segunda-feira, dezembro 06, 2010

O protocolo


Dificilmente as pessoas não encenam, seja qual for a situação. Às vezes a encenação é de algo muito distante do que o sujeito verdadeiramente é, outras vezes a encenação é tênue e só é encenar para se adequar a um padrão de comportamento. Em reuniões acadêmicas, partidárias, coorporativas frases como “meu grande amigo”, “querido companheiro” são comuns, mas isso não significa que nelas resida a intenção fortemente fraterna que seus significados têm. Essas frases se transforam em significantes, assim como um conjunto de coisas, posturas, modos de tratamento e gestos, tudo pertence a um código que ninguém conhece, mas todos cumprem.
Esse código de bons costumes, de tratos educados ou de civilidade chega a sua plenitude quando a ironia entra no assunto, porque ao brincar com algo ou alguém se instaura um tom de quebra de protocolo. Esse momento no fundo, não só faz parte do ritual como é o momento máximo do código se materializando. Assim são as pessoas em ambientes coletivos em nosso tempo, esse código é histórico e geográfico, portanto, no Egito antigo ou em Mali provavelmente foram e são outros os procedimentos.
Nosso aluno de letras começou a pensar um pouco nessa questão do formato das cerimônias coletivas quando passou a frequentar entregas de homenagens na universidade e ir à algumas solenidades de posse em diversas instituições. Alfredo foi percebendo que havia um padrão não só no protocolo do ponto de vista linear, na letra fria do planejamento, mas também nas posturas, nos movimentos e nos rompantes das pessoas.
Seu professor mais velho ao se despedir dos alunos, pois iria se aposentar, fez menção à nova professora que regulava de idade com ele, mas acabara de passar no concurso e estava ingressando na carreira docente, felicitando sua chegada afirmou que era bom ser ela a substituta já que não haveria muita renovação na metodologia, haja vista, sua idade. Aquilo causou um murmuro na sala, o professor tentou ser engraçado e não foi, acabou sendo indelicado.
Naquele momento de constrangimento comum ou vergonha alheia, como queiram, Alfredo confirmou duas coisas: a primeira é que o uso da ironia realmente é o ponto auto do código de relacionamento das ocasiões coletivas e segundo que nem sempre a utilização desse recurso tem efeitos positivos. Ao sair da sala Alfredo se perguntava se todo aquele raciocínio que construíra sobre os meandros dos encontros, sobre a hibridez dos comportamentos não seria uma banalidade que lhe ocupara um tempo precioso. O narrador quer lhe segredar que não, Alfredo, não se trata de banalidades, esses pensamentos podem ser sementes de boas anedotas e de fecundos nexos.

Um comentário:

Anna Luiza disse...

O melhor, o meu preferido! Digno de Machado e de Mikhail.
Amo-o!