguira formular.

Como fazem aqueles que encaram a política como uma chatice e uma perda de tempo, que vivem o senso-comum para escolher adequadamente seus candidatos? A resposta do palestrante:

- a primeira coisa que se tem a fazer para optar é se perguntar o que quero para o mundo e para a sociedade realmente, respondido isso pergunte, isso é o que eu quero ou o que quero que os outros pensem que eu quero? Porque que eu quero isso para a sociedade? Quem me fez pensar assim? Qual a influência do que meus amigos querem sobre o que eu quero, ou penso que quero? Não são questões simples, mas se realmente descobrir o que quer para a sociedade, se dará conta que a maioria dos candidatos potenciais vencedores e a maioria das pessoas que formam sua opinião não darão conta de fazer o que você quer.

Alfredo, parado de pé incomodando a visão das pessoas sentadas, boquiaberto nem ouvia os reclames por tal fato, terminou de ouvir a resposta e tomou o rumo da saída emburrado e tristonho, o primeiro por descobrir que, apesar da formação, vive no senso-comum e o segundo por achar que sua professora podia pensar isso dele, o que acabaria com suas chances já platônicas.

segunda-feira, setembro 13, 2010

Um pouco de Ghoete

Tão propenso anda o homem a se dedicar ao que há de mais vulgar, com tanta facilidade se lhe embotam o espírito e os sentidos para a impressão do belo e do perfeitos, que por todos os meios deveriamos conservar em nós essa faculdade de sentir.
Pois não há quem possa passar completamente sem um prazer como esse, e só a falta de costume de desfrutar algo bom é a causa de muitos homens encontrar prazer no frívolo e no insulto, contanto que seja novo. Deveriamos diariamente ouvir ao menos uma pequena canção, ler um belo poema, admirar um quadro magnífico e, se possível, pronunciar algumas palavras sensatas.


GHOETE, Yohann W.

Daniel Dantas desmata, Greenpeace denuncia e JBS confirma crime ambiental

O Greenpeace realizou na semana passada denúncia formal ao Ministério Público Federal (MPF) do Pará sobre um novo foco de desmatamento na Fazenda Eldorado do Xingu, pertencente à Agropecuária Santa Bárbara, ligada ao grupo Opportunity, do empresário Daniel Dantas.

A organização ambientalista cruzou informações de satélite do governo com as imagens georeferenciadas da propriedade rural, que apontou o desmatamento de 450 hectares de floresta entre abril e junho deste ano.

Em nota, a empresa negou que tenha realizado desmatamentos ilegais na fazenda. Mas a JBS, maior companhia de carne bovina do mundo, informou que suspendeu as compras de boi da propriedade depois da divulgação das imagens pelo governo. "Essa fazenda está suspensa para nós", afirmou ao Valor Angela Garcia, porta-voz da empresa.

O frigorífico diz ter comprado gado bovino da propriedade pela última vez em 26 de junho, quatro dias antes da divulgação das imagens oficiais. A companhia não informou o volume de carne oriunda da Eldorado do Xingu.

O desmatamento entre os meses de abril e junho foi apontado pelo Deter, levantamento mensal do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que serve para agilizar as ações de fiscalização das autoridades ambientais. Em São Félix do Xingu, onde está a propriedade denunciada, o sistema apontou aproximarmente 988 hectares de floresta nativa destruídos nesse mesmo período - a Fazenda Eldorado do Xingu, portanto, foi responsável por quase a metade da área.

A localização exata da propriedade e a sobreposição da sua imagem às do satélite do Deter só foram possíveis porque a Eldorado do Xingu possui o chamado Cadastro Ambiental Rural (CAR), uma exigência legal que funciona como o R.G. da propriedade. Entre outros dados, informa as coordenadas georreferenciadas da propriedade rural.

Após o cruzamento de dados, o Greenpeace realizou a verificação de campo - o sobrevoo para checar se houve, de fato, o desmatamento. A ONG registrou centenas de árvores tombadas, que formam um efeito "paliteiro" de troncos caídos vistos do céu. De acordo com Márcio Astrini, da campanha "Amazônia" do Greenpeace, é um sinal de que a queimada será realizada ainda neste ano para plantio de pasto.

Embora negue os desmatamentos, a Agropecuária Santa Bárbara afirma que "não tem conseguido evitar que invasores pratiquem barbáries, matem gado, destruam instalações, provoquem incêndios e desmatem ilegalmente, criando fatos como o ora denunciado". A empresa diz, ainda, que a denúncia "parece ser mais um cruel desdobramento de campanha difamatória patrocinada por organismos internacionais contra a pecuária brasileira e particularmente os produtores do Pará, com o objetivo de sujar a imagem de todo o agronegócio nacional". Com 118 mil hectares, a fazenda já foi embargada no passado pelo Ibama.

Para o Greenpeace, o evento mostra a vulnerabilidade do consumidor brasileiro em relação à carne que consome. Isso porque a Eldorado do Xingu vende também para médios e pequenos frigoríficos, que não pactuam do acordo para desmatamento zero na Amazônia firmado em 2009 entre MPF, Greenpeace e grandes frigoríficos. Se não houver pressão, a carne ilegal continuará a chegar ao varejo. "Estamos comendo essa fumaça", diz Astrini.