Jacques
Derrida perguntava-se: pode-se aprender a viver? É possível ensinar a
viver? O filósofo francês não deu respostas a essas questões. Existirão
essas respostas? Cada um de nós as procura e, de certa forma, as
encontra a cada dia.
O
grande escritor Oscar Wilde achava, com cinismo, que a experiência era
apenas a soma dos nossos erros, o que significava não acreditar em nossa
capacidade de aprender com o passado e com os próprios erros. Somos
melhores do que pensava Wilde.
Muitas
vezes, não aprendemos como os nossos erros por vontade de perdoar tudo,
de esquecer, de começar de novo com a alma leve, o coração livre, sem
rancor nem pé atrás.
Viver
e deixar viver é um modo especial de superar essa contradição entre a
necessidade de tirar lições dos erros e o desejo de estar aberto ao que
der e vier. Mas viver e deixar viver não quer dizer aceitar tudo do
outro nem se permitir tudo em relação aos outros.
A
vida é um delicioso e complexo jogo no fio da navalha, eternamente em
busca do ponto de equilíbrio. Perdoar, com freqüência, é um ato de
tamanha grandeza e libertação que mesmo abrindo as portas a novos tombos
impõe-se como um aprendizado da vida. O ideal, imagina-se, é perdoar
sem esquecer. A verdade, porém, é que o esquecimento funciona como um
auxilar do perdão. Aprendemos a viver quando aprendemos o momento de
esquecer, de perdoar ou, ao contrário, de persistir na lembrança e na
recusa por mais algum tempo.
Todos
nós aprendemos a viver a cada dia. Aprendemos a viver quando sorrimos
para quem nos abre a porta, perdendo alguns segundos de uma pressa cada
vez mais normal, num gesto afetivo que se esvai no tempo e, sem nenhuma
exigência de recompensa, se farta no sorriso recebido.
Todos
nós aprendemos a viver quando, redescobrindo atitudes arcaicas, damos o
lugar no ônibus a alguém, mesmo a um homem, que nos parece mais
necessitado daquele assento.
Aprendemos
mais ainda a viver quando tudo se resume ao simples prazer de ser
gentil, abrir uma porta, cumprimentar alguém, puxar uma cadeira,
levantar um objeto do chão, contemplar a felicidade de uma criança no
parque, dar sem esperar recompensa, assim mesmo.
Outro
dia, no ônibus, uma moça ofereceu-se para segurar a minha pasta. Não
havia a menor necessidade daquilo. A pasta era leve e com uma alça.
Faz
quase parte do meu braço. Ela e eu aprendemos um pouco a viver naquele
gesto absolutamente sem interesse nem necessidade, a não ser a da
civilidade, da gentileza e da alegria de servir aos outros.
Entreguei-lhe a pasta contente. Talvez tivesse sido mais prático avançar
e ocupar outro lugar, mesmo em pé, mais na frente, mas não era possível
deixar de passar por aquele minúsculo aprendizado de cidadania e de
vida, o aprendizado da pieguice como cola social.
Ensinamos
a viver quando dominamos as nossas manias, os nossos rompantes, os
nossos preconceitos e as nossas certezas para ponderar, sentir, examinar
a postura do outro. Nada mais bonito do que ser convencido, abrir mão
de uma maneira de pensar em benefício de outra, acolhendo o argumento
antes combatido como o fruto colhido numa árvore que se deu o trabalho
de nos fazer ver mais claro e nos alimentar. Ensinamos a viver quando
nos propomos a aliar razão e emoção a serviço de uma vida simplesmente
melhor.
Aprendemos
e ensinamos a viver quando, apesar de nossas tarefas importantes e das
nossas sérias responsabilidades, encontramos tempo para brincar, jogar,
sonhar, festejar e estar com os outros.
O
que significa aprender a viver? O que quer dizer ensinar a viver?
Ninguém ensina a vida a outro como se fosse o dono absoluto de um saber a
ser repassado numa sala de aula à moda antiga. Na vida, ensinamos e
aprendemos o tempo todo, alternando papéis e trocando experiências. A
vida é um curso em tempo integral que exige atualização permanente e
construção pelo diálogo do saber de cada um. A vida sempre foi
interativa.
São
tantos os desafios e impasses. Aprendemos e ensinamos a viver quando
respeitamos a crença do outro sem nos deixar intimidar por ela.
Aprendemos e ensinamos a viver quando respeitamos o direito à diferença
sem perder o direito à crítica. Aprendemos e ensinamos a viver quando
descobrimos a tolerância sem fazer dela um álibi para a intolerância dos
outros.
Viver é simplesmente ensinar a aprender e aprender a ensinar.
Somos escolas bípedes.
Salvo, talvez, algumas celebridades.
Juremir Machado da Silva