terça-feira, setembro 25, 2012

Necessárias indagações

As eleições são momentos de nos fazermos algumas perguntas como cidadãos. Qual é o nosso entendimento sobre a representatividade política? Será que o modo como escolhemos nossos legisladores é o mais adequado? Somos sérios ao aceitar que os candidatos tenham na busca do mandato um projeto pessoal para ganhar um salário melhor ou para defender estritamente interesses do seguimento que o financiou e o elegeu? Quando naturalizamos a compra de votos como prática histórica e normal, não estaríamos nós sendo cúmplices de uma lógica que leva ao poder pessoas que não terão posturas dignas de assegurar isonomia e o interesse público nos processos políticos?
É o nosso entendimento coletivo do que significa um vereador ou deputado que está enviesado, qual o papel de um agente público, quais premissas e qualificações esse cidadão deve ter, são questões que não estamos respondendo bem. Será que ser uma pessoa simpática, um sujeito engraçado, um profissional atencioso, ser famosos ou ter herança política familiar, são características que credenciam alguém a ser um agente público que fará do seu mandato um espaço para as reais demandas da maioria da população? Há maturidade representativa nas câmaras municipais quando as características mencionadas acima são as que determinam quais pessoas se elegerão?
Como esperar dos políticos eleitos por essa lógica que eles garantam qualquer mudança nesse modo de fazer política? Como imaginar que esses irão construir nas casas legislativas espaços para se desenvolver uma nova sociedade, sendo que é exatamente a não construção desses espaços que os mantem nos seus cargos? Qual o espaço significativo que há nas câmaras municipais para que os interesses coletivos sejam debatidos com frequência? 
Enquanto nossos interesses pessoais imediatos, restritos a ganhos materiais ou simbólicos efêmeros conduzirem nosso jeito de estar no mundo, de votar e fazer escolhas podemos nós cobrar dos políticos outra lógica ou postura? A democracia representativa brasileira ainda é muito frágil e incentiva através de suas dinâmicas a perpetuação no poder de grupos políticos que operam pela lógica aqui criticada.

Gregório Grisa - Pedagogo, doutorando em Educação na UFRGS.

Até quando vamos endeusar a revolução farroupilha?


Por Juremir Machado em seu blog
Até quando?
Todo os anos eu me pergunto: até quando?
Sim, até quando teremos de mentir ou omitir para não incomodar os poderosos individuais ou coletivos?
Até quando teremos que tapar o sol com a peneira para não ferir as suscetibilidades dos que homenageiam anualmente uma “revolução” que desconhecem? Até quando teremos de aliviar as críticas para não ofender os que, por não terem estudado História, acreditam que os farroupilhas foram idealistas, abolicionistas e republicanos desde sempre? Até quando teremos de fazer de conta que há dúvidas consistentes sobre a terrível traição aos negros em Porongos? Até quando teremos de justificar o horror com o argumento simplório de que eram os valores da época? Valores da traição, do escravismo, da infâmia?
Até quando fingiremos não saber que outros líderes – La Fayette, Bolívar, Rivera – outros países – Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia – e outras rebeliões brasileiras – A Balaiada, no Maranhão, por exemplo – foram mais progressistas e, contrariando “valores” da época, ousaram ir aonde os farroupilhas não foram por impossibilidade ideológica? Até quando a mídia terá de adular o conservadorismo e a ignorância para fidelizar sua “audiência”?
Até quando deixaremos de falar que milhões de homens sempre souberam da infâmia da escravidão? Os escravos. Até quando minimizaremos o fato de que a Farroupilha, com seu lema de “liberdade, igualdade e humanidade”, vendeu negros para se financiar? Até quando deixaremos de enfatizar que os farrapos prometiam liberdade aos negros dos adversários, mas não libertaram os seus? Até quando daremos pouca importância ao fato de que a Constituição farroupilha não previa a libertação dos escravos? Até quando deixaremos de contar em todas as escolas que Bento Gonçalves ao morrer, apenas dois anos depois do fim da guerra civil, deixou mais de 50 escravos aos seus herdeiros? Até quando?
Até quando?
Até quando adularemos os admiradores de um passado que não existiu somente porque as pessoas precisam de mitos e de razões para passar o tempo, reunir-se e vibrar em comum? Até quando os folcloristas sufocarão os historiadores? Até quando o mito falará mais alto do que a História? Até quando não se dirá nos jornais que os farroupilhas foram indenizados pelo Império com verbas secretas? Que brigaram pelo dinheiro? Que houve muita corrupção? Que Bento Gonçalves e Neto não eram republicanos quando começaram a rebelião? Que houve degola, sequestros, apropriação de bens alheios, execuções sumárias, saques, desvio de dinheiro, estupros, divisões internas por causa de tudo isso e processos judiciais?
Até quando, em nome de uma mitologia da identidade, teremos medo de desafiar os cultivadores da ilusão? Até quando historiadores como Décio Freitas, Mário Maestri, Sandra Pesavento, Tau Golin, Jorge Eusébio Assumpção, Spencer Leitman e tantos outros serão marginalizados? Até quando nossas crianças serão doutrinadas com cartilhas contando só meias verdades?
Até quando a rebelião dos proprietários será apresentada como uma revolução de todos? Até quando mentiremos para nós mesmos? Até quando precisaremos nos alimentar dessa ilusão?
Até quando viveremos assim?

segunda-feira, setembro 24, 2012

Desimportâncias

Sempre é agora
o presente é que é o presente
a lembrança e a esperança
são balsas que nos levam
tanto ao passado como ao futuro
sem nos tirar de hoje.

Tratar do tempo é pra quem
está sadiamente desatento;
dedicar o agora à isso
é optar por não desperdiçá-lo
com repetidas seriedades,
como faz aquele que
encara o presente como um fardo.

gregorio grisa

terça-feira, setembro 18, 2012

Demais

Passado o presente é a vez
do então, do agora de vocês
só conto os segredos que não sei
mistério é também o que mantém

Encara e vai pagar pra ver
não deixe passar a chance de ter
histórias reais razão de viver
motivo que faz o pulso 'correr'
demais.

Olha que coragem o medo tem
pedir só pra falar quando convém
diz da tempestade que pode vir
sem saber se o vento me faz feliz.
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Capo na 6° casa:
G - Em9 - C - D
R: C - G - Am - D =  C - G - D
B7

terça-feira, setembro 11, 2012

A lista


Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais...
Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar!
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar...
Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria
Quantos amigos você jogou fora?
Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender?
Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos ninguém quer saber?
Quantas mentiras você condenava?
Quantas você teve que cometer?
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você?
Quantas canções que você não cantava
Hoje assobia pra sobreviver?
Quantas pessoas que você amava
Hoje acredita que amam você?
Música de Oswaldo Montenegro, vídeo no link http://www.youtube.com/watch?v=2cfvBNnL0o4

segunda-feira, setembro 10, 2012

Novas regras

se torna obrigatório a partir desta data que todos:

tenham medo bom, isto é, multipliquem seus frios na barriga;
sintam cheiro de terra molhada
acordem de ressaca;
tomem limonadas;
vejam pelo menos um Almodôvar e um Wood Allen;
tenham câimbras;
passem frio com os pés no mar olhando-o em um fim de tarde;
durmam em uma rede;
falem sozinhos olhando no espelho;
ouçam Bach, Chico e Beatles;
chorem em filmes, séries e afins;
viagem sem ter planejado;
leiam um livro do Mia Couto e poemas do Mário Quintana
lutem por algo cada vez mais claro e concreto que dê sentido a vida;
errem e perdoem gostando,
estudem e ousem amando
correndo assim, bem devagarinho.



domingo, setembro 09, 2012

Paradoxos da educação



Por Juremir Machado da Silva

O tema da educação está na ordem do dia. De repente, o Rio Grande do Sul, sempre tão disposto a recomendar as suas façanhas ao restante do mundo, descobriu-se na traseira do rendimento escolar. Os defensores dos métodos antigos saíram a campo. Querem autoridade, memorização, cobrança, muita reprovação e enquadramento. Ah, como sentem saudades da palmatória, do grão de milho, da decoreba, do latim e da disciplina. O futuro estaria no passado. Um tempo de grande qualidade, que só existiu para poucos, voltou a ser a referência. Os mesmos que condenavam qualquer reivindicação do magistério passaram a falar até em salários melhores. Em qualquer profissão para se ter os melhores é preciso pagar os melhores salários. Exceto no magistério. Os mestres deveriam ser abnegados, missionários, salvadores da pátria, heróis.

A meritocracia, segundo autodenominados especialistas, surge como a salvação da lavoura. Fixar metas como num banco. Não chegou lá, dança. Se tiver êxito, ganha mais. Agora, mais para todo mundo quebra os cofres públicos. Logo, bom professor deve ter paciência, sabedoria, equilíbrio, ponderação, sensatez, ou seja, aceitar ser mais cobrado, ter de correr atrás de metas, continuar ganhando pouco, sonhando com um pouco mais e dando o couro para que a educação seja um sucesso. Os autodenominados especialistas garantem que salário não é tudo, embora no caso deles seja. O paradoxo do magistério, não canso de repetir, é a relação número/qualidade/remuneração. Como os professores são muitos, os recursos são poucos e a qualidade deve ser melhorada, só lhes resta fazer muito mais por um promessa de menos que nada. A educação não é, de fato, prioridade.

O erro mais grave é imaginar que se pode aplicar à educação critérios de desempenho que funcionam mal em instituições financeiras e em empresas que se acham muito modernas, mas que, quando quebram, não assumem o fracasso nem o justificam, preferindo pedir socorro ao Estado que sempre condenam por incompetência. Os verdadeiros estudiosos do assunto sabem que o buraco é muito mais embaixo, a começar por: como ensinar? O que ensinar? No vestibular da Ufrgs, uma das leituras obrigatórios é um livro de Cristóvão Tezza. Por que mesmo para entrar na faculdade de Medicina ou de Engenharia Civil um jovem devem saber quem é Cristóvão Tezza? Poderia ser qualquer outro. Qual o critério de definição? Os conteúdos não caem do céu, não saltam prontos da natureza, não se impõem como leis naturais. São construções de um tempo.

Uma boa utopia capaz de revolucionar a educação seria esta: nenhum professor municipal ganhará menos do que um vereador. Nenhum professor estadual ganhará menos do que um deputado. Se não for competente, com um salário assim, será exonerado. O mesmo valendo para vereadores e deputados. Demagogia? Demagogia é pedir a professores que sejam os melhores com os piores salários. Qualquer ascensorista de assembleia legislativa ganha mais. Servidor de cafezinho no Senado é magnata perto de professor. Método Django: paguem primeiro, cobrem depois.


quarta-feira, setembro 05, 2012

Freixo


Por Francisco Bosco 


O acontecimento político mais importante para a história recente do Brasil foi a eleição de Lula para presidente, em 2002. Não preciso lembrar aqui as consequências sociais positivas desse fato; elas foram sólidas o suficiente para garantir a continuação do projeto até hoje. Mas é preciso lembrar o que custou de resignação ao país esse projeto. Sob alguns aspectos, o lulo-petismo tem sido a continuação da modernização conservadora do Brasil. Já sabemos as virtudes e os limites desse projeto.
Marcelo Freixo, candidato a prefeito do Rio, representa a possibilidade de avançar lá onde o projeto lulo-petista, por suas características estruturais, não pôde e não poderá fazê-lo. O preço que a profunda reforma do governo PT cobrou à sociedade brasileira é alto: nada menos que a resignação à política como atividade em larga medida suja, feita de alianças oportunistas, em nome de interesses de grupos particulares, feita também de práticas ilícitas, tudo em nome da famigerada governabilidade, que é apenas um eufemismo para chantagem. Eu votei nesse projeto; pareceu-me, e continuo pensando assim, que era o melhor que se poderia realizar nas condições históricas daquele momento. E muito se fez. Mas é hora de dar um passo à frente.
Freixo representa a chance de uma transformação radical da mentalidade política não apenas do Rio, como do país. Sua proposta, no fundo, é bem simples: fazer política de verdade, isto é, orientada por interesses republicanos, e não pela manutenção dos privilégios dos eternos donos do poder. Isso significa refundar a política em todos os seus níveis, da campanha à prestação de contas. Para Freixo, o financiamento de campanhas deve ser público e transparente (pois, como lembra o deputado federal Chico Alencar, “não é da natureza das empresas fazer doações, e sim investimentos”); as alianças partidárias, orientadas por princípios ideológicos (ele já recusou de antemão o eventual apoio dos patéticos Garotinhos); e, principalmente, as decisões de sua gestão deverão ser orientadas no sentido da justiça social e da garantia de cidadania aos desprotegidos.
Uma candidatura assim, se vence uma eleição, tem um efeito análogo ao da lei da ficha limpa, só que em sentido positivo. Enquanto a lei da ficha limpa impede os políticos infratores da lei de se candidatar, colocando um freio na política tradicional à brasileira, uma eventual vitória de Freixo provaria que é possível fazer política verdadeira no país. Se isso acontecer, o argumento resignado que sustenta as alianças espúrias sofrerá um forte abalo. Muitos cidadãos de espírito republicano, hoje desencorajados pela sujeira da política nacional, poderiam se engajar na política institucional. E o que hoje parece utópico — que a política no Brasil não seja um negócio de canalhas — provaria ser realizável.
Alguém a essa altura dos meus argumentos poderia evocar a repetida objeção: “Mas você está falando de ideias e princípios; política é feita de ações concretas. Que experiência administrativa tem o Freixo?” Essa objeção tornou-se inaceitável depois de Lula, sobre quem ela incidia com força. Mas a melhor resposta a ela tem sido dada pelo próprio Freixo: é preciso sempre desmascarar esse discurso do gerente, pois ele pressupõe uma oposição entre política e administração, ideologia e práxis, enquanto na verdade toda e qualquer ação administrativa é politicamente orientada. Não existe essa figura do gerente não ideológico. Concretamente falando, essa figura apenas perpetua a situação presente. Qualquer pessoa inteligente tem capacidade administrativa (basta delegar as funções para as pessoas tecnicamente competentes para desempenhá-las) — o que distingue os políticos é a política, ou seja, de que valores suas ações estarão a serviço.
Vim falando em termos nacionais porque penso ser essa eleição do Rio a mais importante do país, aquela que apresenta uma alternativa real num momento decisivo. No contexto da política carioca, a dobradinha Paes-Cabral também já mostrou seus limites; é hora de trocar o modelo de cidade-butique, de megaeventos, que pode se tornar megaexcludente, por um projeto que não faça da população de baixa renda moeda de troca barata, a ser “realocada”, “desapropriada” ou convidada a se retirar pela gentrificação.
Se um homem como Freixo vence as eleições, fica provado que não somos obrigados a andar um passo para trás a fim de dar outro à frente; não somos obrigados a engolir os velhos crápulas da velha política em nome da governabilidade. Seria uma mudança, sem precedentes, da mentalidade política. O Rio tem a chance de iluminar o país. Não a desperdicemos.

Fonte: Jornal O Globo


terça-feira, setembro 04, 2012

Cineasta


Ruídos e pianos
sabor dos planos
no áspero papel
livro de estrelas, céu!

Leveza d'água
que tudo leva
a beleza salva
o que o tempo ceifa;

Projeção de luz
a energia conduz,
constante como onda
o antônimo da sombra;

Poesia do filme
da razão roteiro
tem trilha imune
é emoção primeiro.

domingo, setembro 02, 2012

Simples assim

Nós todos vamos morrer e isso faz de nós sortudos. Muitas pessoas nunca vão morrer, pois elas nunca nascerão, as pessoas em potencial que poderiam estar aqui em meu lugar, mas que, na verdade, nunca verão a luz do dia extrapolam o número de grãos de areia do Saara. Certamente esses fantasmas não nascidos incluem poetas maiores que Keats, cientistas maiores que Newton. Sabemos isso porque o conjunto de pessoas permitidas pelo nosso DNA, massivamente, excede a quantidade de pessoas atualmente. Dentro dessa disparidade estupenda, você e eu, em nossa simplicidade somos privilegiados por estar aqui. Nós privilegiados, que ganhamos na loteria do nascimento contra todas as probabilidades, como ousamos querer voltar aquela posição anterior da qual a grande maioria nunca saiu? 

Richard Dawkins