sexta-feira, julho 16, 2010

Contribuições de Gramsci

O presente texto tem como objetivo descrever a contribuição que as leituras de Antonio Gramsci, que venho fazendo na disciplina Relendo Clássicos, da professora Carmen Machado, têm trazido para o processo de elaboração do projeto de pesquisa para o doutorado. A temática que desenvolvi no mestrado tem a universidade como fenômeno de pesquisa, procurei acompanhar o processo de implantação das políticas de ações afirmativas na UFRGS. Esse acompanhamento se deu através da participação em espaços administrativos e políticos da instituição e se restringiu a descrever e problematizar reuniões que tratavam especificamente da implantação e avaliação da política.
Pelo fato de continuar participando das comissões relacionadas às cotas na UFRGS, tenho me defrontado com curiosidades, práticas e epistemológicas, que transcendem o processo de implantação da política. Com isso, para o doutorado, tenho o desejo de ampliar o leque de análise para aprofundar a compreensão sobre o fenômeno pesquisado. Como pensamos em fazer isso?
Com o processo de avaliação das cotas já bem avançado no trabalho da comissão constituída para esse fim, deparei-me com realidades, no que se refere a rendimentos dos alunos, real efetividade da política no ingresso na universidade e distintas situações conforme os cursos ou áreas, que desafiam. O acesso a essa quantidade de dados e informações me fez perceber que dentro da universidade, é inviável discutir um tema como as ações afirmativas sem tratar de formação dos professores e de avaliação, essa tanto de sala de aula como institucional. Já no que se refere à sociedade e, em caráter externo a universidade, também fica evidente para quem tem um envolvimento mais intenso, que sem a relação com os movimentos sociais negros e grupos de cursinhos populares, a universidade não consegue implantar uma política desse perfil com a mínima qualidade necessária.
Apesar da pouca idade histórica da temática das políticas afirmativas no Brasil, já há produções significativas sobre sua relevância ou não e esse debate deve avançar. E é aí que Gramsci começa a auxiliar, quando nos retiramos um pouco dos muros da universidade e passamos a pensar em âmbito mais global. O conceito de partido, guerra de posições, a concepção de hegemonia, intelectual orgânico e a própria noção de Estado em Gramsci são categorias que darão um suporte fundamental para entendermos a questão da luta do povo negro no Brasil.
O que está em jogo quando as cotas ficam fora da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial pelo Congresso Nacional? Qual relação de forças está dada? Por que o Estado se nega a transformar em voz jurídica uma medida que evidencia a existência do racismo na nossa sociedade? O papel dos intelectuais orgânicos dos grupos privilegiados tem sido central, através do monopólio da mídia, na formação de opinião acerca das políticas afirmativas, haja vista que o editor do Jornal Nacional da rede Globo, chamado Ali Kamel, tem um livro dedicado a combater a política de cotas.
Gramsci é ainda o clássico mais adequado para entendermos essa dinâmica desses intelectuais conservadores, mas orgânicos de sua classe social. Em uma nota de rodapé em seu livro, a professora Ivete Semionatto cita Coutinho (p. 37, 1990) para explicar a diferença entre intelectual orgânico e o tradicional:

Há uma tendência ao conceber o intelectual orgânico como igual ao intelectual proletário revolucionário e o intelectual tradicional como igual a intelectual conservador. Evidentemente não se trata disso em Gramsci. Para ele, o intelectual orgânico é elaborado pela classe no seu desenvolvimento e pode tanto ser burguês quanto proletário. (SEMIONATTO, p. 52, 1995)


Ainda pensando no cenário político, quando se discutem questões relacionadas aos direitos e conquistas do povo negro, como políticas afirmativas e reconhecimento de terras quilombolas, é fundamental se ter claro que quem ocupa as posições contrárias, majoritariamente, são os setores conservadores, representados pelo DEM (Partido Democratas) e por grandes produtoras rurais que se esforçam para manter a hegemonia, tanto econômica como dos espaços sociais. A universidade ainda é um espaço elitizado e de prestígio, sobretudo a pública que muitos consideram como o espaço da excelência acadêmica, da qualidade. Essa noção de qualidade também está sendo colocada em xeque com as políticas afirmativas, pois está se avaliando um novo contingente docente que historicamente não frequentava os bancos acadêmicos, da mesma forma que se avaliava o grupo privilegiado que ali sempre esteve e o resultado disso será notado.
Ainda como base clássica, Gramsci oferece subsídios fecundos para debater cultura e ideologia, que atravessarão o exercício de análise que pretendo fazer e ambas dão conteúdo ao processo de convencimento, parte fundamental do conceito de hegemonia em Gramsci. É evidente que terei de buscar autores contemporâneos que tratem de modo mais pontual cada problemática proposta, por exemplo, para responder a questão sobre qual a influência das ações afirmativas no processo de formação docente no ensino superior, terei que discutir formação de maneira pormenorizada, entretanto, não conseguirei fugir do debate sobre a cultura do professor universitário, seu papel na sociedade, a ideologia excludente de avaliação, entre outras questões.
Ter Gramsci como referência não significa segui-lo de modo mecânico, há de se ter claro que sua produção se deu em época e realidade muito diferentes da que vivemos. A idéia é perceber sua obra como um solo ético-político para entender a nossa realidade, fazer o movimento de conservação-superação que o mesmo Gramsci fez com relação a Marx e Lênin.
No projeto para o doutorado, há outras demandas que pretendo dar conta, como trabalhar para ampliar o diálogo do movimento negro com a universidade para que esse não fique restrito a ASSURGS (é bem mais avançada a relação com os funcionários do que com a instituição) e comparar distintas experiências de implantação de políticas afirmativas (UFRGS e UFSM, por exemplo). Abordar ainda, quais as transformações objetivas e subjetivas que ocorreram na UFRGS nos cinco anos de implantação, restringindo talvez cursos ou áreas do conhecimento e tendo formação docente e avaliação como temas centrais.


Referências bibliográficas:

COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci e as ciências sociais. Serviço Social e Sociedade, São Paulo: Cortês. 1990.

SADER, Emir (org). Gramsci, poder, política e partido. São Paulo: Expressão Popular, 2005.

SEMIONATTO, Ivete. Gramsci sua teoria, incidência no Brasil, influência no serviço social. São Paulo: Cortês, 1995.

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