sexta-feira, outubro 17, 2014

Corrupção e alternância no poder: falsas pautas que guiam o eleitorado.

Gravura de Vítor Teixeira intitulada "Devorado pela própria ignorância" em alusão a reeleição do PSDB em São Paulo

Conversando com amigos, conhecidos e lendo o forte debate na internet sobre as eleições, está claro pra mim que duas pautas emplacaram com força no imaginário do eleitor. Essas pautas estão servindo para as pessoas definirem seu voto e, mais do que isso, reproduzirem um sentimento de "mudança" fundado em mistificações. 

Quais são as duas pautas? A da corrupção descontrolada e a do desgaste do governo que levaria a necessidade de alternância no poder. Óbvio que a oposição, no caso do segundo turno no RS e no país, de direita, irá usa a exaustão essas pautas que colaram. 

Mas a oposição sozinha não conseguiria dar a capilaridade que o discurso "da corrupção e da alternância" ganhou sem os grandes meios de comunicação monopolizados. As poucas famílias donas dos meios de comunicação veem em Aécio grande oportunidade de fortalecer seu controle da mídia nacional e de alavancar mais seus lucros através da captura ainda maior de dinheiro público para suas corporações privadas de informação. 

Guilherme Boulos tratou didaticamente disso no texto Massacre Midiático. Outra pessoa que refletiu sobre o papel da mídia no inculcamento de que o Brasil está em um mar de corrupção foi a psicanalista Maria Rita Kehl, na sua declaração de voto, nesse link: Voto contra o Retrocesso. Com a sugestão desses dois textos abdico de detalhar de que lado a informação que consumimos está.

Casos de corrupção aconteceram, acontecem e acontecerão no Brasil, e terão envolvidos de todos os partidos tradicionais que estão na disputa nesse frágil e nefasto formato eleitoral que temos. O PSDB e DEM são os partidos com maior número de cassações de parlamentares no Brasil por corrupção segundo Dossiê do Movimento Nacional de Combate a Corrupção Eleitoral, feito com base em dados do TSE, o PMDB esta presente em quase todos os escândalos que ocorrem, porque governa com todos, basta ter poder que está presente. 

O PT tem o mensalão julgado pelo STF, o caso da Petrobrás que hora ocupa as páginas dos jornais em abundância, se tudo for verdade, envolve PT, PP, PMDB e sim o PSDB, através de seu ex-presidente nacional, segundo o principal delator do caso. Há mensalão tucano em julgamento, mensalão do DEM, escândalo do metrô de SP, caixa dois para campanha em todos partidos da ordem, posso amanhecer falando de casos aqui. 

Qual a diferença do tempo que vivemos hoje? As coisas estão aí, as investigações e os julgamentos ocorrem com mais intensidade hoje do que no passado, e isso se deve a um conjunto amplo de aperfeiçoamento dos órgãos do Estado e não só aos governos do PT, mas também.

Todavia, como a pauta é apresentada? Mistificada, por isso você "não aguenta mais tanta sujeira nesse país", essa frase virou refrão do senso comum, parece que agora está pior porque a campanha eleitoral, feita por Aécio com apoio da grande mídia, se utiliza do mantra repetido e faz com que a corrupção que é sistêmica, e que tem sido mais combatida, apareça como obra exclusiva do partido que ocupa o governo. 

E pior, a corrupção quando assim apresentada passa a ser a pauta definidora da eleição, há aqui uma dupla falsificação da realidade.
Primeiro a corrupção é apresenta intencionalmente distorcida enquanto elemento político.
Em segundo lugar, ela ganha relevância falsa diante de todas outras variáveis que deveriam ser levadas em conta na escolha do projeto de país, na escolha do voto.  

"Vou votar no Aécio porque é muita roubalheira esse país e o PT está há muito tempo no poder, tem que variar um pouco". Essa assertiva guia muitas pessoas ao votar. Triste, mas é. Como um dos partidos mais corruptos do país, no caso o PSDB junto ao DEM como vimos acima, pode resolver "a roubalheira" ao retornar ao governo? A corrupção pode ser um tema nas eleições, mas não deve ser o único, acho até que as avaliações deveriam se perguntar, para além da corrupção que existe na máquina pública de todas esferas, o que foi feito nos últimos anos sobre essa e várias outras questões e o que diferencia os projetos em questão? Aí começaríamos a qualificar o voto. 

Outro mantra de senso comum que ganha relevo quando usado massivamente pela oposição de direita é o da alternância de poder. Herdeiros ideológicos dos EUA, a direita é bastante esperta ao relacionar democracia com alternância de governo. Esse conceito é básico da democracia liberal, e tem no bipartidarismo norte americanos a expressão mais caricata. Não vou ser ainda mais chato diferenciando do ponto de vista da ciência política a democracia liberal burguesa de uma democracia real, participativa e de alta intensidade como cunhou Boaventura de Souza Santos, democracia que honre sua etimologia. Trarei um parágrafo interessante escrito pelo cineasta Jorge Furtado em seu blog, que desconstrói o mantra "alternância no poder é bom”.

"Falso. O sentido da democracia não é a alternância no poder e sim a escolha, pela maioria, da melhor proposta de governo, levando-se em conta o conhecimento que o eleitor tem dos candidatos e seus grupo políticos, o que dizem pretender fazer e, principalmente, o que fizeram quando exerceram o poder. Ninguém pode defender seriamente a ideia de que seria boa a alternância entre a recessão e o desenvolvimento, entre o desemprego e a geração de empregos, entre o arrocho salarial e o aumento do poder aquisitivo da população, entre a distribuição e a concentração da riqueza. Se a alternância no poder fosse um valor em si não precisaria haver eleição e muito menos deveria haver a possibilidade de reeleição."

Interessante que a direita no Brasil, principalmente a paulista, não usa esse argumento para seu estado governado há 35 anos pelo mesmo grupo político, nem usa isso para as reeleições de Merkel na Alemanha. Mas no caso brasileiro, 12 anos de PT é muito, assim como as vitórias pelo voto de Ivo Morales na Bolívia e Rafael Correa no Equador são encaradas como quase ditaduras, puro lacerdismo.  A Bolívia cresceu economicamente, o Equador fez auditoria da dívida pública e recuperou capacidade de investimento, a Alemanha tem baixo grau de desemprego, esses fatores melhoram a vida das pessoas e elas optam por reeleger os projetos que promoveram isso, simples.

Prefiro fazer o debate político alargado, o governo petista não é o dos meus sonhos, não avançou em muitas demandas que considero importantes, não fez rupturas com setores da sociedade com quem se aliou para governar e que agora estão prestes a derrotá-lo. Porém, se pensarmos em todos indicadores sociais das diversas áreas que melhoraram quando comparados aos governos tucanos, pouca margem de dúvida fica de que Aécio só pode representar retrocesso. Aécio já anunciou como ministro da fazenda Armínio Fraga, que foi presidente do Banco Central em momentos terríveis para os trabalhadores e para os mais pobres, momentos de inflação alta, taxa de juros escandalosa que só enchia cofre de especulador e de desemprego acima dos 12%. Aécio quer com as mesmas receitas e o mesmo cozinheiro fazer outra comida? Como? Impossível. 

Os dados são cristalinos, o número de pessoas tendo acesso ao ensino superior, o aumento real do salário mínimo, as possibilidades de cursos técnicos, a expansão dos concursos públicos, o combate a miséria e a fome tem resultados mundialmente reconhecidos. Gostaríamos de estar muito além desse patamar, mas no fim de século passado as pessoas morriam de fome, muitas. E o principal para dignidade de uma pessoa? Emprego. O Brasil vive nesse instante seu menor índice de desemprego da história, 5%, é claro que é preciso qualificar o emprego e o salário, mas esse dado já seria razão de escolha fácil de voto nesse segundo turno, muito mais que a corrupção ou a alternância.

Poderia listar programas, medidas, ações, investimentos e avanços mil aqui, principalmente porque vivo na universidade mudanças históricas em todos aspectos, mas há algo mais eficaz do que isso. Nos fazermos as seguintes perguntas: Meus familiares tem emprego? Eu tenho acesso a coisas melhores, comida, roupas e bens? Meus amigos estão com condições mais seguras de vida? Eles tem oportunidade de estudar na universidade ou em um curso técnico? Consigo guardar mais dinheiro? Consigo viajar mais hoje? Os jovens podem ter experiências de estudo fora do país? Como estou sendo atendido em lugares públicos, era pior ou melhor? Essas comparações junto de uma avaliação de que valores humanos as candidaturas disponíveis representam são as ferramentas não mistificadas para escolher em quem votar, caso contrário, quando se parte de uma base frágil, superficial, incompleta, insegura e rasa, o resultado da escolha só pode ser parecido com sua origem, e então cairemos ao invés de seguirmos levantando, mesmo que aos poucos. 

Gregório Grisa


Obs: esse texto se refere estritamente ao segundo turno eleitoral, não há aqui nenhuma complacência com a estrutura desigual da sociedade e com o modelo político vigente que faz com que apenas essas duas opções de candidaturas financiadas pelos grandes grupos econômicos cheguem ao segundo turno. Até por isso não optei por nenhuma delas no primeiro turno. 

Um comentário:

kakau disse...

Ótimo texto!