sábado, dezembro 21, 2013

Machado de Assis ama cinema argentino


Imprimir uma beleza ímpar nas miúdas rotinas, nas vírgulas e nos silêncios pode acontecer em um ensaio, quiçá noutro. No entanto, tornar essa prática a espinha dorsal de toda uma obra é um feito grandioso. O que Machado de Assis tem a ver com isso? O que o cinema argentino tem a ver com isso? E ainda, o que Machado tem a ver com esse cinema? Onde se encontram? Em mim. Por quê?



Memórias Póstumas de Brás Cubas foi o primeiro “livro de gente grande” que tenho lembrança de terminar. Na adolescência concluí-lo era mais importante do que apreciá-lo ou até entendê-lo em sua globalidade. Na releitura o proveito foi maior, então parti para alguns contos e cheguei a Dom Casmurro, encontrei nas tramas de Machado de Assis outro ritmo de dizer as coisas. Bom, é um clássico da literatura de língua portuguesa, não pretendo chover no molhado.

Dotar de beleza coisas cotidianas, pequenas e simplórias é uma qualidade artística, Machado deu aula. E não estou falando de qualquer beleza, nesse caso é como dar um laço de fita na água, é fazer do fio condutor o ator, o personagem principal. Acessar através da literatura essa capacidade do escritor de embelezar o costumeiro, ao lhe dar um ar de permanente inédito, fez com que me sentisse privilegiado. Saborear saber é privilégio.

Pensando no nosso dia a dia, em que muito se confunde informação com conhecimento, se consome grande quantidade de conteúdo, mas pouco se aprofunda, essa sensação que tive é rara. Hoje fizemos a busca rápida, não lemos textos longos e sem grandes atrativos. Hoje priorizamos as extravagâncias, o efêmero transcendeu o fast food e tomou assento em outras práticas, que não só as alimentares.

O filósofo francês Gilles Lipovetsky, em seu livro “A era do vazio”, afirma que vivemos a rotinização da novidade, isto é, nos saciamos rapidamente diante dos materiais, pela farta oferta, e só nos mantemos atentos ou curiosos com o "novo". Daí advém a ideia de perenizar a novidade, mesmo sendo ela superficial ou algo que não saibamos o que representa.

Quando verei beleza nas sutilezas do corriqueiro de novo? Perguntava-me. Estava ansioso para me sentir privilegiado acessando outro tipo de expressão artística. Aconteceu, o cinema argentino. Não repetirei os elogios que fiz a Machado de Assis, mas eles valem para o cinema argentino, que também já é muito reconhecido, logo não serei tautológico.

"O filho da noiva" 2001

Juan José Campanella e Ricardo Darín formam uma das mais virtuosas parcerias do cinema mundial nos últimos quinze anos. Diretor e ator fizeram juntos quatro filmes de um nível muito alto de delicadeza, cuidado, sapiência com os tempos e contratempos e simplicidade. Claro, acompanhados de excelentes elencos, produziram poesia na tela, as traduções para os filmes no Brasil foram: “O mesmo amor, a mesma chuva”, “O filho da noiva”, “O clube da lua” e o “O Segredo dos seus olhos”.

A inteligência convertida em sensibilidade, somada à exuberância das fotografias, roteiros, interpretações, diálogos e silêncios me fizeram ter novamente aquela sensação de quando li "dizem por ai, mas não tenho certeza, que meu sorriso fica mais feliz quando te vejo, dizem também que meus olhos brilham, dizem também que é amor, mas isso sim é certeza", em Dom Casmurro.

"O segredos dos seus olhos" 2009

O foco, às vezes no “desnecessário”, no tangencial faz com que os filmes tenham o fio condutor que acima adjetivei. Esse protagonismo do roteiro, da continuidade mais lenta, apesar das catarses bem encaixadas, deixa à deriva nossa ansiedade coletiva atual do fugaz, do bastante e da vida como um blockbuster. 
A imagem valorizada e avaliada pelo grau de consumo relacionado a ela não tem eco nessas obras, há ali qualquer coisa que tenuemente critica o projeto ético vigente e propõe substituir a política do vender pela política do sentir. 

A definição convencional de estética é “a ciência que trata do belo em geral e do sentimento que ele faz nascer em nós”, é isso, há uma marcante estética nessas películas portenhas que, simplesmente, me faz bem. Arriscaria dizer que nosso ícone literário, o afro-brasileiro Machado de Assis, teria gostado muito desse cinema argentino.

Gregório Grisa



quinta-feira, dezembro 19, 2013

"10 mandamentos" de Luiz Eduardo Soares

Por Luiz Eduardo Soares em seu facebook
No meu caso, a exaustão provocou insônia e vontade de compartilhar meus "10 mandamentos", que podem ser nove ou vinte e um. São minhas crenças, minha religião, algumas coisas que aprendi ao longo da vida:

(1) Prefiro agir, me insurgindo contra o status quo, mesmo errando, do que me resignar a conviver com desigualdades sociais, exploração econômica, opressão política e iniquidades ou injustiças. Mas se me arrisco a errar, que sejam erros novos. Portanto: erremos, mas erremos erros novos. Nada mais melancólico e patético (e regressivo) do que errar erros velhos.

(2) A iniquidade mais profunda e grave --porque estruturante--, na sociedade brasileira, é o racismo. Quatro séculos de escravidão moldaram a matriz a partir da qual as demais desigualdades têm sido formatadas e experimentadas. Por isso, ao contrário do que pensa a maioria de meus colegas, considero as desigualdades sócio-econômicas sobredeterminadas pela tirania da cor. A falta de consciência desse fenômeno, a meu juízo, resulta da naturalização do racismo, um processo violento e perverso.

3) Reconhecer a prioridade do racismo e defender com radicalidade ações afirmativas, como as políticas de cotas, não me levam a ver os meus críticos como necessariamente racistas. Há argumentos legítimos e preocupações respeitáveis contra as posições que defendo. Não concordo com a demonização dos meus adversários políticos, assim como rejeito essa atitude quando tomada pelos críticos das cotas, chamando-nos de "racialistas". Acusações generalizantes impedem o debate necessário e enriquecedor.

4) Não creio que o formato partido-político tenha salvação a médio e longo prazos. Temos de conviver com esse animal bizarro que nunca escapou à lei de ferro da oligarquização, mas recomendo manter ligado o sinal de alerta máximo. Uma democracia menos oca e hipócrita que a nossa, menos manipulativa e cúmplice das iniquidades, terá de mobilizar a imaginação e o protagonismo coletivo para que sejam inventadas novas dinâmicas e novos mecanismos de participação, capazes de submeter o Estado e os agentes econômicos ao controle popular, respeitando-se a liberdade, a diversidade e as minorias.

5) Não conheço, por ora, nenhum repertório de valores mais interessante do que aquele que inspira os direitos humanos. A dignidade da pessoa, entendida e tratada como fim, e não meio, é a pedra de toque para dar sentido às ideias de democracia e justiça. Por isso, a individualidade é uma construção, uma categoria e uma experiência matricial para a construção subjetiva de nós mesmos e de nossa vida coletiva. Não há nenhuma obra da arte ou da ciência mais bela e complexa do que uma pessoa em sua singularidade. 
Daí a importância de sacralizarmos a pessoa (sempre fim, não recurso instrumental, sacrificável em nome de entes supostamente superiores, como a nação, a pátria, a classe, o partido, a revolução, o bem coletivo, a utopia, a religião, Deus, etc…). Valorizar a pessoa em sua individualidade, ou singularidade, significa cultivar e cultuar a diversidade (que não se confunde com desigualdade, como todos sabemos). Por isso, classificar o outro, diagnosticá-lo, dizer quem ou o que ele ou ela é, constitui um ato despótico e brutal. 
Definir o outro equivale a uma espécie de Vodu ontológico e político: espeto o fetiche com o alfinete, cravo um punhal na imagem e condeno a pessoa a não ser senão aquilo que dela se diz. Identificar a essência ou a natureza de alguém implica reduzir a pessoa à qualidade que lhe atribuo, implica também condená-la a repetir para sempre o ato que justificou a classificação. É isso que faz a justiça criminal retributiva, cujas sentenças tomam a qualidade de um ato como espelho da natureza do sujeito. Por isso, afirmo que a privação de liberdade em uma instituição total é antes de mais nada uma prisão sintática, uma vez que liga um sujeito a um predicado, a um verbo, a um ato, de modo exclusivo, unilateral e inseparável.

6) Nosso grande desafio é transcender o antropocentrismo e pensar/viver uma moralidade pluriespecífica e transnatural. Para isso, impõe-se aprender com as sociedades ameríndias, como nos têm ensinado nossos colegas etnólogos, aqueles com quem mais temos a aprender, hoje.

7) A repugnância que me causa a crueldade, a humilhação, o preconceito, é a mesma que sinto ante a brutalidade do Estado, perpetrada por meio de prisões e instituições policiais (essa violência é praticada antes e sobretudo contra os próprios policiais). E é ainda maior quando observo o instituto da punição, suas práticas, sua filosofia, sua estética, sua ética. A punição é a fusão da vingança -o cativeiro do ódio- com a impotência inconsciente de si, ou com a negação da finitude (cujo nome clássico é Hybris ou onipotência). Em resumo, a punição é a troca do sexo (como entrega e destituição de si, renúncia à identidade) pelo poder, é também a substituição da compaixão pela violência, do êxtase pela propriedade.

8) Os valores, por serem belos e defensáveis, inspiradores e legítimos, não necessariamente são suscetíveis de formar uma unidade, não necessariamente são indivisíveis ou complementares. Podem se contradizer, quando aplicados. A política é o espaço em que o bem precisa da razão pública, coletiva, dialógica, negocial, para realizar-se, tanto quanto possa realizar-se. Ou seja, cumpre à política democrática reduzir os danos recíprocos que a aplicação simultânea dos valores pode produzir: o caso exemplar é o choque entre liberdade e igualdade.
Gênero, sexo e corpo se afastarão até esquecerem um do outro, deixando de fazer sentido a geração de identidades como masculino, feminino, heterossexual, homossexual, bissexual ou qualquer outro nome que aprisione a contingência dos afetos, sua complexidade, sua variedade sincrônica e diacrônica.

9) A proibição de drogas, no futuro próximo, causará horror, indignação e incredulidade a qualquer cidadão ou cidadã mediana. Pela irracionalidade, pela hipocrisia, pelo artificialismo contraditório e pelos efeitos genocidas, criminalizando a pobreza. Nesse tempo, que espero não demore, será óbvio que nosso problema crônico com a violência tinha sua origem (a qual ditava as condições de sua reprodução em grande escala) na brutalidade do Estado contra jovens pobres e negros, em territórios vulneráveis. Nesse futuro mais lúcido e menos hipócrita, soará inacreditável que a sociedade brasileira não tenha percebido que o genocídios de jovens negros era o centro de sua agenda. Ou seja, que a questão policial era chave para a democracia.

10) Nem tudo que há na sociedade existe segundo uma vontade e um interesse. Há efeitos de agregação e efeitos perversos -são consequências inesperadas das ações sociais ou que decorrem de suas combinações. Há ignorância -nem tudo é transparente, nem mesmo interesses e os projetos que melhor os expressem e defendam-- e, o mais óbvio e menos lembrado: há o erro. Assim sendo, é um equívoco primário deduzir da existência de cada fenômeno, necessariamente, um sujeito oculto, um interesse subjacente, uma lógica latente, uma finalidade estratégica se desdobrando. 
Portanto, há aquilo que não interessa a nenhum ator social, o que não significa que os mais hábeis e ágeis, os que têm mais poder e condições de atuar, deixem de tentar extrair do que há algum benefício. Entretanto, nem sempre conseguem. Também constitui um equívoco simples, embora bastante comum, mesmo entre aqueles com algum treinamento em ciências sociais, supor que aquilo que existe na sociedade, em expressando o interesse de algum grupo social, fere o interesse de outro grupo social. 
Se o vocabulário adotado é a da dominação, deduz-se que, necessariamente, o que um polo faz nada mais representa senão a reprodução do domínio ou a resistência a esse domínio. Não têm lugar, nessa visão simplificadora, reducionista, totêmica, as hipóteses de de que algo possa servir a propósitos contraditórios ou possa gerar efeitos ambivalentes ou possa suscitar consequências potencialmente duplas ou indefinidas. Ou seja, não cabe no esquema cognitivo reducionista, a ideia de que nem tudo se encaixa, nem tudo é funcional, nem tudo atende a imperativos de um sistema, nem tudo, mesmo se articulando sistemicamente, se conecta a apenas um sistema. 
Quando evoca "o sistema", o pensamento simplificador (que, no fundo, busca uma espécie de pureza maniqueista e certezas finalísticas paranoicas, sonhando mundos em que tudo sempre têm sentido, tudo se encaixa, tudo atende a interesses) sequer se dá ao trabalho de definir sistema, porque, se o fizesse, teria de renunciar ao funcionalismo, pois sistema, enquanto categoria, não exclui desfuncionalidade e contradições, espaços indefinidos, lapsos, intervalos, vazios e irracionalidades --afinal, além de funções, estruturas e dinâmicas, há os atores, há os agentes, que por vezes erram, ignoram e por vezes se autodestróem.

Bem, são apenas anotações insones. Ninguém vai ler um comentário tão longo. Talvez isso seja apenas um desabafo, depois de um ano inteiro ouvindo tantas certezas funcionais sobre o sistema, o capitalismo, a burguesia, o neoliberalismo, e como tudo se explica com tanta singeleza, bastando que o coração bata do lado certo do peito. Quem dera as coisas fossem assim tão simples.Quem dera bastasse pronunciar o nome da besta-fera para que o Outro da besta se revelasse com transparência cristalina. Prefiro a via difícil da dúvida, sempre, e começo sempre perguntando qual é o outro da besta-fera? 
O que sabemos sobre o socialismo que queremos? Se não é nada parecido com o império soviético e seus satélites, se não se confunde com as tiranias que sobraram e que ainda evocam o santo nome do socialismo em vão, se ainda não foi experimentado em escala industrial ou pós-industrial, será que não nos cabe mais humildade cognitiva, mais esforço imaginativo, mais clareza argumentativa? Afinal, está conosco o ônus da prova. Isso não nos deve desanimar, mas certamente recomenda menos arrogância de nossa parte, menos onisciência, menos onipotência, e mais reconhecimento de que está por ser construído o caminho, de que ainda não o conhecemos e de que temos de ser intelectualmente honestos para admiti-lo e politicamente corajosos para explicitá-lo. 

Prefiro quem não sabe a quem tem certeza. E me refiro não só ao projeto estratégico como também às metodologias e aos caminhos. Destes aqui não trato porque já temos assuntos em quantidade e em complexidade suficientes para boas conversas.

sexta-feira, dezembro 13, 2013

Escrever por escrever

Escrever sobre nada. Escrever somente por escrever, sem pretensão de doar racionalidade, de ver nexo em tudo que brota dos dedos, passa das teclas à página virtual. Escrever como ação é traduzir silêncios, diz Mia Couto. 
Escrever hoje quase não é mais ato de "próprio punho", esses ficam pousados, já há até "almofadinhas" para eles. Escrever hoje, em geral, é coisa de ponta de dedo, é unhar um significante gráfico que com seus irmãos alfabéticos formarão um significado. 
Escrever sobre nada é escrever por necessidade. Escrever para ver o que vai ocorrer, esse é o real significado de aventura que vem do latim ad, “a”, mais venire, “vir”, isto é, coisas por acontecer. Se aventurar, como sabem, sucede no ato de ler, em que desejamos descobrir o fim do causo, mas é também ao escrever que o fizemos.
Escrever por escrever é terapêutico, é um ato de autoconhecimento, "eu não escrevo em português, escrevo eu mesmo" assume Fernando Pessoa. Escrever é conversar consigo, papear com nossos outros. 
Podemos ter objetivos para escrever, quase sempre temos um tema, um dilema, um problema ou uma inspiração. Todavia, podemos não ter foco sistemático, escrever como quem atira sem alvo, ao invés de pólvora, palavras.
Escrever para não ser lido, escrever para esquecer, para lembrar. Ser lido é maravilhoso, o retorno de quem analisa o texto é fundamental, mas escrever em si pode ser orgânico, íntimo e só. Escrever como um trabalhoso ócio, sem norte, sem enredo. Escrever para fugir do medo, para encarar o medo, como forma de falar de tudo ou de nada sem ser interrompido. "Escrever é sempre esconder algo de modo que mais tarde seja descoberto" dizia o cubano/italiano Italo Calvino.
Nem sempre é preciso escrever algo que valha a pena ser lido, quantos o fizeram só por fazer e nadam comigo nas correntes da obviedade, no meu caso sem culpa. Escrever pode ser elaborar o ainda não elaborado, ou seja, labor, trabalhar as ideias. Porém, pode ser desorganizar, embrulhar presentes atemporais, pois quiça inutilidades contemporâneas se tornem lampejos e alternativas. 
Escrever na prosa, na poesia, na crônica, no conto, na opinião e na ciência, são ações distintas, claro, mas que precisam umas das outras. Pena que nos escritórios se escreva muito pouco por prazer, quem sabe se está escre-vendo sem ver, sem imaginar. 
Escrever para passar o tempo pode ser um modo de não notar ele passar. Falando sobre seu ofício, Clarice Lispector sentenciou: "escrever é tantas vezes lembrar-se do que nunca existiu".
Escre-vamos?

Gregório Grisa

quinta-feira, dezembro 12, 2013

Pensamento brasileiro

Por Vladimir Safacle*

No último domingo, o Instituto Datafolha publicou uma pesquisa a respeito do posicionamento ideológico dos brasileiros. Essa não foi a primeira vez que pesquisas dessa natureza foram feitas pelo instituto, mas foi a primeira vez que questões econômicas ligadas à função do Estado, às leis trabalhistas e à importância de financiar serviços públicos apareceram. O resultado foi simplesmente surpreendente.
Se você ler os cadernos de economia dos jornais e ouvir comentaristas econômicos na televisão e no rádio, encontrará necessariamente o mesmo mantra: os impostos brasileiros são insuportavelmente altos, as leis trabalhistas apenas encarecem os custos e, quanto mais o Estado se afastar da regulação da economia, melhor. Durante décadas foi praticamente só isso o que ouvimos dos ditos "analistas" econômicos deste país.
No entanto décadas de discurso único no campo econômico foram incapazes de fazer 47% dos brasileiros deixarem de acreditar que uma boa sociedade é aquela na qual o Estado tem condição de oferecer o máximo de serviços e benefícios públicos.
Da mesma forma, 54% associam leis trabalhistas mais à defesa dos trabalhadores do que aos empecilhos para as empresas crescerem, e 70% acham que o Estado deveria ser o principal responsável pelo crescimento do Brasil.
Agora, a pergunta que não quer calar é a seguinte: por que tais pessoas praticamente não têm voz na imprensa econômica deste país? Por que elas são tão sub-representadas na dita esfera pública?
A pesquisa ainda demonstra que, do ponto de vista dos costumes, os eleitores brasileiros não se diferenciam muito de um perfil conservador. O que deixa claro como suas escolhas eleitorais são eminentemente marcadas por posições ideológicas no campo econômico. Uma razão a mais para que tais posições possam ter maior visibilidade e estar em pé de igualdade com as posições econômicas liberais hegemônicas na imprensa brasileira.
É claro que haverá os que virão com a velha explicação ressentida: o país ama o Estado devido à "herança patrimonialista ibérica" e à falta de empreendedorismo congênita de seu povo. Essa é a velha forma de travestir egoísmo social ressentido e preconceituoso com roupas de bricolagem histórica.
Na verdade, o povo brasileiro sabe muito bem a importância da solidariedade social construída por meio da fiscalidade e da tributação dos mais ricos, assim como é cônscio da importância do fortalecimento da capacidade de intervenção do Estado e da defesa do bem comum. Só quem não sabe disso são nossos analistas econômicos, com suas consultorias milionárias pagas pelo sistema financeiro. 

*Professor do Departamento de Filosofia da USP em sua coluna na Folha de SP.

terça-feira, dezembro 10, 2013

NOVA ESTRATIFICAÇÃO DE RENDA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

Cerca de 180 empresas da Associação brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)  se reuniram para  construir  uma nova metodologia de estratificação da população brasileira. Eles tomaram como base os dados de renda, e condições de vida da população levantados pelo IBGE.
Embora a estratificação se destine a detalhar mais o perfil dos vários setores sociais, para fins de dirigir pesquisas de opinião,  propagandas de publicidade e estimular consumo de determinados produtos, os dados são muito reveladores. Uma das constatações é de que a população pobre (soma da classe D com a E) é maior do que se verifica na estratificação tradicional.
Vejam a nova  estratificação social,
Classe  A       2,8% da população,  5,6 milhões de pessoas.   renda mensal familiar média de r$ 17.603,00, 64%  tem curso superior.
Classe B1      3,6% da população,  7,2 milhões de pessoas,  renda mensal familiair média  de  r$  10.005,00, e 59% tem curso superior.
A soma das duas, poderia ser a classe proprietaria no campo e na cidade, que totaliza  6,.4% da população  12,8 milhoes.
CLASSE B2   15,1% da população, 30,2 milhões de pessoas, com renda mensal familiair de R$ 4.783,00 e   23% possui curso superior.
Seria a classe média, com 30,2 milhões de pessoas.
CLASSE  C1   20,6 % da população, 41 milhões de pessoas, com renda mensal familiar de  R$ 2.745,00  e  6% tem curso superior.
Seria a classe trabalhadora que melhorou de vida nos ultimos anos.
CLASSE  C2   20,6% da população, 41 milhões de pessoas, com renda mensal familiar de  R$ 1.463,oo e  apenas 1,9% com curso superior.
CLASSE  D     22,8% da população, 56 milhões de pessoas, com renda mensal familiar de  R$  1.019,oo  e apenas  0,1% com curso superior.
CLASSE E      14,5% da população, 29 milhões de pessoas, com renda mensal familiar de  R$ 673 reais, e apenas   0,2 % com curso superior.
Total da classe trabalhadora 167 milhões de brasileiros.
Fonte: Jornal Valor econômico, 9 dez 13.

domingo, dezembro 08, 2013

O que é o individualismo hoje? Qual seu papel?







Está mais que "manjado" dizer que o individualismo é um valor cultural hegemônico do nosso tempo, dessa hipermodernidade (Gilles Lipovetsky), ou modernidade líquida (Zygmunt Bauman) que vivemos.

O sufixo "ismo" vem do grego - ismós - e significa uma ideologia, um sistema a ser seguido, ou também, na área médica,  quer dizer patologia, doença. No caso do individualismo que trato aqui, significa as duas coisas.
Braço do modo de produção capitalista, ente necessário para sua reprodução excludente, o individualismo de hoje já é uma deturpação do que o próprio iluminismo reivindicara com a noção de "indivíduo", ligada a ideia do "Homem" de direitos cuja individualidade e propriedade deveria ser respeitada. O individualismo tão pouco é um contraponto conservador a algum tipo de coletivismo, que seria um princípio mais humanista ou socialista, pois já não tem de competir com os valores do bloco comunista como fez em boa parte do século XX.
A versão neoliberal do individualismo tem como base a crença de que a distribuição dos recursos materiais e da estima social ocorre através das escolhas racionais e esforços dos indivíduos. Ou seja, crê que a sociedade é o conjunto de interesses e vontades individuais e devem "vencer" aqueles que melhor se adaptam ao seu funcionamento. A teoria da escolha racional ou a teoria do agente principal são algumas que sustentam filosoficamente o individualismo que vivemos.
O individualismo contemporâneo cumpre dois papéis fundamentais:

1- Culpabilizar o indivíduo pelos seus fracassos. (Meritocracia levada as últimas consequências, parte do pressuposto que a sociedade precisa de vencedores e vencidos e que esse formato  é o único possível.)
2 - Inviabilizar e dificultar concretamente a valorização de identidades coletivas. (Ideologia que não tolera qualquer tentativa de organização de grupos sociais em torno de uma identidade ou de tema comum).

O individualismo produz pessoas que condenam a identificação regular de discriminações e desigualdades como o racismo, a homofobia e o machismo, acusam os agentes ou grupos que o fazem de criarem teorias conspiratórias, de coitadismo, de patrulha do politicamente correto. 

O individualismo produz pessoas que acham bobagem o dia da consciência negra, direitos de comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhos ou movimentos LGBT. Pessoas que acreditam realmente, por exemplo, que ser um povo miscigenação significa viver em democracia ou harmonia racial.
O individualismo como valor tem tal poder sim, inculca nas pessoas a ideia de que se vive uma livre e leal concorrência no palco da vida. Que todos que se esforçam conseguem "chegar lá", logo qualquer denúncia de elementos impossibilitadores do "sucesso" pautada em alguma dimensão coletiva ou identitária, não passa de "desculpa" ou "neurose exagerada" daqueles que não são capazes de "ser alguém na vida". 

Gregório Grisa

quinta-feira, dezembro 05, 2013

Mandela



Mandela, ser humano que nos prova que podemos ser grandiosos como espécie. Já estava na história, viveu bastante, que bom. Hoje, além disso, vira mito, uma unanimidade. Será homenageado por alguns que nem conhecem seu papel na história, talvez até por racistas. 

Uniu força e habilidade, firmeza e flexibilidade política, fez da busca pela paz sua guerra. Salve o continente africano, a luta anti-racista e um dos seus grandes protagonistas.
Sua morte pode ser um grande momento pedagógico, não só para buscáramos conhecer o passado, mas para pensarmos sobre o que, daquilo contra o qual Mandela lutou, permanece no presente. 

"Este é um mundo de grandes promessas e esperanças. Também é um mundo de desespero, doença e fome. Superar a pobreza não é um gesto de caridade. É um ato de justiça. É a proteção de um direito humano fundamental, o direito à dignidade e a uma vida decente." Mandela em julho de 2005.

terça-feira, dezembro 03, 2013

Chega de feminismo em tudo* (Como pensa um machista)

Fico me perguntando porque tanta lamentação das mulheres nas redes sociais, todos os dias se arranja um motivo para exercer o feminismo. Hoje em dia já há quase direitos iguais, uma presidentA (querem mudar a língua portuguesa também), várias ministras e o mercado de trabalho com muitas mulheres nas chefias. Parece que há um prazer em algumas mulheres em forçar a barra, achar coisas onde não existe nada. 
A ideia é: quanto mais exposição melhor, sair quase sem roupa para o parceiro reclamar, depois caso receber alguma cantada ainda terá argumento para dizer que é assédio ou algo assim. Elas conquistaram a liberdade sexual, mas parece que querem ainda mais. Que me interessa saber com quantas pessoas a fulana dormiu na semana? Se tens uma vida assim ninguém precisa ser comunicado, aí depois ficam pedindo para liberar o aborto, também, desse jeito. Essas mulheres são as mesmas que reclamam depois quando são "usadas" pelos homens, querem o quê? Mulheres devem se valorizar para serem valorizadas.
Hoje essa conversa de achar repressão feminina em qualquer propaganda ta se tornando na verdade uma opressão aos homens que têm de ficar aguentando esse papo. Têm lugares que há cotas só para mulheres, empresas e nos partidos políticos, bom se são tão preparadas para ficar pensando nas teorias e lamúrias feministas porque não participam mais da política e se capacitam profissionalmente? 
Nem pensar em fazer brincadeiras sobre mulheres na internet, porque você logo é perseguido por uma patrulha que não sabe diferenciar o que é piada do que é sério. É claro que lugar de mulher não é só na cozinha, que nem toda mulher dirige mal ou que elas gostem de apanhar, mas quando se trata de brinquedo ou metáfora ninguém está querendo ser maldoso. Desejam transformar tudo em preconceito.
Na realidade muitas mulheres gostariam de voltar no tempo, hoje além do trabalho elas ainda cuidam dos filhos e da casa, embora os homens já dividam bastante os afazeres. Elas estão sobrecarregadas e algumas não admitem, mas queriam ficar só em casa. No fundo os homens gostam de mulher que cuide do lar sim e se sentem bem se puderem sustentá-las. 
Mas dizer a verdade está muito difícil hoje em dia, o feminismo está em todo lugar e quer mudar coisas que até são naturais nas relações entre homem e mulher. Elas querem liberdade de expressão, mas não aceitam quando um homem vem e diz mesmo o que pensa. As mulheres hoje se dizem independentes, mas é só um cara de carro importado e grana chegar que elas já abrem o olho, isso é hipócrita, se querem vencer na vida tem que deixar de ser interesseira.
Além da exposição, algumas mulheres se unem a causas que nem são suas, como as que apoiam os gays, de tanta vontade de "reivindicar" elas se somam a esses grupos. Daqui a pouco viveremos uma ditadura gay/feminista no Brasil. O pior é que muitos "homens" apoiam fervorosamente esse feminismo cego, é até de se desconfiar, mas enfim. Tem tanta coisa que poderiam estar fazendo ao invés de ficar procurando pêlo em ovo e postando na internet, lavar uma louça, por exemplo kkkkkk, brincadeirinha. 

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*IMPORTANTE: O TEXTO É TECIDO DE IRONIA NA SUA PLENITUDE. ME PAUTEI EM COMENTÁRIOS DA INTERNET QUE TENHO LIDO COM FREQUÊNCIA, INFELIZMENTE, PARA CRIAR ESSE PERSONAGEM ESTEREOTIPADO DO MACHISTA DESCOLADO (ELE ACHA QUE TEM CONTEÚDO, QUE É JUSTO E ORIGINAL). NÃO COMPACTUO COM NENHUMA PALAVRA AÍ ESCRITA.



Gregório Grisa


domingo, dezembro 01, 2013

IBGE: um quinto dos jovens no Brasil é "nem-nem", não estuda nem trabalha.

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) baseados na Pnad 2012 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) e divulgados nesta sexta-feira (29/11/13) mostram que o número de jovens de 15 a 29 anos que não estudava e nem trabalhava chegou a 9,6 milhões no país no ano passado. 

Ou seja, um em cada cinco brasileiros (19,6%) nesta faixa etária não trabalhava nem frequentava escola em 2012. Na faixa de 18 a 24 anos, o índice é ainda mais preocupante, de quase um quarto (23,4%). 

Os indicadores mostram que 70,3% dos jovens que não trabalham e não estudam são mulheres. Dessas jovens que não têm atividade produtiva, 58,4% tinham pelo menos um filho. Há uma relação muito forte entre não estar estudando e trabalhando com a questão da maternidade.

As estatísticas mostram ainda que a maioria dos jovens da geração "nem-nem" (nem estuda nem trabalha) tinha ensino médio completo (38,6%), sendo a maior parte no subgrupo de 18 a 24 anos (43,2%). Apenas 5,6% desses jovens possuíam ensino superior (completo ou incompleto), e 32,4% representavam aqueles que não concluíram o ensino fundamental.

Segundo o IBGE, enquanto 19,% dos jovens de 15 a 29 anos não trabalham nem estudam, 45,2% somente trabalham, 13,6% trabalham e estudam e 21,6% estudam apenas.

Obs: penso que o universo do trabalho doméstico e informal cobre um significativo grupo de mulheres nessa situação. Outro aspecto preocupante é o baixo índice de jovens com ensino superior, o que mostra que existe uma demanda reprimida para ocupar vagas públicas a serem ampliadas.