quinta-feira, julho 18, 2013

Das cotas ao Programa “Mais Médicos”

Pensando sobre a forte resistência das entidades médicas acerca do Programa Mais Médicos, me reportei ao debate sobre cotas nas universidades. Argumentos recorrentes são similares nas duas questões, quais sejam:
"Ações como essas não resolverão”, “o problema está na base”, “tem que melhorar a infraestrutura”, “investir mais na educação e saúde básicas”, “tais medidas não atacam a essência do problema", etc.
Não há divergências entre medidas emergenciais, como a deste programa, e um maior investimento em saúde, uma ação não exclui a outra. Mudanças estruturais, que envolvem planejamento e câmbios culturais, não ocorrem do dia para a noite, todavia, as doenças sim. Assim como no caso das cotas não se podia dizer para estudantes de escolas públicas e negros que esperassem mais para acessarem o ensino superior, é desumano dizer para quem busca tratamento médico agora, que aguardem enquanto melhora-se a infraestrutura e aumente o investimento em saúde.
Levantamento recente do MEC mostra que no curso de medicina no Brasil, 88% dos matriculados, em universidades públicas, são oriundos de escola particular, lembrando que os estudantes destas escolas representam 12% das matrículas do ensino médio no país. Formar um médico na universidade federal  custa, em média, 800 mil reais aos cofres públicos, sem a residência. 
Diante de tais dados, compreendo a ampliação do curso em dois anos de atividades remuneradas no SUS e o desconforto que isso produz, já que o trabalho na saúde básica não está nos planos de muitos que ingressam na medicina. Outros cursos universitários preveem longos estágios obrigatórios e não remunerados, como várias licenciaturas e isso representa relevante momento da formação profissional.

Gregório D. Grisa

segunda-feira, julho 15, 2013

Ocupação da FACED-UFRGS

Muito poderia ser dito, nos desafia a complexidade política do que estamos vivendo na FACED - UFRGS. Porém, não quero recorrer ao estatuto infinito da complexidade, mas me deter ao seu oposto, à simplicidade das coisas. 

A ocupação do ex-bar da FACED pelos estudantes do DAFE, com apoio de outros diretórios, do DCE e da APG, se deu em um contexto bastante ímpar da universidade, da cidade, do estado e do país. 

As relações sociais de poder estão radicalizadas e precisamos entender isso, radicalizar não quer dizer ser sectário e/ou desrespeitoso. 

As razões dessa ocupação são inúmeras, destaco as simples:

- o DAFE diante da saída do bar e das várias tentativas de dialogar com a direção e comunidade da FACED para que o espaço fosse sua sede, não poderia perder a chance de que aquele lugar fosse dos estudantes. Não há existência orgânica possível para o DAFE na sua antiga sede.

- a FACED além de ter a pedagogia recebe as licenciaturas e os espaços físicos de convivência e organização dos estudantes são limitadíssimos. 

- as experiências dos estudantes nas instâncias deliberativas da universidade são de regulares derrotas, e o mais triste, derrotas mesmo quando o segmento vence no argumento e na comprovação de demanda. Exemplos como o das cotas no CONSUN, da resolução 19 do CEPE, a redução de representação do PPGEDU e várias micro decisões em câmaras e comissões das unidades podem ser listados. Portanto, jogar somente esse jogo não dava mais.

A ocupação já produziu resultados, a direção sinalizou a montagem de uma comissão paritária para discutir sobre o espaço. Porque agora? Porque somente os espaços estudantis devem ser discutidos por todos? Porque quando o tema é outro, os espaços são outros não se convidam os discentes paritariamente? Por uma razão muito simples, nossa universidade, na sua estrutura, não é democrática. 

Das 54 universidades federais brasileiras, 37 delas (68% do total) adotam modelo paritário nas eleições. Segundo levantamento realizado pela UnB Agência, apenas 16 universidades usam o modelo proporcional, onde os votos dos professores têm 70% do peso total, enquanto alunos e servidores têm 15% cada. Estamos atrasados nesse quesito sim. 

Outra coisa simples: para saber o que está realmente acontecendo em determinado fenômeno é necessário participar dele. Defendo que o ex-café da FACED seja a nova sede do DAFE e um espaço de convivência gerido pelo mesmo, porque quero o melhor para a FACED, acredito nisso.  

As alunas e alunos da pedagogia corajosamente estão dando uma aula de coerência pedagógica, educador que luta também educa.

Ninguém está ocupando aquele espaço por prazer de dormir mal, sem privacidade, comer mal, ficar sujeito a constrangimentos e julgamentos. A força e maturidade desses estudantes indicam o tamanho da necessidade da conquista desse espaço para o DAFE. Todos estão cansados para pensar e construir argumentos em um momento que exige muita capacidade para isso. 

Ouvi muito a classificação de que a ocupação é um ato estremado e violento. Bom, não conheci reforma agrária e desapropriações que produzam justiça social sem ocupação, a desse caso inclusive foi lúdica e inteligente. Se conformar, esperar, aguardar e até dialogar um diálogo por vezes improdutivo é única escolha que tem os estudantes nas relações normalmente constituídas na universidade

A ocupação muda a qualidade do fenômeno, permite que as relações desiguais de força se desequilibrem minimamente. 

Não se trata de uma luta entre professores, técnicos e estudantes, esse caminho é o pior que nossa comunidade pode tomar, o que está em jogo é a democratização dos espaços universitários. Em um cálculo simples, o segmento mais representativo quantitativamente é o que menos têm possibilidade de usufruir de atividades extraclasses na universidade.  

Todos os dez andares da FACED são geridos por professores e técnicos. 

A proposta que os estudantes apresentam contempla a convivência dos três segmentos da comunidade acadêmica da FACED em atividades conjuntamente elaboradas, e, ao mesmo tempo, garante a autonomia do DAFE

Estudantes da pedagogia com desafios políticos de se organizar, tomar decisões, iniciativas terão uma formação mais completa e bonita, pra isso precisam de espaço, confiança e apoio.

A normalidade vicia, o conforto anestesia, romper com isso dói o corpo e a mente. Pra conquistar os direitos sociais que existem alguém rompeu com o dado, lutou, bradou. Quem fez isso pode ter sido visto como um radical em seu tempo, a juventude tem mostrado no Brasil que sem um fato desestabilizador a morosidade e a manutenção da realidade vencem. 

Nem todas as urgências são nítidas, entende-se, por isso a necessidade de se fazer ser visto e resistir, para ser prioridade e modificar o estado das coisas. 

Nesse caso isso significa conquistar esse espaço para os estudantes.


Gregório Grisa 


domingo, julho 14, 2013

Os limites do governo

por Vladimir Safatle — publicado na Carta Capital


Para oferecer serviços públicos gratuitos e de qualidade, é preciso uma reforma tributária realmente de esquerda, mas que não pode ser feita dentro do atual modelo de governabilidade.   

Um mês após o início das manifestações nas principais cidades brasileiras ficam claros os limites da capacidade de ação dos governos. Contrariamente ao que muitos gostariam de nos fazer acreditar, os protestos tinham alguns objetivos bastante claros. Há de se desconfiar da pretensa humildade daqueles que se dizem ultrapassados pelos fatos, daqueles que começam seus comentários afirmando: “Tudo isso é muito complexo”. O apelo à complexidade é, muitas vezes, estratégia para não enxergar aquilo que, por ser muito óbvio, virou opaco.

Além das discussões sobre a crise de representação política, as manifestações ocorreram porque o ciclo de desenvolvimento permitido pelo lulismo se esgotou sem que o governo pudesse apresentar à opinião pública um segundo ciclo de ações capazes de aprofundar a construção da igualdade econômica. Lula não é Dilma. E, três anos após o início do governo dela, não havia avanço significativo algum em relação aos marcos de combate à desigualdade propostos pelo antecessor.

Quando as manifestações surgiram impulsionadas pela consciência da péssima qualidade dos transportes públicos, assim como por demandas relacionadas à educação e saúde, ficou claro que, intuitivamente, a população esperava de Dilma políticas efetivas para constituição de um sistema de serviços públicos gratuitos e de qualidade. Sem tal sistema, o desenvolvimento brasileiro seria como uma árvore sem frutos: bonita a distância, mas estéril.

Três anos se passaram e nada foi feito nesse sentido. Mesmo colocada contra a parede pela população, a presidenta apresentou um conjunto pífio de propostas que não parecem fazer parte de um plano ordenado. O governo agiu como quem procura combater uma enchente usando balde e pano de chão.

Para conter a revolta diante dos serviços de transporte público, ouvimos a promessa de criação de um fórum de discussão entre as várias instâncias dos governos. Nada de concreto sobre a proposta de tarifa zero, nem sequer, digamos, o desejo de testar sua viabilidade implantando-a de maneira experimental em algumas cidades ou em algumas regiões metropolitanas, como o prefeito de São Paulo poderia propor em articulação com o governo federal.

No quesito educação, vimos a mera reapresentação da proposta de 100% dos royalties do pré-sal. Como esse dinheiro cairá somente daqui a oito anos e como ainda não temos ideia alguma de quanto será, a única coisa possível de se dizer é que se trata de uma manobra diversionista. O governo agiria de maneira mais séria se apresentasse modificações no orçamento do ano que vem, aumentando radicalmente os gastos com a educação por meio do aumento do piso mínimo dos salários dos professores. Ele deveria ainda discutir a federalização do ensino, o que lhe permitiria investir na construção de escolas e bibliotecas, além de criar o ensino integral e definir currículos mínimos.

Por fim, instada a propor algo no campo da saúde, a presidenta só foi capaz de reapresentar a ideia de contratar médicos estrangeiros. Por mais que a iniciativa seja válida, não ouvimos nada sobre melhora das condições de trabalho nos hospitais federais ou sobre o aumento do financiamento do sistema de saúde.

No fundo, tais silêncios apenas demonstram que uma verdadeira discussão sobre a construção de um segundo ciclo de políticas de combate à desigualdade passa necessariamente por uma reforma tributária. Não é possível falar seriamente em serviços públicos em um país no qual os ricos pagam apenas 27% de Imposto de Renda, não há imposto sobre grandes fortunas e onde o imposto sobre herança é ridículo. Mas tudo o que o governo fez até agora foi apresentar desonerações que em muito pouco colaboraram para o desenvolvimento social.

Isso não deve nos estranhar, já que uma reforma tributária realmente de esquerda não pode ser feita dentro do modelo heteróclito de alianças e governabilidade próprio ao lulismo. É nessa impossibilidade que o modelo encontra a expressão de seu fim.

quarta-feira, julho 10, 2013

Trabalho no SUS, contrapartida da universidade pública


Por Emir Sader em seu blog

Os cursos de medicina são os mais elitistas, aquele onde nem mesmo a política de cotas conseguiu superar a composição quase que na sua totalidade de jovens provenientes da burguesia ou da classe média alta, branca.

São os mais concorridos, aqueles com relativamente menos vagas, que exigem maior preparação e que impõem dedicação exclusiva ao longo dos seus seis anos. Além de requerer muitos livros caros. As universidades públicas são, de longe, as melhores.

Assim, um número relativamente pequeno de pessoas tem acesso a esses cursos, gratuitamente. As famílias com maior nível de renda prepararam seus filhos de todas as formas, valendo-se do seu poder aquisitivo para prepará-los nas melhores condições para ingressar nas universidades públicas. Isso acontece de forma mais flagrante nos cursos de medicina.

Esse privilégio tem que ter contrapartidas para a sociedade, especialmente para aqueles setores que, mesmo pagando impostos, não podem ver seus filhos ingressarem nos cursos de medicina e ainda têm que sofrer as dificuldades de atendimento do SUS.

A decisão do governo de agregar dois anos na carreira de medicina com trabalho no SUS vai na direção correta de estabelecer contrapartidas dos que têm acessos a esses cursos para o conjunto da sociedade.

Haverá muita choradeira, como tem havido em relação à vinda de médicos estrangeiros. Considerarão uma violação ao “direito inalienável” de fazer os melhores cursos de medicina em universidades públicas sem nenhuma contrapartida social. Dirão que “já pagam impostos” para a educação pública, que conseguiram seus lugares na universidade por méritos próprios. Que têm o direito de trabalhar onde bem entender, quando quiserem.

A decisão do governo fortalece a esfera pública, tanto na esfera educacional, como na de saúde pública. É uma decisão que necessita da mobilização e do apoio de todos – estudantes, médicos, profissionais de saúde em geral, cidadania. É um critério que tem que se estender para o conjunto das políticas governamentais – as contrapartidas sociais. 

Se especializar em gente é ótimo.

Um levantamento recente produzido pelo Ministério da Educação (MEC) mostra que no curso de medicina no Brasil, os estudantes formados em escolas particulares respondem por 88% das matrículas nas universidades públicas. Lembro que as escolas particulares representam 12% das matrículas do ensino médio no país. Formar um médico em uma universidade federal custa em média 800 mil reais. 
Diante desse público e desse gasto público, compreendo a ampliação do curso por mais 2 anos de experiência remunerada no SUS, e entendo o temor que isso pode representar para alguns tendo em vista que esse tipo de trabalho não está nos melhores planos de boa parcela desse grupo que ingressa na medicina.
Minha mãe quando fez magistério trabalhou 2 anos de graça em escola pública, eu e minha irmã fizemos estágio de um ano sem receber nada em escolas públicas, todos obrigatórios, isso só somou. Nós não somos exemplos, mas outras inúmeras profissões e profissionais são. Vivemos em uma sociedade de graves contrastes e desigualdades, isso tem de mudar e mudança representa perda de privilégios sim. 
Considerar o salário de 10 mil baixo no Brasil é virar as costas para realidade, exigir revalida para estrangeiros que terão acompanhamento das universidades em programas emergências datados que priorizam brasileiros é demagogia sim. Ganhar 30, 40, 70 mil pode ser a realidade de poucos, mas com o aumento de profissionais formados e de demanda a categoria médica terá de reconsiderar e trabalhar por 10 mil sim, pelo menos em períodos especiais como esse. 

segunda-feira, julho 08, 2013

O Plebiscito que Dilma e a oposição de direita não querem:

Por Luciana Genro


1. O Brasil deve seguir destinando 46% do seu orçamento para pagar juros da dívida pública?
2. Os políticos devem ter privilégios, como carros oficiais, jatinhos da FAB e hospedagem em hotéis de luxo?
3. Os partidos que hoje tem mais deputados devem seguir tendo privilégios de maior tempo de propaganda eleitoral e mais verbas?
4. As empresas e bancos devem continuar financiando as campanhas eleitorais?
5. Os mandatos dos políticos que não cumprem seus compromissos de campanha devem ser revogados?
6. Os políticos merecem ganhar mais do que os professores?
7. As pessoas que não se identificam com nenhum partido devem poder concorrer a um mandato sem partido?
8. O transporte coletivo deveria ser um direito de todos, como a saúde e educação?
9. Os meios de comunicação deveriam ser democratizados para que todas as tendências políticas possam se manifestar?
10. O Imposto sobre as grandes fortunas deve ser regulamentado?
11. Os Impostos sobre o consumo e o trabalho devem ser mais baixos?
12. O imposto sobre os lucros dos bancos devem ser mais alto?


Obs: penso que essas questões tem função pedagógica quando problematizam a condição política do país, não que elas sejam perguntas que literalmente deveriam estar em um plebiscito, mas tocam o núcleo da questão.  

quarta-feira, julho 03, 2013

Puxadinho do governo não dialoga com as ruas

O governo federal, os parlamentares e a classe política em geral, por óbvio, não irão promover nenhuma mudanças estrutural reclamada pelas ruas. Eles não entenderam as pautas? Não, pelo contrário, não o farão porque entenderam bem. O governo federal imerso em alianças vergonhosas, tendo que acender uma vela para cada santo, não terá musculatura suficiente. Já a classe política e quem financia suas campanhas vai tentar mexer o mínimo possível em um sistema que sempre garantiu sua hegemonia. 

As conquistas serão proporcionais a capacidade e qualidade dos mecanismos de pressão e organização que os jovens e trabalhadores que estão nas ruas desenvolverem. 

A forma como se elege parlamentares, de como será o financiamento de campanha, se há suplência ou não, como os eleitos irão votar no plenário são temas que não dialogam com as ruas. Esse puxadinho modesto encaminhado pelo governo ao congresso trata da forma, mas não ataca o conteúdo. Além de aperfeiçoamentos no sistema eleitoral o que iria para além da forma?

- Diminuição significativa dos salários dos parlamentares e do período do mandato. Deputados e senadores deveriam ganhar o salário de um professor universitário, por exemplo, ter menos aparato de serviços do Estado e assessores. 
- Uma possibilidade de reeleição no máximo. 
- Criação de mecanismos claros de democracia participativa e controle da população sobre o mandato dos representante, inclusive poder de destituí-lo. 
- Proibição de doação de campanha pelas empresas. 
- Fim da negociata pelo tempo de Tv, eleições de governadores e deputados estaduais juntas das municipais e não como é hoje. 
- Fim do foro privilegiado para políticos.

Esses são pitacos sobre reforma política, matéria em que sou principiante, tenho que estudar muito sobre isso. Mas mudanças desse porte reciclariam minimamente a classe política. 

A questão fundamental colocada pelas ruas é muito simples e histórica pra mim. O lucro direto de poucas pessoas que oferecem serviços essenciais relacionados a direitos fundamentais tem que terminar. 

Sem o o fim de alguns lucros e a diminuição de outros não há engrenagem que se qualifique, não há desigualdade que diminua. Os governos fazem uma ginástica para fazer isenções fiscais para diminuir a tarifa do transporte público. Não! São as contas do patrão que devem ser abertas, são as planilhas obscuras do transporte que a sociedade tem de ter acesso. Com as isenções dadas, a margem de lucro permanece intacta, o Estado não pode pagar para a manutenção do lucro dos empresários. Enquanto o estado democrático de direito priorizar a proteção dessas relações, dos contratos, das licitações, das concessões, a sociedade não mudará. São relações venais para a vida e devem corajosamente ser rompidas.

Isso serve para os lucros dos planos de saúde, das seguradoras em geral, para a indústria farmacêutica, que lucra muito com os tradicionais conchavos e o lobby com a classe médica para indicar seus medicamentos. Serve para os que vendem educação superior presencial e a distância sem qualidade, enfim, para todos que lucram em cima dos direitos fundamentais do ser humano, como ir e vir, saúde, educação e lazer.

Gregório Grisa



segunda-feira, julho 01, 2013

Médicos brasileiros e/ou estrangeiros no interior e nas periferias.

Pensando sobre a forte resistência das entidades representativas da classe médica acerca da proposta do ministério da saúde de lançar edital em busca de médicos brasileiros e/ou estrangeiros para trabalhar no interior do país e nas periferias das metrópoles, me reportei ao tema das cotas nas universidades. Um argumento recorrente é muito similar nas duas questões, qual seja:

"Ações como essas não resolverão, o problemas está na base, tem de se melhorar a infraestrutura, a carreira profissional e se investir maior porcentagem do PIB na educação básica, ou na saúde básica. Essas medidas são eleitoreiras e não atacam a essência do problema". 

Apesar de não conseguir identificar contradição entre medidas como a desse edital e um grande investimento estrutural em saúde, vale dizer repetidamente que uma ação não exclui a outra. O argumento acima, que já se esvaiu no que tange as cotas, se esvazia quando não considera a processualidade do mundo real. Mudanças estruturais que envolvem planejamento e um câmbio até cultural, não ocorrem do dia para a noite, todavia, as doenças sim. 

Assim como não podemos dizer para a atual geração de estudantes de ensino público e para as famílias negras para que esperem duas ou três gerações mais para acessarem o ensino superior, pois estamos qualificando a educação básica, é desumano dizer para que as pessoas em busca de tratamento médico agora em milhares de cidades aguardem enquanto se resolve a questão de infraestrutura, plano de carreira e investimento em saúde. 

Há um corporativismo que beira a teimosia nesse caso, apesar da necessária qualificação e valorização dos médicos no Brasil é preciso dizer que essa é a profissão com maior prestígio social que existe, haja vista, a grande disputa para o ingresso em cursos de medicina nas universidades. Esse edital de caráter emergencial irá ser lançado até o fim do ano porque no início de 2013, o governo lançou o segundo edital do Provab para atrair 13 mil médicos na atenção básica – um pedido de prefeitos brasileiros -, mas apenas 3.800 se inscreveram no programa que paga R$ 8 mil mensais aos interessados e oferece especialização. Um professor universitário recém concursado com doutorado não ganha isso. 

Correndo o risco de ser mal compreendido cabe dizer que a elitização é uma característica da medicina no Brasil, nossa cultura encara o curso de medicina como porta para a riqueza, para o sucesso material (acúmulo financeiro) o que todos desejam no modelo de sociedade que vivemos. Com isso não estou falando que médicos são gananciosos por natureza ou generalizando a medicina como uma profissão de soberba, conheço médicos e médicas incríveis e acredito que a maioria dos profissionais são sérios. A medicina privada imersa na lógica do profissional liberal é a regra e não a exceção. 

Diante disso ouvi além de argumentos questionáveis algumas manipulações no que se refere aos dados da saúde pública. Por essa razão vamos aos números. 

- Segundo o Ministério da Saúde, há um déficit acumulado de 54 mil postos de trabalho vagos para os médicos no Brasil nos últimos dez anos. 146 mil postos foram criados enquanto 93,1 mil profissionais se formarão em medicina nesse período. É verdade que há de se expandir as vagas em cursos de medicina e que aqueles que ocupam vagas públicas teriam de dar algum retorno para o SUS depois de formados. 

- Segundo o Ministério da Saúde 1581 cidades não contam com nenhum médico da atenção básica

Argumento falso de que "não faltam médicos do Brasil" não corresponde com a verdade. Faltam sim. Entidades médicas teimam como o IBGE, com o IPEA e afirmam que o governo está desinformado sobre a realidade. Isso não vale comentários. 

Sobre o edital que irá ser aberto em caráter de emergência:

Serão 9 mil vagas, serão convocados médicos brasileiros para essas áreas periféricas, onde terão acompanhamento permanente de universidades federais públicas. Somente as vagas não preenchidas por brasileiros serão complementadas por estrangeiros. Dentre os estrangeiros serão priorizados médicos portugueses, espanhóis e argentinos porque nesses países a oferta médica é muito superior ao Brasil. Para atuarem aqui, eles receberão uma licença especial com prazo de três anos de duração. Terão de atuar em local específico – as áreas pobres e periféricas do país. Eles também serão acompanhados por “tutores” de universidades federais e deverão se especializar em saúde da família.

Os médicos brasileiros irão para o interior e periferias como fazem professores, enfermeiros, assistentes sociais também sem condições justas de trabalho e salários degradantes? Mesmo que diante do salário da esmagadora maioria dos trabalhadores brasileiros, os salários oferecidos para médicos não é degradante.  

A saúde é um direito fundamental, e as pessoas pobres desses lugares que faltam médicos tem seus organismos iguais aos nossos e na maioria das vezes mais vulneráveis, os segundos, os minutos passam, mas as dores, a angustia não. Todos queremos mais investimentos para saúde, melhores hospitais e valorização profissional, infelizmente isso demora e enquanto se luta por isso é bom olhar para outras profissões e para aqueles que sempre estiveram sem assistência médica cuja doença e morte naturalizamos como mais uma estatísticas.

Gregório Grisa