sexta-feira, outubro 26, 2012

Sangue da Terra

Esse acontecido com os guaranis kaiowás, indígenas no Mato Grosso do Sul, ocorreu bem na semana que estava lendo um texto do Boaventura de Souza Santos em que, por ventura, ele narra uma história de índios colombianos que se mataram coletivamente no século XVII contra a colonização espanhola e que, recentemente, ameaçaram fazê-lo novamente porque empresas multinacionais queriam extrair petróleo de suas terras de origem. Esses índios, os u'was, acreditam que o petróleo é o sangue da terra e a terra é a mãe deles, então preferiam morrer à ver secarem as veias da mãe. 
O capitalismo chega a estágios tal de crueldade e desumanidade que fica simples compreender duas coisas básicas: 

1 - o grau elevado de indiferença e anestesia que o consumo e o individualismo produzem em boa parte das pessoas;
2 - o porque as pessoas que criticam o sistema, os inquietos e indignados do mundo, seja socialista, comunista, anarquista, humanista, pacifista ou nenhum "ista", são sujeitos mais felizes, mais confortáveis com suas dignidades e consciência. 

Tá! Eu sei que é arriscado dizer isso, mas eu sinto isso e quero me perder no mundo das generalizações. Me desculpem as pessoas que buscam lucro a vida inteira, ter luxo, ter bens. Os empreendedores, os empresários e executivos, os amantes do dinheiro, da ostentação, do business. Não consigo ver nem sentir felicidade em vocês.
Mas eles usufruem das melhores coisas da vida e tem tudo que querem, como não são felizes? Pense nas pessoas próximas a esse perfil que você conhece, que substância tem a vida feliz delas?  
Creio que a vida necessita de um sentido maior e com todo respeito não vejo na posse e no lucro exagerado um sentido digno. Não porque essas pessoas sejam más e desinteressantes, mas porque esse sentido produz toda desigualdade e tristezas sociais e ambientais conhecidas. 
Convivo com pessoas sonhadoras, socialistas, comunistas, democratas e humanistas, que por vezes passam algum tipo de dificuldade material na vida, mas que me passam a sensação de que amam a vida por seus compromissos com os outros e são sustancialmente felizes por isso. Se mostram envolvidos não em projetos pessoais, de carreira, de negócios, mas em projetos coletivos de transformar a realidade tão dura  e desrespeitosa para as maiorias. 
Há humanidades e lealdades que não se compram, há afetos que afetam mais que a obtenção de um bem, há consciências que teimam e não se deixam seduzir por vaidades. Não se trata aqui de não viver os prazeres da vida moderna, de não usufruir dos bens que proporcionam qualidade de vida, mas de ter horizonte maior que isso e de não se contentar só com seu bem-estar. 
Em poucos lugares me senti tão bem como junto de pessoas que nem conhecia, mas que davam aulas para crianças em acampamentos de chão batido e lutavam pela terra. Assim como quando converso com cotistas negros que são os primeiros membros de sua família a fazer ensino superior.  
Prefiro o transbordar das intenções ao transbordar da conta bancária, sou mais da indignação do que da acomodação, viver é um constante se testar, uma infinita busca por coerência. Oscar Niemeyer costuma dizer que vai morrer comunista, muitos o farão, porque o mundo não os deixa outra escolha, e diz isso sem querer saber se você que ta lendo sabe o que significa mesmo ser comunista ou não. Talvez agente saiba só aquilo que nos vendem e como compramos esteriótipos facilmente hoje. 
Há compromissos éticos fundamentais que a ignorância e a ganância não permitem que muitas pessoas desenvolvam. É incompatível com o modo que vivemos o respeito para com a poética de uma tribo que entende o petróleo como o sangue da terra, porque temos que consumi-lo e alguém tem de lucrar com ele. É incompatível com o capitalismo o desenvolvimento de relações mais humanas porque ele depende e se alimenta do sofrimento e da alienação de parte significativa das pessoas. Trata-se de um sistema que engessa o viver, pois não conseguimos estar fora dele hoje, mas não engessa meu pensar e imaginar que é e seguirá sendo anti-capitalista. 

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