terça-feira, dezembro 04, 2012

Poeira das estrelas


Por Marcelo Gleiser que é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Dança do Universo"

Todas as noites, olhamos para o céu (ou se não o fazemos ao menos deveríamos) para confirmar que está tudo tranquilo lá em cima, que as estrelas continuam brilhando pacatamente, que as Três Marias continuam sendo três e não duas ou quatro e que a Lua ainda não nos abandonou. Essa imagem de tranquilidade, escuridão e sossego é um privilégio garantido pelas enormes distâncias cósmicas. A luz que vem da estrela mais próxima do Sol, a Alfa Centauri, demora mais de quatro anos para chegar até nós e isso viajando a uma velocidade de 300.000 km/s. Não é à toa que a maioria das culturas antigas via o céu noturno como um bastião de regularidade, especialmente se deixarmos de lado os impetuosos planetas e cometas.
Mas o céu não tem nada de pacato. Muito pelo contrário, se existe uma palavra que possa resumir a natureza física do cosmo, ela tem de ser transformação. Na natureza, abreviando o dito do grande químico francês Lavoisier, tudo se transforma. E os grandes motores das transformações cósmicas -da criação e da destruição de mundos, da geração de elementos químicos que aparecem em planetas, sapos e pessoas- são as explosões que marcam o fim da vida das estrelas. Pode parecer estranho falar em vida das estrelas, como se elas fossem seres vivos, mas a verdade é que a analogia é muito apropriada. Estrelas também nascem, evoluem e morrem, e desse ciclo nascem outras estrelas e outros mundos. Podemos até imaginar que as estrelas são uma espécie de reciclador de material cósmico. A partir de hidrogênio e um pouco de hélio, elas geram praticamente todos os outros elementos do Universo. Em outras palavras, o ferro, o carbono, o ouro e o urânio que encontramos aqui na Terra e em nossos corpos vieram da explosão de uma estrela em nossa vizinhança cósmica há 5 bilhões de anos.
Quando uma estrela com massa superior a oito massas solares esgota o seu combustível nuclear, o seu fim é uma questão de pouco tempo. Em breve, ela será destruída por uma explosão de uma violência indescritível, liberando uma energia equivalente a 10 mil trilhões de trilhões de megatoneladas de TNT. (Ou, em notação mais compacta, 1028 megatoneladas de TNT). Como comparação, uma bomba nuclear produz algumas megatoneladas de TNT. Uma supernova, como é chamada a estrela moribunda, pode brilhar mais intensamente do que toda uma galáxia contendo bilhões de estrelas.
A energia gerada no coração das estrelas vem da transmutação entre os elementos químicos que ocorre através da fusão nuclear. Durante a fase mais longa da vida da estrela, hidrogênio funde-se em hélio, tal como no Sol hoje, contrabalançando a contração gravitacional forçada continuamente por suas camadas mais externas. Eventualmente, o hidrogênio no coração da estrela se esgota, e hélio é fundido em carbono. A gravidade vai tentando comprimir a estrela ainda mais, e ela funde o que pode para resistir a sua própria implosão. A uma certa altura, o processo deixa de ser eficiente, as camadas externas da estrela despencam sobre a sua rígida região central e são ricocheteadas para o espaço sideral com velocidades que chegam a 50.000 km/s. Com isso, todos os elementos químicos que estavam sendo "cozinhados" no interior da estrela são espalhados pela sua vizinhança, como sementes em um jardim. As supernovas irrigam o espaço à sua volta com os elementos químicos que darão origem a outros mundos.
A cada segundo, uma supernova detona em alguma parte do Universo. Em nossa galáxia, temos de esperar de 30 a 50 anos para presenciar tal evento. Às vezes, uma explosão ocorre próxima o suficiente para ser observada a olho nu. Mas, nos últimos 2.000 anos, apenas seis foram registradas. A mais espetacular apareceu em 1054 na constelação do Touro. Segundo registros do Observatório Imperial de Pequim, na China, essa supernova foi visível durante o dia por três semanas e à noite por um ano, desaparecendo tão misteriosamente quanto ela apareceu. Certamente, para os astrônomos imperiais e os outros observadores celestes que presenciaram essas aparições, as estrelas novas deviam ser mensagens dos deuses. E para nós? Talvez a sua mensagem mais importante seja a profunda união de todas as coisas cósmicas: que nós, como tudo o mais no Universo, somos poeira das estrelas. 

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