quinta-feira, abril 15, 2010

As caminhonetes na Estrada das Palmas

Paulo Sérgio da Silva (IACOREQ)[1]


A forma como os ruralistas bageenses tentaram, e conseguiram, impedir a vistoria dos técnicos do INCRA a uma área de terras na localidade de Palmas, onde residem cerca de 50 familias remanescentes de quilombos, suscita a necessidade de uma reflexão acerca dos métodos nada democráticos que a pretensa elite rural utiliza no interior do Estado para demonstrar sua força.

Ao que consta, a situação da comunidade remanescente de quilombos de Palmas é conhecida de há muito tempo. Inúmeras matérias jornalísticas foram realizadas tendo como foco a comunidade de negros que há séculos habita o Rincão do Inferno, lugar assim chamado pelas dificuldades de acesso que a região apresenta, foram feitos sólidos estudos sócio-históricos-antropológicos por profissionais vinculados a centros universitários de pesquisa.

Além disso, tramita na esfera judicial um processo que visa a regularização fundiária das áreas de terras que pertencem a Comunidade quilombola de Palmas. Para contribuir e colaborar com a causa da comunidade quilombola de Palmas, existe uma certidão oficial de reconhecimento da comunidade emitida pela Fundação Cultural Palmares, órgão do Ministério da Cultura e o reconhecimento do Ministério Público Federal sobre a pertinência do pleito quilombola.

Mesmo assim, diante de todas estas evidencias, os produtores rurais ou ruralistas, como queiram descumprem flagrantemente a Lei impedindo o direito constitucional do cidadão de ir e vir, demonstrando numa clara tentativa, intimidar com suas potentes caminhonetes as autoridades constituídas que tentam exercitar e cumprir o seu papel de servidores públicos.

De todas as significativas transformações que operam no meio rural, talvez uma das mais importantes em curso tenha sido a emergência das comunidades remanescentes de quilombos que estão tendo a coragem de desafiar um passado de sofrimento e exploração, determinado no Rio Grande do Sul por uma estrutura agrária opressiva e que teve na escravidão da população negra o ápice de sua crueldade.

A estratégia dos quilombos contemporâneos na defesa de seus interesses está sendo articulada, e aí reside a surpresa, sob o viés de uma ferramenta que até pouco tempo era praticamente inacessível as comunidades negras do meio rural, a Justiça Legal. Não a justiça da patronagem e do clientelismo mas a justiça em que à luz do Direito, utiliza suas instituições para a defesa dos interesses de minorias sociais que estiveram ao longo dos séculos subjugadas ao poder de mando e decisão de produtores ou ruralistas, que constituíram verdadeiros feudos rurais.

Desta forma resta a sociedade refletir sobre estes métodos anti-democráticos, e que infelizmente são corriqueiros no Estado, utilizados pelos produtores rurais na defesa de interesses individuais que tentam perpetuar uma situação histórica que não mais existe, ou que está em franco processo de transformação. Tudo o que os senhores proprietários rurais não querem, e o que infelizmente demonstram as ações de Bagé, é um diálogo que considere direitos constitucionais de minorias étnicas.

Não são os representantes dos ruralistas que definem quem são os remanescentes de quilombos, são as próprias comunidades que amparadas no direito do auto reconhecimento e da auto determinação dos povos que se identificam como tal e, cobram a garantia da regularização das áreas de terras que ocupam secularmente. Hoje essa condição é direito garantido em Lei.

Os ruralistas de Bagé dariam um grande exemplo para o País, reconhecendo o direito daqueles que sob o jugo violento e desumano da escravidão, ajudaram a formar o capitalismo agrário da região e dos quais esses mesmos senhores foram os maiores beneficiados, retirando suas caminhonetes da estrada e dando acesso à perspectiva de construção de uma sociedade mais justa, sem racismo.



[1] Doutorando em Educação, Mestre em Desenvolvimento Rural e integrante do Instituto de Assessoria as Comunidades Remanescentes de Quilombos.


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