domingo, dezembro 08, 2013

O que é o individualismo hoje? Qual seu papel?







Está mais que "manjado" dizer que o individualismo é um valor cultural hegemônico do nosso tempo, dessa hipermodernidade (Gilles Lipovetsky), ou modernidade líquida (Zygmunt Bauman) que vivemos.

O sufixo "ismo" vem do grego - ismós - e significa uma ideologia, um sistema a ser seguido, ou também, na área médica,  quer dizer patologia, doença. No caso do individualismo que trato aqui, significa as duas coisas.
Braço do modo de produção capitalista, ente necessário para sua reprodução excludente, o individualismo de hoje já é uma deturpação do que o próprio iluminismo reivindicara com a noção de "indivíduo", ligada a ideia do "Homem" de direitos cuja individualidade e propriedade deveria ser respeitada. O individualismo tão pouco é um contraponto conservador a algum tipo de coletivismo, que seria um princípio mais humanista ou socialista, pois já não tem de competir com os valores do bloco comunista como fez em boa parte do século XX.
A versão neoliberal do individualismo tem como base a crença de que a distribuição dos recursos materiais e da estima social ocorre através das escolhas racionais e esforços dos indivíduos. Ou seja, crê que a sociedade é o conjunto de interesses e vontades individuais e devem "vencer" aqueles que melhor se adaptam ao seu funcionamento. A teoria da escolha racional ou a teoria do agente principal são algumas que sustentam filosoficamente o individualismo que vivemos.
O individualismo contemporâneo cumpre dois papéis fundamentais:

1- Culpabilizar o indivíduo pelos seus fracassos. (Meritocracia levada as últimas consequências, parte do pressuposto que a sociedade precisa de vencedores e vencidos e que esse formato  é o único possível.)
2 - Inviabilizar e dificultar concretamente a valorização de identidades coletivas. (Ideologia que não tolera qualquer tentativa de organização de grupos sociais em torno de uma identidade ou de tema comum).

O individualismo produz pessoas que condenam a identificação regular de discriminações e desigualdades como o racismo, a homofobia e o machismo, acusam os agentes ou grupos que o fazem de criarem teorias conspiratórias, de coitadismo, de patrulha do politicamente correto. 

O individualismo produz pessoas que acham bobagem o dia da consciência negra, direitos de comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhos ou movimentos LGBT. Pessoas que acreditam realmente, por exemplo, que ser um povo miscigenação significa viver em democracia ou harmonia racial.
O individualismo como valor tem tal poder sim, inculca nas pessoas a ideia de que se vive uma livre e leal concorrência no palco da vida. Que todos que se esforçam conseguem "chegar lá", logo qualquer denúncia de elementos impossibilitadores do "sucesso" pautada em alguma dimensão coletiva ou identitária, não passa de "desculpa" ou "neurose exagerada" daqueles que não são capazes de "ser alguém na vida". 

Gregório Grisa

3 comentários:

- disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
- disse...

Na verdade, o individualismo histórico surgido no iluminismo está, ainda, presente em grupos e ideologias na nossa sociedade. Principalmente no anarquismo, nomes como Stirner, Proudhon, e até mesmo alguns outros como Rand ou Ármand surgem quando individualismo é o assunto. Não podemos -e não devemos- deixar que a visão deturpada do neoliberalismo sobre o individualismo como sinônimo de egoísmo destrua a natureza de tal conceito, tão belo e necessário numa sociedade em que o indivíduo não seja oprimido pelo desejo de outrem.

Gregório Grisa disse...

Grato pelo comentário, me apresentou outras referências, o que me fez aprender.