sexta-feira, dezembro 13, 2013

Escrever por escrever

Escrever sobre nada. Escrever somente por escrever, sem pretensão de doar racionalidade, de ver nexo em tudo que brota dos dedos, passa das teclas à página virtual. Escrever como ação é traduzir silêncios, diz Mia Couto. 
Escrever hoje quase não é mais ato de "próprio punho", esses ficam pousados, já há até "almofadinhas" para eles. Escrever hoje, em geral, é coisa de ponta de dedo, é unhar um significante gráfico que com seus irmãos alfabéticos formarão um significado. 
Escrever sobre nada é escrever por necessidade. Escrever para ver o que vai ocorrer, esse é o real significado de aventura que vem do latim ad, “a”, mais venire, “vir”, isto é, coisas por acontecer. Se aventurar, como sabem, sucede no ato de ler, em que desejamos descobrir o fim do causo, mas é também ao escrever que o fizemos.
Escrever por escrever é terapêutico, é um ato de autoconhecimento, "eu não escrevo em português, escrevo eu mesmo" assume Fernando Pessoa. Escrever é conversar consigo, papear com nossos outros. 
Podemos ter objetivos para escrever, quase sempre temos um tema, um dilema, um problema ou uma inspiração. Todavia, podemos não ter foco sistemático, escrever como quem atira sem alvo, ao invés de pólvora, palavras.
Escrever para não ser lido, escrever para esquecer, para lembrar. Ser lido é maravilhoso, o retorno de quem analisa o texto é fundamental, mas escrever em si pode ser orgânico, íntimo e só. Escrever como um trabalhoso ócio, sem norte, sem enredo. Escrever para fugir do medo, para encarar o medo, como forma de falar de tudo ou de nada sem ser interrompido. "Escrever é sempre esconder algo de modo que mais tarde seja descoberto" dizia o cubano/italiano Italo Calvino.
Nem sempre é preciso escrever algo que valha a pena ser lido, quantos o fizeram só por fazer e nadam comigo nas correntes da obviedade, no meu caso sem culpa. Escrever pode ser elaborar o ainda não elaborado, ou seja, labor, trabalhar as ideias. Porém, pode ser desorganizar, embrulhar presentes atemporais, pois quiça inutilidades contemporâneas se tornem lampejos e alternativas. 
Escrever na prosa, na poesia, na crônica, no conto, na opinião e na ciência, são ações distintas, claro, mas que precisam umas das outras. Pena que nos escritórios se escreva muito pouco por prazer, quem sabe se está escre-vendo sem ver, sem imaginar. 
Escrever para passar o tempo pode ser um modo de não notar ele passar. Falando sobre seu ofício, Clarice Lispector sentenciou: "escrever é tantas vezes lembrar-se do que nunca existiu".
Escre-vamos?

Gregório Grisa

Um comentário:

moyahn59 disse...

Escrever por escrever,ou o que se poderia fazer?A opção do artificie das letrinhas...