sexta-feira, outubro 15, 2010

A questão do aborto

por Juremir Machado da Silva em 12/10/10.

O aborto é legal em alguns dos mais católicos países do mundo: na Itália papista, na Espanha da Opus Dei, em Portugal e na França. É permitido também nas nações mais desenvolvidas e civilizadas do planeta: Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Dinamarca, Áustria, Suécia, Suíça, Noruega, Irlanda, Escócia, etc. Em geral, até o terceiro mês de gestação. Em todos esses lugares, obviamente, há quem seja contra. Em estados laicos, porém, resta às religiões aconselharem seus adeptos a agirem desta ou daquela forma. Estará o Brasil na vanguarda? Ou apenas em contradição? Dilma Roussef, para não perder votos, está sendo obrigada a renegar as suas convicções. É do jogo.

A legislação brasileira permite o aborto em dois casos. Por exemplo, se houver estupro. José Serra normatizou a aplicação dessa lei em São Paulo. Em termos rigorosamente lógicos, cabe perguntar: a defesa de uma vida permite exceções? Não seria o caso, como querem os mais extremados, de dizer que vida é vida independentemente das condições da sua geração? Parece justo afirmar que Serra é favorável só ao assassinato justificado de crianças. É isso mesmo? Ou, seguindo a tendência da Europa e dos Estados Unidos, seria mais razoável justamente o oposto, ou seja, permitir o aborto em nome da liberdade da mulher até certo momento da gestação definido pelas condições atuais da ciência? Uma coisa é certa: uma candidata ser obrigada a negar o que pensa, em consonância com os países mais adiantados do mundo, para obter votos conservadores é uma contradição.

Mais estranho ainda é que o candidato de um partido que se quer moderno, racional e sofisticado entre nessa jogada. Serra poderia ser acusado de infidelidade partidária: está trocando o PSDB pelo Dem em plena campanha. Enquanto isso, mulheres ricas fazem abortos em boas clínicas clandestinas. Jovens pobres fazem do jeito que dá. Será que há uma real preocupação com a defesa da vida nesse entrevero ou se trata apenas de uma maneira duvidosa de pegar a adversária no contrapé? O problema é mesmo o aborto ou é a manutenção de programas como o Bolsa-Família? A questão do aborto precisa entrar na pauta da sociedade brasileira um dia depois das eleições. Por que não se faz o plebiscito proposto por Marina Silva? As posições religiosas devem ser respeitadas e entrar no debate. Mas é a sociedade que deve decidir.

O jeito como a questão do aborto entrou nesta campanha eleitoral só pode ser rotulado de uma forma: baixaria. Prova de que na hora do pega para capar, como dizemos, qualquer método é válido. Já vimos esse filme. É a política do terrorismo simbólico. A opção de Dilma Rousseff parece pragmática: dar um passo atrás, constrangida, para quem sabe dar dois passos à frente. A de Serra parece o oposto: dar um passo à frente para talvez dar dois passos atrás. Uma sociedade aberta precisa decidir sobre temas que antes eram tabus: aborto, casamento de homossexuais, liberação das drogas. Quanto a este último item, Serra está atrasado em relação a Fernando Henrique? Será por isso que fica longe dele?

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