segunda-feira, junho 07, 2010

Valores e a atual fase da modernidade

OBS: Pessoal estive em Montevideo no feriado, por isso não atualizei o blog. Esse texto abaixo trata do mesmo tema que tentei tratar na poesia do post anterior, só que em outro formato.Quem sabe logo falarei das minhas impressões sobre a capital uruguaia.


Y mis manos son lo único que tengo
Y mis manos son mi amor y mi sustento
Y mis manos son lo único que tengo
Y mis manos son mi amor y mi sustento

Violeta Parra – Lo único que tengo

Parece insólito cantar com Violeta Parra e seus mais doces intérpretes, destacando-se Victor Jara e Mercedes Sosa. Lembrar a grande poetiza popular chilena do século XX, falecida em 1967. Reafirmar que é nas mãos de cada ser humano, onde se concentram, tanto suas possibilidades de amar como a de trabalhar, produzindo algo para além de si mesmo. Tais versos de incrível beleza vão à contramão de um tempo de desvalorização do que é humano e sensível em cada pessoa.

Valorar o trabalho seja ele manual ou intelectual está absolutamente fora de moda. Na atual fase histórica, infelizmente, para muitos o que importa não é mais o que se faz e se sabe fazer ou se pode aprender. A vida social valoriza bem mais a posição alcançada do que a competência, bem como, o dinheiro obtido no lugar a contribuição social. Diplomas e cargos foram colocados no lugar da capacidade profissional.

O amor próprio de hoje é muito mais alimentado por que se consegue amealhar em propriedades (mesmo que sejam dívidas) e em recursos financeiros (mesmo que apenas potenciais). A fama também substitui ou relativiza o orgulho profissional. Ser reconhecido pela imagem e atributos físicos ganhou um espaço antes desconhecido. O protótipo construído da imagem pessoal, mesmo que esconda o que se passa realmente, é o que importa.

Valorar o amor em todas as suas formas e variações - dentre elas, o carinho pelo outro e o respeito mútuo - caiu no vazio da lógica de interesses e de falsidades nas relações interpessoais. O aperto de mão e a tapinha nas costas que herdamos de nossos patrícios portugueses podem não transmitir nada de mais concreto, restando em uma formalidade. O abraço, com o qual terminamos nossos e.mails não é necessariamente algo que realmente desejamos. Não é diferente no que se refere às carícias entre os amantes, amigos, pais e filhos.

No deserto do real, criado pelo desenvolvimento do capitalismo, a velha comunidade desaparece, levando consigo a humanidade de seus membros. A admiração transforma-se em inveja, o comentário banal, em intriga. Instala-se, facilmente, um clima de desconfiança e se faz a apologia do ódio a quem estiver mais próximo. Há um esforço desmedido para neutralizar a velha luta de classes, substituindo-a pelas disputas interpessoais fratricidas e sem nenhum conteúdo apreciável.

Neste contexto, a ignorância campeia com a mais absoluta liberdade. Em vários ambientes, quase ninguém mais ama o trabalho e nem gosta de seus semelhantes, o que interessa é o que se pode lucrar. A lógica do sistema penetra o conjunto do tecido social, corrompendo-o, criando impossibilidades. Os grupos contaminados tornam-se arredios a qualquer solução ou compreensão racional, apenas, seguem o que é transmitido pelas grandes mídias. Estas pilotam consciências prestando inestimáveis serviços aos poucos que já têm poder de sobra.

Obviamente, tal quadro dantesco não se aplica a todos os entes sociais brasileiros e universais. Há poderosos núcleos de resistência que não aceitam as regras do jogo. Estes fazem tudo o que podem para reverte-las, buscando alternativas em seus trabalhos e demais fazeres sociais. Há muita gente que continua amando o trabalho e seus semelhantes. Eles não aceitam, como quem escreve este artigo, que este mundo seja imutável e que não existam saídas. Não se calam e persistem. Na verdade, só existe uma meta: jamais capitular frente ao inimigo.

Por isto tudo é preciso continuar cantando com Parra, Jara, Sosa e seus homólogos de toda parte. Insistir que continuamos a ter nas mãos o poder de decidir a vida que queremos ter. Um sozinho muda alguma coisa, quanto mais formos mais teremos a chance de viver uma sociedade mais justa e fraterna, vencendo a ignorância. Felizmente, ainda conseguimos nos emocionar ao ouvir os versos citados. Eles não param de ecoar em nossos cérebros e de nos levar à busca de novos caminhos.


Luís Carlos Lopes é professor e escritor.

2 comentários:

Anna Luiza disse...

Muto bom!
To louca pra ver em forma de texto tuas impressões sobre a capital uruguaia.
Beijo, meu bem

jose grisa disse...

coloca umas fotos sobre montevidéo.
abraços
pai