Por Luis Fernando Veríssimo
"Incrível" e "inacreditável" querem dizer a mesma coisa — e não
querem. "Incrível" é elogio. Você acha incrível o que é difícil de
acreditar de tão bom. Já inacreditável é o que você se recusa a
acreditar de tão nefasto, nefário e nefando — a linha média do Execrável
Futebol Clube.
Incrível é qualquer demonstração de um talento
superior, seja o daquela moça por quem ninguém dá nada e abre a boca e
canta como um anjo, o do mirrado reserva que entra em campo e sai
driblando tudo, inclusive a bandeirinha do córner, o do mágico que tira
moedas do nariz e transforma lenços em pombas brancas, o do escritor que
torneia frases como se as esculpisse.
Inacreditável seria o Jair
Bolsonaro na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara em
substituição ao Feliciano, uma ilustração viva da frase "ir de mal a
pior".
Incrível é a graça da neta que sai dançando ao som da
Bachiana nº 5 do Villa-Lobos como se não tivesse só cinco anos, é o ator
que nos toca e a atriz que nos faz rir ou chorar só com um jeito da
boca, é o quadro que encanta e o pôr de sol que enleva.
Inacreditável
é, depois de dois mil anos de civilização cristã, existir gente que ama
seus filhos e seus cachorros e se emociona com a novela e mesmo assim
defende o vigilantismo brutal, como se fazer justiça fosse enfrentar a
barbárie com a barbárie, e salvar uma sociedade fosse embrutecê-la até a
autodestruição.
Incrível, realmente incrível, é o brasileiro que
leva uma vida decente mesmo que tudo à sua volta o chame para o
desespero e a desforra.
Inacreditável é que a reação mais forte à
vinda de médicos estrangeiros para suprir a falta de atendimento no
interior do Brasil, e a exploração da questão dos cubanos insatisfeitos
para sabotar o programa, venha justamente de associações médicas.
Incrível é um solo do Yamandu.
Inacreditável é este verão.
Luis Fernando Veríssimo é escritor.
Fonte: GGN