terça-feira, janeiro 27, 2015

A crise hídrica no Brasil: visão de um geógrafo amador


Por Fábio Borges

Assim como Josué de Castro na década de 1950 denunciava em "Geografia da Fome" e "Geopolítica da Fome" que o problema da fome no Brasil e no mundo era político (enquanto o capitalismo e seus governos responsabilizavam o crescimento demográfico) o problema da falta d´água é também político, e esconde as novas (velhas) formas do imperialismo que ainda nos determina, mesmo num contexto republicano e de "soberania" nacional. O Brasil nunca deixou de ser um exportador de commodities, por exemplo.

E, desde a introdução do neoliberalismo no Brasil, esse setor da economia (agricultura, pecuária e extrativismo mineral e vegetal) tem aumentado sua participação na produção do PIB, como tem aumentado o processo de reconcentração das terras nas mãos dos fazendeiros do agronegócio, e que passaram a mecanizar a atividade econômica ligada ao setor primário, a exemplo dos pivôs centrais que tomaram conta de toda a região do Planalto Central do Brasil, domínios do cerrado, e que podem ser observados quando se sobrevoa o entorno do Distrito Federal, por exemplo.

Quase todas as bacias hidrográficas brasileiras nascem no Planalto Central e, há anos, os pequenos produtores rurais à jus ante das cabeceiras dos rios que alimentam essas bacias denunciam a diminuição da água de superfície e dos lençóis freáticos. O aumento da produção do primeiro setor, quase exclusivamente voltado para atender as demandas internacionais, tem grande responsabilidade na escassez de água, embora os meios de comunicação oficiais - como forma de fazer terrorismo e dominar pelo medo - responsabilizem o consumo residencial pela crise em curso.

Ontem, um certo jornal, denunciava que são cerca de 200 mil dos quase 700 mil moradores, os responsáveis pela crise, pois lançam seus rejeitos na represa Billings, em São Paulo. Com isso, escamoteiam que muitos dos que hoje ali vivem, e sem as mínimas condições de saneamento, foram de outros lugares expulsos, seja pela especulação imobiliária, seja pelo estado e seus urbanistas. 

Recentemente a realização da Copa produziu efeito semelhante em relação às vidas de mais de 250 mil brasileiros, retirando-os de seus antigos domicílios. Muitos daqueles moradores do entorno da Billings ou da Guarapiranga viviam onde hoje está a avenida Água Espraiada ou onde está a nova sede da Rede Globo de televisão. Foram expulsos para periferias cada vez mais longe, coincidindo com mananciais tipo a Guarapiranga ou a Billings. Há uma tese de doutoramento sobre essa questão, e que faz corrosiva crítica ao urbanismo, defendida no final da década de 1990, pelo geógrafo Sérgio Martins, intitulada "Nos confins da metrópole: o urbano às margens da represa de Guarapiranga". A leitura recomendo.

De outro lado, há que se considerar que a matriz energética brasileira e mundial, altamente poluente, precisa ser radicalmente substituída. As hidroelétricas, para além dos fortes impactos sociais e culturais nas vidas das pessoas, cada vez menos produzirão energia. Basta considerar o aumento do assoreamento dos leitos causados pelo tipo de desmatamento e pela ocupação humana das margens de lagos como a Guarapiranga. Muitas hidroelétricas foram criadas durante a ditadura militar. Onde antes se tinha lagos com profundidade de até 40 metros, em alguns casos, quarenta anos depois, o que se encontra são espelhos d´água que não nos alcançam os joelhos.

O medo é uma forma de dominação. E querem nos dominar através daí, impondo-nos o medo de ficarmos sem água. Aumentarão impostos. Continuarão a exportar gêneros agrícolas e pecuários, e junto trilhões de litros d´água, mesmo que isso mate indígenas, camponeses, e as gentes das periferias dos grandes centros urbanos.
É absurdo se os responsáveis pelo entendimento da realidade social e econômica brasileira, ou pelas políticas públicas, continuarem coniventes com esse discurso imperialista e alienador. O que liberta é a verdade, disse Jesus, disse Lênin.

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