quarta-feira, março 30, 2011

Einstein

Obs: eu usaria o termo "ser humano" ao invés de "homem", mas naquela época as conquistas feministas eram mais modestas que em nosso tempo.

"Estranha é a nossa situação aqui na Terra. Cada um de nós vem para uma curta passagem, sem saber por quê, ainda que algumas vezes tentando adivinhar um propósito. Do ponto de vista da vida cotidiano, porém, de uma coisa sabemos: o homem está aqui pelo bem de outros homens - acima de tudo daqueles de cujos sorrisos e bem-estar nossa própria felicidade depende." Albert Einstein

Essa passagem se encontra na página 274 do livro "Deus um delírio" de Richard Dawkins.

segunda-feira, março 21, 2011

Kadafi e as potências ocidentais

Por Frei Betto, publicado no sítio da Adital:

As potências ocidentais, lideradas pelos EUA, botam a boca no trombone em defesa dos direitos humanos na Líbia. E as ocupações genocidas do Iraque e do Afeganistão? Quem dobra os sinos por um milhão de mortos no Iraque? Quem conduz à Corte Internacional de Justiça da ONU os assassinos confessos no Afeganistão, os responsáveis por crimes de lesa-humanidade? Por que o Conselho de Segurança da ONU não diz uma palavra contra os massacres praticados contra os povos iraquiano, afegão e palestino?

O interesse dos EUA e da União Europeia não é a defesa dos direitos humanos na Líbia. É assegurar o controle de um território que produz 1,7 milhão de barris de petróleo por dia, dos quais depende a energia de países como Itália, Portugal, Áustria e Irlanda.

O caso do Iraque é exemplar: os EUA inventaram as jamais encontradas "armas de destruição em massa” de Saddam Hussein para exercer o controle sobre um país que é o segundo maior produtor mundial de petróleo – 2,11 milhões de barris por dia, só superado pela Arábia Saudita. E possui uma reserva calculada em 115 bilhões de barris. Soma-se a essa riqueza o fato de ocupar uma posição geográfica estratégica, já que faz fronteiras com Arábia Saudita, Irã, Jordânia, Kwait, Síria e Turquia.

No próximo dia 20 de março completam-se oito anos que os EUA e parceiros invadiram o Iraque sob o pretexto de "estabelecer a democracia”. O governo de Maliki está longe do que possa ser considerado uma democracia. Em fevereiro último, milhares de iraquianos foram às ruas para reivindicar trabalho, pão, eletricidade e água potável. O exército os reprimiu brutalmente, com mortes, detenções arbitrárias e sequestro de ativistas. Nenhuma potência mundial clamou em favor do direitos humanos nem sugeriu que Maliki responda perante tribunais internacionais.

A ONU é, hoje, lamentavelmente, uma instituição desacreditada. Os EUA a utilizam para aprovar resoluções que justifiquem seu papel de polícia global a serviço de um sistema injusto e excludente. Quando a ONU aprova resoluções que contrariam a Casa Branca – como a condenação do bloqueio a Cuba e da opressão dos palestinos – ela simplesmente faz ouvidos moucos.

Kadafi está no poder desde 1969. São 42 anos de ditadura. Por que os EUA e a União Europeia jamais falaram em derrubá-lo? Porque, apesar de seus atentados terroristas, era conveniente manter ali um déspota que atraía investimentos estrangeiros e impedia que chegassem à Europa os imigrantes ilegais da África subsaariana, ou seja, todos os países ao sul do deserto de Saara.

Agora que o povo líbio clama por liberdade, os EUA ocupam posições estratégicas no Mediterrâneo. Barcos anfíbios, aviões e helicópteros são transportados pelos navios de guerra US Ponce e US Kearsarge. A União Europeia, por sua vez, não está preocupada com a democracia na Líbia, e sim em evitar que milhares de refugiados desembarquem em seus países combalidos pela crise financeira.

Temem ainda que a onda libertária que assola os países árabes produtores de petróleo elevem o preço do produto, onerando ainda mais as potências ocidentais, que lutam com dificuldade para vencer a crise do sistema capitalista.

Fala-se em estabelecer uma "zona de exclusão aérea” na Líbia. Isso significa bombardear os aeroportos do país e todas as aeronaves ali estacionadas. E exige o envio de porta-aviões às costas africanas. Em suma: uma nova frente de guerra.

O fato é que a Casa Branca foi surpreendida pelo movimento libertário no mundo árabe e, agora, não sabe como proceder. Era mais cômodo prosseguir cúmplice dos regimes autoritários em troca de fontes de energia, como gás e petróleo. Mas como opor-se ao clamor por democracia e evitar o risco de o governo de tais países cair em mãos de fundamentalistas?

Kadafi chegou ao poder com amplo apoio popular ao derrubar o regime tirânico do rei Idris, em 1969. Mordido pela mosca azul, com o tempo esqueceu todas a promessas libertárias que fizera. Em 1974, valendo-se da recessão mundial, expulsou as empresas ocidentais, expropriou propriedades estrangeiras, e promoveu uma série de reformas progressistas que fizeram melhorar a qualidade de vida dos líbios.

Finda a União Soviética, a partir de 1993 Kadafi deu boas-vindas aos investimentos estrangeiros. Após a queda de Saddam, temendo ser a bola da vez, assinou acordos para erradicar armas de destruição em massa e indenizou vítimas de seus atentados terroristas. Tornou-se feroz caçador de Osama Bin Laden. Pediu ingresso no FMI, criou zonas especiais de livre comércio, abriu o país às transnacionais do petróleo e eliminou os subsídios aos produtos alimentícios de primeira necessidade. Iniciou o processo de privatização da economia, o que fez o desemprego aumentar cerca de 30% e agravar a desigualdade social.

Kadafi mereceu elogios de Tony Blair, Berlusconi, Sarkozy e Zapatero. Como ao Ocidente, desagradou-lhe a derrubada dos governos tirânicos da Tunísia e do Egito. Agora, atira contra um povo desarmado que aspira vê-lo fora do poder.

Para as potências ocidentais, Kadafi tornou-se uma carta fora do baralho. O problema, agora, é como derrubá-lo de fato sem abrir uma nova frente de guerra e tornar a Líbia um "protetorado” sob controle da Casa Branca. Se Kadafi resistir, Bin Laden pode ganhar mais um aliado ou, no mínimo, um concorrente em matéria de ameaças terroristas.

O discurso do Ocidente é a democracia. O interesse, o petróleo. E para o capitalismo, só isto interessa: privatizar as fontes de riqueza. Enquanto a lógica do capital predominar sobre a da liberdade, o Ocidente jamais conhecerá verdadeiras democracias, aquelas nas quais a maioria do povo decide os destinos da nação.

segunda-feira, março 14, 2011

Sobre a educação no governo Tarso Genro

Texto retirado da edição de 14/03/2011 do Correio do povo.

Gregório Grisa

Parece que o novo secretário de Educação, professor doutor José Clóvis de Azevedo, sabe que implantar políticas meritocráticas significa tratar dos efeitos dos problemas educacionais e não das causas. O poder Executivo deve ter como prioridades atacar problemas experimentados por quem vive o chão da escola. O Estado deve retomar uma política de concursos públicos e valorização da carreira do magistério. Hoje, a política de contratação do magistério tem priorizado o contrato ao concurso, isso promove um conjunto de problemas, desde a insegurança e a falta de compromisso do trabalhador, que vê seu emprego flexibilizado, até o fato dessa situação servir de mecanismo de controle político exercido por diretores e administradores públicos.

Em inúmeras bibliotecas de escolas estaduais não há bibliotecários, quem ocupa tal função são professores ou funcionários realocados para um serviço em que não são especializados nem preparados. Esse fenômeno é muito comum e prejudica, não só a qualidade do trabalho nas bibliotecas, como as relações profissionais dentro da escola, pois o redirecionamento de pessoal também é mecanismo punitivo, ou de garantia de privilégio, dependendo do caso. Essa realocação ocorre, também, no lecionar das disciplinas de Filosofia e Sociologia do ensino médio que, em muitos casos, são dadas por pedagogos ou assistentes sociais.

Esses são alguns tópicos para pensar medidas possíveis e acertadas. Sabemos que os maiores problemas são estruturais e que, sem base salarial justa, sem estrutura física de qualidade nas escolas, sem aperfeiçoamento da gestão democrática em todos os níveis, pouco vai se avançar. Ao invés de seguir "medindo" índices de aprendizagem e buscando estratagemas mil para interpretá-los, é necessário consolidar conquistas de carreira e avançar.

pedagogo, doutorando em Educação na Ufrgs

sábado, março 12, 2011

As várias formas de escrever o belo

Por Israel Dutra

O filme “Biutiful” merece muito mais do que um Oscar. Ele toca fundo. E, curiosamente, das mais variadas formas. Podemos atribuir destaque a um enredo provocante, inovador. Podemos eleger uma coleção de cenas, que por si só, são inesquecíveis. Podemos reverenciar a atuação brilhante de Bardem. Poderíamos, contudo, ressaltar a beleza ímpar do cinema de González Iñárritu, cheia de artifícios riquíssimos. Ou só pelos contrastes das fotografias, uma estética improvisada e segura, num cenário repleto da vida de Barcelona. As variantes do belo conformam o mosaico de Biutiful.

A história é contada com grande sensibilidade. Uxbal, o protagonista interpretado por Javier Bardem, é um médium, sem emprego formal, vivendo sempre em crise. Por um lado, tem a árdua tarefa de criar dois filhos- com quem mantém uma relação carinhosa-, encarar a relação com a ex-esposa [bipolar, com fortes transtornos compulsivos]. Sua vida social alterna entre a atividade espiritual e uma série de atividades ilícitas de contrabando e agenciamento de mão de obra ilegal. Os outros personagens que se enlaçam no filme são o seu irmão[sustentado pela vida noturna], um empresário chinês que vive controversa relação homossexual e depende diretamente da exploração da mão de obra semi-escrava de seus compatriotas, imigrantes africanos ilegais que vivem de contrabando, um policial corrupto. Toda esta trama está marcada pela incidência da morte. Os “encaixes” se dão de forma inusitada, levando a interessantes diálogos, onde o contraste com a morte serve para ressaltar os aspectos mais luminosos da vida. A descoberta, por parte de Uxbal, de um câncer de próstata terminal, sela o destino dos personagens do filme. A morte, que o acompanha na lida cotidiana como espiritualista, vai rondar sua vida como “farsa” e “tragédia”- dezenas de chineses são mortos por conta de um vazamento de gás, oriundo da precariedade dos aquecedores que Uxbal encomenda, pensado ser estes a salvação dos trabalhadores ilegais. Ainda assim, por mais “existencialista” que se possa perceber o roteiro, ele tem um inicio, meio e fim; o trajeto bem definido começa e termina com cenas idênticas, contudo, redefinidas no tempo, espaço e significado da obra.

As cenas, mesmo que separadas entre si, são geniais. A primeira cena é marcante. Num dialogo com a filha, Uxbal, voz rouca e debilitada, lembra sua família, seus pais, como exilados que vão para o México para escapar da ditadura de Franco. Logo após, ele recorda que escutava uma rádio, quando pequeno, que reproduzia o som das ondas do mar. A cena se agiganta, com a entrada de sons de rádio em sintonia e das próprias ondas do mar. Outra cena: no meio dos Pirineus, Uxbal alterna o dialogo com seu pai e seu filho, numa visão futurista. Outra cena incrível , contudo, é a que uma imigrante senegalesa apresenta seu filho, Samuel. Ela explica que é uma homenagem do pai, torcedor do Barcelona ao craque camaronês E´to. E na maior parte destas cenas riquíssimas, ao fundo encontramos Barcelona, de inúmeras formas. Quase como uma provocação, ela aparece sempre a meia luz, seja em suas praças centrais ou no território da periferia ou submundo, privilegiando o chamado “lusco-fusco”, a indefinição se é dia ou noite.

Bardem, de sua parte, chega ao auge, podemos dizer. Ele se aproxima de sua atuação em “Mar Adentro”- quando representa o caso real de Ramon San Pedro, tetraplégico aos 26 anos que lutou por seu direito à morte. Na interpretação de Uxbal , leva ao extremo a valorização da vida, na suas relações com os filhos, com a ex-esposa e com os trabalhadores que agencia. Irranitu não utiliza do moralismo, ao contrário, o interdita. A caminhada ao lado da morte, traz a Uxbal o contraste da vida. Bardem assume o personagem quase como o próprio “médium”, numa atuação que entra para a história recente do cinema.

O toque do diretor completa a obra. Depois da ruptura de Inarritu com seu tradicional parceiro dos aclamados 21 Gramas e Babel, Guillermo Arriaga, pairavam dúvidas sobre os novos rumos do diretor mexicano. A trama psicológica que é guiada pelo pano fundo de vários conflitos sociais explicitos traz originalidade. Barcelona, a “cidade aberta” de uma Europa cada vez mais fechada, é apresentada sem fetiches. Os dramas dos imigrantes, com condições desumanas que lembram em muito as fábricas do capitalismo do século XIX, a rede de corrupção que se articula em torno da ilegalidade, as condições precárias de habitação dos suburbios da Catalunha, são elementos que convivem com a vida, a morte e a consciência de Uxbal. O flerte com o fantástico, adicionando sons, imagens distorcidas à uma realidade crua soa como genial, nos olhos e trejeitos de Bardem. O debate existencial, despido como dito, de qualquer moralismo, vai conduzindo a trama, quase que despretenciosamente para as reminiscencias do próprio diretor. A retirada do pai de Uxbal para o México de Inarritu, a dedicatória final ao pai, a relação dilacerada e preocupada de um pai com seus dois filhos; o mundo de Inarritu aparece e desaparece a cada minuto no filme, se realizando de forma defitiva na mais bela metáfora do filme: Como se escreve a palavra “biutiful”?

A relativização do que é ou não é belo, a noção dialética entre a vida e a morte, a perspectiva de uma alteridade no julgamento moral do protagonista, abrem a cabeça. Os mesmos aquecedores que trariam redenção aos chineses são seus algozes silenciosos. A paixão arrebatadora do casal homesexual leva a desconfiança e a morte. A loucura da ex-esposa de Uxbal o faz mais sensato. No jogo do claro-escuro de Barcelona, Inarritu articula sua unidade e luta de contrários. Não há uma “moral da história”.

Os valores e os sentidos da vida devem ser pensados, como queria Sartre, com a consciência de que levamos “A morte na alma”.

domingo, março 06, 2011

Tudo ou nada



Sempre tem algo não é? Todo dia a notícia acontece ou é inventada, a vida não espera nada. Quando digo a vida não falo da minha nem da tua, mas da do mundo, do universo. Sempre acontece tudo e quase sempre não acontece nada para gente, para nossa individual existência, nossa rotina, nossa caminhada de trilhos desenhados na nossa mente. Pessoas morrem sempre, inexoravelmente, às vezes notáveis outras vezes famosos e ainda há a morte dos que famosos ficam exatamente por morrer. Sempre há uma revolta popular, um golpe sendo planejado, um negócio bilionário sendo fechado, um concurso sendo feito e um texto a ser escrito.
Sempre é uma palavra muito definitiva, assim como nunca não é? Não. O sempre existe e o nunca também, embora isso castre nossa veia utópica ou poética. São características do mundo, da vida, nunca vamos voar sozinhos, assim como sempre dependeremos do ar para manter nossa espécie. Sem carbono nunca haveria vida nos moldes que conhecemos, e sem a imaginação sempre iríamos fazer como as formigas que trabalham do mesmo modo a milhões de anos.
O que importam essas informações? Depende. A resposta pode ser nada, se caso você não tem tempo para pensar no tema ou acredita que existe uma transcendência que transforma tudo isso em pó de tão irrelevante. Ou pode ser muito, caso seu cérebro tire folga com freqüência e passeie pelos vales da subjetividade e dedique atenção para entender mais sobre as intrigantes formas que temos de entender o mundo, a nós, e aos outros. A arte cumpre esse papel de uma maneira linda, faz o papel de guia turístico desse passeio. Pena que 80% da humanidade não acessa a beleza, a sensibilidade, as entrelinhas, os achados, a leveza, a profundidade, o conteúdo, o significante e o significado da arte.
Como perde a humanidade com isso, como poderíamos ser melhores, mais justos, tomarmos melhores decisões, como formularíamos melhores nossos juízos se as artes inundassem as mentes dos seres humanos. Menos seriam os absurdos, as violências de toda ordem e teríamos não uma plenitude de felicidade, não me iludo com isso, mas viveríamos nossas infelicidades com mais lucidez, haveria mais nitidez de que as tristezas são parte da existência e podem ser superadas.
Conseguiríamos organizar melhor a vida coletiva, a política, os seres humanos não têm desvios éticos e morais no seu DNA, nem nascem com doses de má fé e vontade. O ser humano construiu e constrói sua história, faz escolhas que se acumulam, se repetem e se transformam em cultura, ninguém é bom ou ruim por natureza. Esse maniqueísmo só serve para convencer e formar ingênuos, as relações humanas são mais complexas que isso. Complexo, aqui no caso, não e sinônimo de difícil, mas sim de maior, mais amplo. Não há solução para tudo, não há perfeição, não há receita para o que não se desenvolveu ficar pronto, ao contrário de um bolo de cenoura, que é engendrado para ter uma forma, o ser humano vive da incompletude e que bom.