quarta-feira, junho 30, 2010
A copa
sábado, junho 19, 2010
Saramaguiações 2
Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.
Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.
Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é demais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.
Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais.
Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente, ainda é muito pouco.
Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro.
JOSÉ SARAMAGO
Saramaguiações
segunda-feira, junho 14, 2010
Montevideo
Tango e candombe são os ritmos tradicionais, mas a cena do rock é bem promissora, pelo menos a que frequentamos. Passei por uma feira na rua que vendia coisas velhas e aparentemente sem nenhuma utilidade, porém se sabe que artistas plásticos consomem muito desses materiais, assim como colecionadores. Enfim, a história é algo muito vivo nas ruas, nas referências, a biblioteca nacional é bem movimentada, mas por outro lado a coca-cola e o MC estão estampados em todas partes da cidade que fui e não só como propaganda e sim nas cadeiras, nas mesas, nas fachadas. Bem mais que em Porto Alegre por exemplo. Foi muito boa a viagem, vale a pena. Logo, talvez, impressões sobre a cidade de Pelotas.
segunda-feira, junho 07, 2010
Valores e a atual fase da modernidade
OBS: Pessoal estive em Montevideo no feriado, por isso não atualizei o blog. Esse texto abaixo trata do mesmo tema que tentei tratar na poesia do post anterior, só que em outro formato.Quem sabe logo falarei das minhas impressões sobre a capital uruguaia.
Y mis manos son lo único que tengo
Y mis manos  son mi amor y mi sustento
Y mis manos son lo único que tengo
Y mis  manos son mi amor y mi sustento
Violeta Parra – Lo único que  tengo
Parece insólito cantar com Violeta Parra e seus mais  doces intérpretes, destacando-se Victor Jara e Mercedes Sosa. Lembrar a  grande poetiza popular chilena do século XX, falecida em 1967. Reafirmar  que é nas mãos de cada ser humano, onde se concentram, tanto suas  possibilidades de amar como a de trabalhar, produzindo algo para além de  si mesmo. Tais versos de incrível beleza vão à contramão de um tempo de  desvalorização do que é humano e sensível em cada pessoa.
Valorar  o trabalho seja ele manual ou intelectual está absolutamente fora de  moda. Na atual fase histórica, infelizmente, para muitos o que importa  não é mais o que se faz e se sabe fazer ou se pode aprender. A vida  social valoriza bem mais a posição alcançada do que a competência, bem  como, o dinheiro obtido no lugar a contribuição social. Diplomas e  cargos foram colocados no lugar da capacidade profissional.
O  amor próprio de hoje é muito mais alimentado por que se consegue  amealhar em propriedades (mesmo que sejam dívidas) e em recursos  financeiros (mesmo que apenas potenciais). A fama também substitui ou  relativiza o orgulho profissional. Ser reconhecido pela imagem e  atributos físicos ganhou um espaço antes desconhecido. O protótipo  construído da imagem pessoal, mesmo que esconda o que se passa  realmente, é o que importa.
Valorar o amor em todas as suas  formas e variações - dentre elas, o carinho pelo outro e o respeito  mútuo - caiu no vazio da lógica de interesses e de falsidades nas  relações interpessoais. O aperto de mão e a tapinha nas costas que  herdamos de nossos patrícios portugueses podem não transmitir nada de  mais concreto, restando em uma formalidade. O abraço, com o qual  terminamos nossos e.mails não é necessariamente algo que realmente  desejamos.  Não é diferente no que se refere às carícias entre os  amantes, amigos, pais e filhos.  
No deserto do real, criado  pelo desenvolvimento do capitalismo, a velha comunidade desaparece,  levando consigo a humanidade de seus membros. A admiração transforma-se  em inveja, o comentário banal, em intriga. Instala-se, facilmente, um  clima de desconfiança e se faz a apologia do ódio a quem estiver mais  próximo. Há um esforço desmedido para neutralizar a velha luta de  classes, substituindo-a pelas disputas interpessoais fratricidas e sem  nenhum conteúdo apreciável.
Neste contexto, a ignorância campeia  com a mais absoluta liberdade. Em vários ambientes, quase ninguém mais  ama o trabalho e nem gosta de seus semelhantes, o que interessa é o que  se pode lucrar. A lógica do sistema penetra o conjunto do tecido social,  corrompendo-o, criando impossibilidades. Os grupos contaminados  tornam-se arredios a qualquer solução ou compreensão racional, apenas,  seguem o que é transmitido pelas grandes mídias. Estas pilotam  consciências prestando inestimáveis serviços aos poucos que já têm poder  de sobra.
Obviamente, tal quadro dantesco não se aplica a todos  os entes sociais brasileiros e universais. Há poderosos núcleos de  resistência que não aceitam as regras do jogo. Estes fazem tudo o que  podem para reverte-las, buscando alternativas em seus trabalhos e demais  fazeres sociais. Há muita gente que continua amando o trabalho e seus  semelhantes. Eles não aceitam, como quem escreve este artigo, que este  mundo seja imutável e que não existam saídas. Não se calam e persistem.  Na verdade, só existe uma meta: jamais capitular frente ao inimigo.
Por  isto tudo é preciso continuar cantando com Parra, Jara, Sosa e seus  homólogos de toda parte. Insistir que continuamos a ter nas mãos o poder  de decidir a vida que queremos ter. Um sozinho muda alguma coisa,  quanto mais formos mais teremos a chance de viver uma sociedade mais  justa e fraterna, vencendo a ignorância. Felizmente, ainda conseguimos  nos emocionar ao ouvir os versos citados. Eles não param de ecoar em  nossos cérebros e de nos levar à busca de novos caminhos.    
Luís Carlos Lopes é professor e escritor.


