quarta-feira, novembro 10, 2010

O mundo pela janela

Ontem no meio da fria e chuvosa madrugada, por volta das 4 da manhã, ouvi um barulho de sirene na rua e uma voz no megafone dizer: “mão na parede, rápido porra”, assustado, pois a rua da frente da pensão sempre foi calma, levantei e fui à janela ver do que se tratava. Duas viaturas policiais abordavam três pessoas, dois meninos e uma menina. Os três eram negros e a menina exibia uma saliente barriga de futura mãe.

Os policiais saíram dos carros e a gritos insistiam para que os sujeitos, além de levantar as mãos, mantivessem as pernas abertas e o rosto sempre virado para a parede. Os três sujeitos abordados estavam de bermuda, camiseta e a moça de chinelo e já vos contei sobre o clima da noite. Imaginei no primeiro momento que alguma coisa aqueles três tinham aprontado, no fim nunca saberei ao certo se havia algo, o que sei foi o que vi pela janela.

Ao chegar perto das pessoas os policias gritaram algumas coisas perto dos seus ouvidos, e o primeiro que tentou responder algo ao virar a cabeça em direção ao policial tomou os primeiros socos violentos nas costelas e logo que tentou se explicar mais levou chutes no joelho e violentos murros no corpo. Corri para pegar o celular e filmar a cena, afinal de contas eu estava presenciando um abuso de poder, quando voltei a cena mais dura não se repetiu, mas mesmo assim segui gravando.

Para ver melhor abri um pouco a janela algumas vezes e em uma delas fiz um barulho maior que o planejado e um dos policiais, o mais truculento, olhou para cima e inclusive se acalmou por isso. Pensei comigo, poxa Alfredo tu quase foi visto, depois marcam a pousada e batem na porta do seu Lauro por tua culpa. Filmei por mais um tempo, pelo rádio os policiais pegavam a ficha dos três, endereço, nomes dos pais e os “elementos”, como são chamados, ficaram por quarenta minutos na mesma posição na chuva. Então ouvi a conversa e entendi que a policia estava atrás de suspeitos que estariam arrombando carros de madrugada na região.

Quando liberou os suspeitos o policial que pudera ter me visto, falou algumas coisas e quando o último menino já estava a alguns metros, ele ainda ameaçou correr para pegá-lo tentando amedrontar o sujeito ainda mais. Voltei para a cama sem saber o que pensar, aquela história, que às vezes achamos exagero ou caricata, de que a polícia é violenta nas ruas e que quem sofre tal violência quase sempre são pobres e majoritariamente negros havia sido representada para mim como se eu fosse um expectador sozinho no teatro de uma janela só.

2 comentários:

jose ernesto grisa disse...

Cenas como estas são corriqueiras no Brasil, José Arbix tem um texto sobre isto na Caras Amigos. A impunidade retroalimenta a tortura do estado brasileiro.A sensação de impotência é o que prevalece na maioria das vezes, denunciar para quem? a represália? e a perseguição?
Tem muitos ingênuos que pensa que tortura só aconteceu durante a ditadura.
Ela é uma constante na realidade brasileira e tem um endereço de classe e de raça.
pai

Eliana Rigol disse...

Essas abordagens me lembram a Rota 66 do Caco Barcelos. Longe de ser uma questão isolada ou já passada, até hoje em São Paulo, os policiais saem com ordem para matar negros, pardos, guris entre 19 e 25 anos. Eles são mortos indiscriminadamente pela cor da pele e bairro em que caminham inseguros e à mercê do sistema de castas.