terça-feira, fevereiro 18, 2014

O incrível e o inacreditável

 Por Luis Fernando Veríssimo

"Incrível" e "inacreditável" querem dizer a mesma coisa — e não querem. "Incrível" é elogio. Você acha incrível o que é difícil de acreditar de tão bom. Já inacreditável é o que você se recusa a acreditar de tão nefasto, nefário e nefando — a linha média do Execrável Futebol Clube.
Incrível é qualquer demonstração de um talento superior, seja o daquela moça por quem ninguém dá nada e abre a boca e canta como um anjo, o do mirrado reserva que entra em campo e sai driblando tudo, inclusive a bandeirinha do córner, o do mágico que tira moedas do nariz e transforma lenços em pombas brancas, o do escritor que torneia frases como se as esculpisse.
Inacreditável seria o Jair Bolsonaro na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara em substituição ao Feliciano, uma ilustração viva da frase "ir de mal a pior".
Incrível é a graça da neta que sai dançando ao som da Bachiana nº 5 do Villa-Lobos como se não tivesse só cinco anos, é o ator que nos toca e a atriz que nos faz rir ou chorar só com um jeito da boca, é o quadro que encanta e o pôr de sol que enleva.
Inacreditável é, depois de dois mil anos de civilização cristã, existir gente que ama seus filhos e seus cachorros e se emociona com a novela e mesmo assim defende o vigilantismo brutal, como se fazer justiça fosse enfrentar a barbárie com a barbárie, e salvar uma sociedade fosse embrutecê-la até a autodestruição.
Incrível, realmente incrível, é o brasileiro que leva uma vida decente mesmo que tudo à sua volta o chame para o desespero e a desforra.
Inacreditável é que a reação mais forte à vinda de médicos estrangeiros para suprir a falta de atendimento no interior do Brasil, e a exploração da questão dos cubanos insatisfeitos para sabotar o programa, venha justamente de associações médicas.
Incrível é um solo do Yamandu.
Inacreditável é este verão.

Luis Fernando Veríssimo é escritor.


Fonte: GGN

segunda-feira, fevereiro 17, 2014

A poesia



a poesia já não toca ninguém

há muitas brincadeiras melhores do que a feita com as palavras

a poesia se desbotou diante da digital velocidade

que despreza o detalhe, o fundo.

resta à poesia os poetas que se leem como quem respira;

a poesia ainda dá alegria pra quem a espia,

por isso vale a pena poetizar sobre as pequenas coisas e findas

a poesia sabia o que dizia, hoje o poeta a desvia para torná-la viva

a poesia tem tratado cada vez mais de poesia

seu dilema é sua própria vida, sua salvação

a poesia já não comove ninguém,

não por falta de conteúdo: ô, se tem!,

mas porque ninguém tem tempo pra ela

e só nos sensibiliza aquilo para o qual demos tempo e atenção

se leste até aqui me deste isso

o melhor que alguém pode dar.  

Gregório Grisa




Aveiro




Cidade água,
ria passeio dos casais
chuva fina atravessada
vento acompanha caminhanda

aconchego de quem chega
charmosa, adocicada
ovos moles raros
São Gonçalinho e suas cavacas

Aveiro das praxes
das vestes dos veteranos
lugar da arte nova
da Santa Joana

sítio em que a calma predomina
da universidade tijolo à vista
um amor de cidade
onde, desde já, deixo saudade.

Gregório Grisa